João Gabriel escreve: trevas de uns, egos de outros
Vieira cometeu erros? Claramente que sim, teve excessos, enganou-se, falhou muitas vezes, mas o Benfica é hoje o que é graças a ele
Por razões que não vale a pena aqui trazer, tenho-me abstido nos últimos anos de escrever ou falar do SL Benfica. Entendi ser chegado o tempo de quebrar esse silêncio por uma questão de memória, justiça e, finalmente, propósito!
Nunca fui dos que bajularam ostensivamente Vieira enquanto era líder do clube, nem dos que calaram críticas ou se inibiram de apontar-lhe falhas, mas sou daqueles que continuam a atender-lhe o telefone e a estar com ele quando a ocasião se proporciona. A maioria dos primeiros são os mesmos que hoje o renegam. Uma questão de caráter. Há os que tem e os que lhe falta!
Vieira deixou a presidência do Benfica em 2021. Desde então para cá, a nova direção já investiu mais de 250 milhões de euros em reforços, construiu o plantel que quis, sem quaisquer limitações. Não teve de enfrentar dificuldades de tesouraria, negociar dívidas ou inibições da UEFA. O Benfica de Vieira não é só o que ficou em termos de infraestruturas, a nível de quadros e profissionalização, de valorização de marca, do que conquistou a nível desportivo, é também o da solidez financeira. Tomara Villas-Boas ter encontrado o seu clube nas trevas em que Rui Costa assumiu o SL Benfica!
É por isto que me incomoda ouvir repetidamente, não só mas também nas AG, associar o chamado vieirismo ao tempo das trevas, como se de um período negro da história do Clube se tratasse. Uma crítica fácil e generalizada na boca de alguns, mas que só por absoluta má-fé se pode sustentar. Vieira cometeu erros? Claramente que sim, teve excessos, enganou-se, falhou muitas vezes, mas o Benfica é hoje o que é graças a ele. Cometeu crimes, prejudicou o Benfica? Serão os tribunais e não os jornais a determiná-lo. Em matéria de justiça é assim que deve ser. Se chegar o tempo de apontar-lhe o dedo, cá estarei para o fazer, mas esse tempo ainda não chegou.
Ouvi alguns sócios, na última AG, como já tinha ouvido antes, pedir com incontida veemência a expulsão de Vieira. Nenhum deles tem a mínima noção do que Vieira representou para o clube. Não têm noção de que, sem Vieira, provavelmente não haveria clube de onde expulsar quem quer que fosse! O Benfica acabou para Vieira, independentemente do que ele pense ou queira para o seu futuro, mas não se pode perder a memória do que ele representou para o clube.
Na vida, nada é definitivo. O sucesso, mas também o fracasso, é transitório. Em futebol, ainda mais! É sempre a última imagem que prevalece, são os resultados que ditam a direção do vento, influenciando o tom dos elogios ou a contundência das críticas. Rui Costa tem a legitimidade das urnas para terminar o seu mandato em paz e provar que mereceu a confiança dos que nele votaram! Mas deve saber ouvir, porque quem exerce o poder deve ter a inteligência de saber crescer com as críticas!
E, não, ao contrário do que repetidamente fui ouvindo, Rui Costa não é a continuação de Vieira! Isso ficou claro em julho de 2021, quando, ao assumir, ainda que de forma interina, na altura, a liderança do clube, não conseguiu dedicar uma única linha da sua intervenção a Luís Filipe Vieira! Influenciado ou por vontade própria, a verdade é que ignorou Vieira, e esse foi o dia em que o vieirismo acabou na Luz! Não acho que tenha sido o momento mais feliz de Rui Costa, mas foi a opção que decidiu tomar!
Do atual Benfica, vejo com preocupação um departamento de comunicação segmentado e pouco ativo, vejo como inadmissível que se transforme o aeroporto da Portela ou o aeródromo de Tires numa passerelle de verão ou meia-estação, que lugares que exigem discrição e recato sejam exercidos de forma exageradamente oposta, que se deixem partir jogadores chave enquanto se renovam outros contratos de forma extemporânea e, finalmente, acho preocupante o dinheiro gasto em reforços sem retorno. Não faltou ousadia a Rui Costa, faltou-lhe acerto. Corrigindo os erros, a ousadia será premiada. Persistindo neles, sair-lhe-á cara, a ele e ao clube.
Rui Costa nunca escondeu o desejo de liderar o Benfica, sempre teve essa vontade e sempre entendeu reunir as competências necessárias. O tempo dirá se efetivamente as tem, mas há uma coisa de que tenho a certeza: fará tudo para honrar o lugar que ocupa, porque está na sua cadeira de sonho. Podendo falhar, Rui Costa não aspira a nada mais que servir o Benfica. E esta é a deixa para a questão do propósito das coisas!
Por limite de mandatos, Fernando Gomes não poderá recandidatar-se à presidência da FPF. Procura-se, portanto, alguém que queira servir a instituição. A candidatura de Proença é o segredo mais mal guardado do futebol português. É verdade que, em público, nunca se assumiu candidato, mas, em privado, Proença já derrubou essa a porta a pontapé! Já confidenciou a vários públicos, repetidas vezes, que está a trabalhar há um ano e meio para as eleições na FPF e que tem 80 pessoas envolvidas na candidatura. A frase podia levar aspas.
Afirmações que levantam dúvidas éticas e materiais. Do ponto de vista ético, é só fazer as contas, e perceber que Proença já estava a trabalhar nas eleições para a FPF quando apresentou a sua recandidatura à Liga, garantindo aos clubes que assumia um compromisso que na verdade não estava a pensar cumprir! Isto já por si seria grave, mas a questão material é mais preocupante: quem são essas 80 pessoas? E quem paga? Terão os clubes consciência de que muita da agenda de Proença à frente da Liga não tem que ver com as funções que ocupa, mas com aquelas que quer vir a desempenhar em breve?
Para Proença, a Liga foi instrumental para aquela que quer que seja a sua próxima etapa, como a FPF será, se lá chegar, instrumental para o que vier a seguir. Não é o lugar ou a instituição que o motiva, mas o seu ego.
Duarte Gomes escreveu há dias, nas páginas deste jornal, que Proença «seria a figura mais qualificada para agarrar o desafio». Vamos então saber o que é que habilita Proença ao lugar. Será que o trabalho desenvolvido na Liga é assim tão meritório? O futebol português está mais competitivo? Os quadros competitivos foram reformulados? Estamos mais fortes na Europa? Temos mais público nos estádios? Estão os clubes portugueses financeiramente mais sustentáveis? Se respondermos a todas estas questões, vemos que Duarte Gomes não tem razão.
Proença é mais imagem que conteúdo, não se move por um sentido de missão, mas de ambição. A Liga transformou-se numa afinada máquina de propaganda, com ações que, numa análise rigorosa, levantariam muitas dúvidas, até de legalidade, nomeadamente quando, com o orçamento da Liga, se convidam, repetidamente, elementos do universo eleitoral da FPF para o acompanhar em viagens internacionais. A questão é saber qual o preço que os responsáveis pelo futebol português estão dispostos a pagar para afagar o ego de Proença. Qualquer que seja, será demasiado alto!
A terminar, volto ainda a Duarte Gomes, porque outra das razões invocadas para declarar o seu apoio a Proença tem que ver com «a carreira brilhante na arbitragem». Não é essa a memória que os benfiquistas guardam. Como sócio há mais de 30 anos, espero que a direção do clube não apoie Proença e não comprometa o seu voto sem, pelo menos, ouvir os seus sócios em AG.