Mais um com a vida arruinada graças ao Benfica
Vasco Mendonça diz que Roger Schmidt é o maior inimigo dele próprio

Mais um com a vida arruinada graças ao Benfica

OPINIÃO20.08.202410:30

'Selvagem e Sentimental' é um espaço de opinião semanal do adepto benfiquista Vasco Mendonça

Andava por aí uma boa piada nas redes sociais, em vésperas do início da liga inglesa. É um vídeo de alguém a sorrir nervosamente enquanto contempla o horizonte, acompanhado de uma legenda que diz “eu a aproveitar os meus últimos dias até deixar que 11 indivíduos pagos a peso de ouro para pontapear uma bola arruinem a minha vida”. Há uma verdade universal nisto, aplicável aos adeptos de qualquer clube conhecido por pagar milhões aos seus atletas, uma verdade ainda mais reconhecível quando se passa muito tempo sem ganhar ou sem encontrar uma alegria de viver equivalente à grandeza do clube pelo qual se torce. E depois há o contexto de cada indivíduo. Enquanto Benfiquista, tendo já assistido à estreia em Famalicão, olhei para este meme e senti que já estava na fase seguinte, a da vida arruinada. Veio-me à cabeça um súbito flashback do otimismo moderado na véspera da derrota em Famalicão, enquanto percorria novamente os nomes do plantel sénior e pensava que talvez, com jeitinho e muitos golos do Pavlidis, isto vá ao sítio. 

A semana que se seguiu foi de angústia e expectativa. Lembrei-me daquela célebre frase de José Mourinho quando, após uma derrota da sua equipa, avisou que o adversário da jornada seguinte iria pagar a conta. Lembrei-me disso e depois tentei reinterpretar a ausência de explicações de Roger Schmidt na flash interview. Talvez se tivesse tratado de um magnífico bluff, um problema a ser resolvido entre as quatro paredes do balneário, após a análise exaustiva dos erros da equipa e do treinador na primeira jornada, erros tão manifestamente óbvios que não restaria outra opção senão o mais elementar bom senso de os corrigir. E foi assim, munido de uma tímida esperança, que passei os dias seguintes, apostado em perceber se era verdade que o clube queria mesmo vender mais um extremo ou se o central em tempos capitão regressaria eventualmente da sua outra ocupação profissional na seleção argentina. 

Chegou a véspera, tempo de antevisões e de renovação da esperança. Roger Schmidt não poupa nas palavras. A 24 horas de um jogo em que a equipa está obrigada a voltar às vitórias, aproveita a ocasião para mais uma masterclass de comunicação. Começando por explicar que também ele é adepto do Benfica, acrescenta que o clube conquistou dois títulos durante o seu período no clube, e que isso é mais do que antes. Ocorre-me que, para além de um tradutor inglês-português, talvez faça sentido incluir um sócio do clube, qualquer um, como intérprete das palavras de Roger Schmidt em cada conferência de imprensa, para explicar ao próprio a infelicidade recorrente das suas declarações a jornalistas. O alemão explica também que “é importante nos momentos difíceis ter paciência e convicção para acreditar na equipa, nos jogadores, nas pessoas que estão a fazer tudo, todos os dias, para manter adeptos felizes”. Pronto, Roger. Vamos ao jogo seguinte.  

Nesse mesmo dia, à noite, cometo o erro de assistir à segunda parte da estreia do Paris Saint-Germain. Vejo João Neves instalar-se no meio-campo e no ataque do PSG como se aquilo fosse tudo dele, com duas assistências das que raramente vi no Benfica, e ocorre-me que talvez Roger Schmidt não tenha sabido tirar o melhor partido do jogador, ou, quem sabe, não tenha passado tempo suficiente com ele. Acontece também que nunca saberemos a resposta a esta pergunta, porque foi preciso vender já um dos melhores jogadores do plantel, e o mais promissor. Desligo a tv e faço os possíveis por afastar os pensamentos maus. Deixo o João Neves para trás e adormeço na esperança de um amanhã melhor. 

Antes de ver o estádio cheio e a bola a rolar, o primeiro revés. Roger Schmidt escolhe o mesmo onze, um estranho voto de confiança depois de uma exibição tão preocupante. Será que Schmidt percebeu durante a semana como colocar este onze a render muito mais do que na jornada anterior? O jogo está quase a começar. O momento pedia esperança e otimismo, mas a cabeça e o coração não permitiam. Parecia pouco provável que estivesse ali a solução para os problemas criados pelos adversários do Benfica na Liga, e os primeiros 65 minutos do jogo acabaram por confirmar isso.

Perante um Casa Pia quase inexistente no ataque, a dupla Barreiro-Florentino tenta fazer chegar a bola mais à frente, mas os passes queimam, o desequilíbrio nas alas é inexistente, a bola não chega com qualidade à zona avançada, não há uma bola em condições de ser finalizada por Pavlidis, e o Benfica passa mais 1 hora a passar a bola para o lado e para trás, incapaz de criar situações de perigo na área adversária. É nestas alturas que somos relembrados do que aconteceu ao plantel do Benfica esta época. Perdeu Rafa, Neres e João Neves sem que um substituto à altura tivesse aparecido. Por outro lado, manteve o treinador e uma ideia de jogo que tem vindo a ser eficazmente desmembrada nas competições internas, razão pela qual o Benfica não se tem aguentado em provas de regularidade e acaba por sofrer da sua própria falta de confiança, organização e capacidade, nos restantes jogos a doer.

A equipa lá encontrou o caminho da baliza, mostrando até coisas mas só quando Roger Schmidt corrigiu os seus próprios erros, mostrando - sempre que a oportunidade lhe é dada - que o pior inimigo de Roger Schmidt é Roger Schmidt. A exibição acabou por trazer mais angústia do que satisfação, mais pessimismo do que ânimo, muitas dúvidas e apenas uma certeza: a de que dificilmente terei mais dias livres nos próximos largos meses, agora que 11 indivíduos pagos a peso de ouro para pontapear uma bola, e um treinador incapaz de garantir futuro ou esperança, decidiram arruinar-nos a vida. Os memes são assim. Têm piada pela verdade que contam. 

À hora em que escrevo este texto, o Benfica tem um treinador sobre o qual recai a maior incerteza, uma equipa incapaz, até agora, de pôr em prática uma ideia de jogo à Benfica, continua a viver de uma crença absurda no regresso de um futebol que nem Roger Schmidt sabe muito bem explicar como aconteceu, e tem menos um extremo - Neres - capaz de desbloquear jogos como este último, bem suado. Por outro lado, parece ter ganho Tiago Gouveia, que estava vendido há uma semana mas afinal, diz a imprensa, vai ficar porque marcou dois golos e agora o presidente não poderia correr o risco de ver mais um miúdo da casa sair, não quando é um dos poucos que alimenta a esperança ingénua de que há uma solução no banco de suplentes para os problemas que o Benfica vive, como se os problemas fossem só de ataque posicional e não de um modelo organizacional e uma liderança em processo acelerado de descarrilamento.


É certo que o futebol inebria e gera níveis de tolerância improváveis em qualquer outra área das nossas vidas. Poderá até surpreender esta época. Aturamos de tudo, até a incompetência, se a vitória parecer mais próxima e a alegria parecer um pouco menos efémera. Mas, mal conduzido, o futebol também produz angústia, apatia e desânimo, o oposto, diria, da sua principal função. E quem convive hoje com Benfiquistas vê o quanto esse sentimento abunda e contamina os momentos, e são muitos, vividos deliberadamente em função do clube, mesmo que isso tantas vezes nos estrague o dia. A alegria e a esperança hão-de voltar, mas, lamento dizê-lo, nada me leva a crer que isso vá acontecer sem que antes as coisas piorem.

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