Irresponsabilidade do clube, responsabilidade da equipa

OPINIÃO01.10.202003:30

Há um conjunto de conhecimentos e de comportamentos que, por muito que se estudem, jamais explicámos convenientemente. Num qualquer desses conjuntos está o facto de eu ser sócio de uma agremiação que nunca parece estar em paz consigo e com os outros. Já me interroguei se fará mal à saúde ser do Sporting, mas não creio que seja esse o ponto essencial. O grande problema é a constante intranquilidade.
Vejamos esta última semana: duas AGs, essencialmente para aprovar contas e Orçamento, resultaram em psicodramas. Na do clube foi tudo rejeitado; na da SAD, apesar de tudo aprovado, pediu-se a cabeça do presidente Frederico Varandas; em ambas foram levantadas suspeições graves.
Acontece que não conheço suficientemente o que está em causa para ter uma opinião formada, mas quero crer que há um misto de irresponsabilidade da Direção e dos sócios que conduzem a este tipo de resultados; em segundo lugar, defendo que o modelo de governação do clube (bem como da generalidade dos outros clubes) é profundamente errado; por último, não só não percebo, como acho lamentável, a ideia de que uma Direção eleita tenha de se demitir a meio do mandato porque uns sócios entendem que está a gerir mal o clube.
Sinteticamente, a irresponsabilidade da Direção resulta da sua ausência de comunicação clara. A maioria dos sócios confunde a SAD com o clube e vai às AGs do clube discutir assuntos que são da SAD (não sei se podemos aplicar neste ponto um vice-versa, mas creio bem que sim). Desde logo, atitudes de administradores da SAD, quando em plena crise administradores da SAD decidiram aumentar-se. A prazo, essas atitudes pagam-se, mesmo que não sejam nos locais próprios; depois, a gestão errática da SAD a contratar e a despedir treinadores e jogadores, além da péssima última época, só vagamente salva pela entrada (já tardia, em termos de campeonato) de Rúben Amorim.
Os danos reputacionais para o clube promovidos pela sua própria Direção (que é a mesma da SAD, outro erro, a que já irei), acabam nisto: uma AG perdida pela Direção e por mais de dois terços. Não é o fim do mundo, mas pode ser o princípio do fim desta Direção.
Do outro lado temos aqueles sócios (que em larga maioria não votaram na lista de Varandas), muito desiludidos com a falta de união no Sporting, prometida pela lista vencedora e, por último, uma pequena minoria de sócios que ainda lamenta a destituição de Bruno de Carvalho - esse por violações grosseiras dos estatutos, além da má gestão.

O governo do clube

Um dos erros que, do meu ponto de vista, todos (ou quase) os clubes cometem é fazer coincidir as Direções dos clubes e das SAD. Ou seja, o clube, que tem maioria na SAD e deveria, como tal, zelar pelos seus interesses na sociedade, acaba por ter as duas presidências, numa promiscuidade em que ninguém escrutina ninguém, porque são os mesmos. Desta forma, é natural que os problemas extravasem da SAD para o clube e o mesmo em sentido inverso.
Sendo, habitualmente, tido como um assunto de somenos, aquilo que se pode considerar a governança de um clube é decisivo. Hoje, todos os clubes vivem de dinheiros que não se sabem de onde vêm, nem para onde vão, nem em que bolsos param. Este simples facto leva a que os prevaricadores fiquem sem castigo e lança sobre os escrupulosos um manto de suspeição. Assim, podemos compreender por que razão nas AGs se ouvem mais insultos e insinuações do que cumprimentos entre pessoas que teriam, em princípio, os mesmos objetivos.
É o caso de uma estranha dívida (falada, não comprovada em absoluto) do clube à SAD. Talvez com mais comunicação e menos promiscuidade se conseguissem esclarecimentos cabais. E bem sei que posso obtê-los a qualquer momento, tanto junto da Direção, como de alguém que a conteste. Mas não me refiro a uma pessoa em particular, nem que essa pessoa seja eu.
Dito isto, permitam-me que condene a ideia de que a Direção deve ser demitida ou deve demitir-se. O sócio que veio para o meio da rua fazer esses reptos, Luís Gestas, era um dos responsáveis da gestão de Bruno de Carvalho. Ou tem da democracia um conceito estranho (que passa por dar safanões a outros em AGs) ou mudou radicalmente no que toca a escrutinar as contas. Recordemos que Bruno de Carvalho e o seu CD não foram exemplares nas contas, além das muitas ilegalidades que foram cometidas, as quais testemunhei e devido às quais propus várias sanções aprovadas em AG; incluindo ao sócio Luís Gestas.
A Frederico Varandas resta tentar fazer o que há muito deveria ter feito. Todos os esforços para unir o clube, toda a transparência nos atos de gestão, toda a ênfase para mudar a forma de governar o clube. Agora que a equipa de futebol parece ter deixado de ser um foco de problemas, mostrando-se coesa e com rumo, poderá ter uma boa oportunidade.

E vamos à bola!

Se deixo o futebol para o fim é porque estou convencido que o Sporting não pode continuar desta forma. O mandato da Direção vai a meio e tem sido, também, um foco de problemas. Verdadeiramente, a favor tem o trabalho de tentar colocar as claques na ordem (as que precisam, claro) e ter acertado, à terceira tentativa, num treinador (que mesmo assim passou pela vergonha e - lá está - dano reputacional de não o pagar atempadamente).
Faz hoje oito dias o Sporting teve o seu primeiro jogo a sério, contra o Aberdeen. Não fez uma grande exibição, mas foi humilde e competente. Repetiu o feito, no seu primeiro jogo da Liga, contra o Paços de Ferreira, fora de casa. E, se é verdade que o penálti com que abriu o marcador não existiu, não o é menos que os pacenses não tiveram um remate enquadrado à baliza. A exibição voltou a não ser extasiante, mas o jogo teve pés e cabeça e viu-se qual o objetivo. Dois jogos sem sofrer golos e com excelentes apontamentos aliados a uma eficácia, humildade e querer como há tempos não se via no Sporting. Levado à prática por jovens como Nuno Mendes, Tiago Tomás, Matheus Nunes, Daniel Bragança; por recém-chegados, como Adán, Feddal, Porro, Nuno Santos; e pelos já conhecidos Jovane, Vietto, Neto ou Sporar e, sobretudo, Wendel e Coates, o médio que se torna maestro da equipa e o capitão que tem dado excelente conta da defesa.
Claro que o grande teste é hoje, contra o LASK, de Linz, Áustria. Jogamos em Alvalade, onde o ano passado ganhámos por 2-1 para a mesma Liga Europa (em Linz perdemos 0-3). Mas essa vitória foi enganadora, num jogo cheio de dificuldades e que só a custo vencemos. De notar, ainda, que o LASK vem moralizado de uma goleada.
Apenas uma palavra para os que se vão: Rosier sempre foi uma carta fora do baralho; Luiz Phellype só jogou muito bem na minha PlayStation, mas tenho alguma pena de Ristovski, não consigo dizer porquê, mas simpatizava com o jogo do lateral, embora, por vezes, duro de mais.