É o momento!

OPINIÃO09.12.202205:35

Insisto na ideia de que só a humildade dá grandeza; a arrogância, apenas algum sucesso

Aversão apurada pelo jornalista de A BOLA Rogério Azevedo, enviado especial deste jornal ao Mundial, no Catar, é clara, e naturalmente resume a informação que o jornalista recolhe por todas as formas que consegue, com as fontes que contacta. Perante o selecionador ou perante quaisquer outros responsáveis da Federação Portuguesa de Futebol, Cristiano Ronaldo nunca assumiu ou ameaçou abandonar a equipa e o Campeonato do Mundo. Não custa acreditar que terá reagido mal, até de forma emocionalmente mais desequilibrada, admito, à decisão de Fernando Santos de não o incluir no onze que defrontou a Suíça, na última terça-feira. Mas mesmo que alguma palavra dura, irrefletida, inconveniente, mais explosiva, lhe tenha saído da boca pra fora, não é nada fácil imaginar Cristiano Ronaldo a decidir bater com a porta e virar costas à Seleção pela qual tem o melhor registo da história e sempre deu, inquestionavelmente, o melhor dele próprio. Não se trata de pôr as mãos pelo fogo por ninguém. Trata-se de tentar compreender.
Ainda há dias escrevi o que nem todos, pelos vistos, souberam ler: Ronaldo estará, possivelmente, a ceder à pressão de ser demasiado grande na dimensão desportiva, no impacto universal, na grandeza de imagem como ídolo de milhões e milhões de adeptos; mas isso não deve fazer dele o alvo a quem todos se acham no direito de atirar pedras
Neste turbilhão de emoções desenvolvido a partir de uma relação tempestuosa com o anterior clube e treinador, Ronaldo tem, realmente, vindo a acumular decisões e comportamentos discutíveis e nem sempre fáceis de compreender e aceitar.
Correndo o risco de não o ter deixado claro em anterior opinião, sublinho, agora, a ideia de que Cristiano Ronaldo não merece o alegado massacre de alguma opinião apenas por ter usado (e dirigido ao selecionador) expressões menos próprias naquele momento em que foi substituído no jogo com a Coreia. Jogadores profundamente irritados por serem substituídos deve ser quase tão antigo como a própria substituição, incluída no futebol apenas a partir do Mundial de 1970 (duas substituições permitidas, quando, até aí, e apenas nalguns países, podia trocar-se só um jogador e em caso de lesão).
Claro que é feio o que fez Cristiano Ronaldo, e feias são todas as más reações dos jogadores ao serem substituídos, quer se dirijam de modo impróprio ao treinador, quer deem chutos nas garrafas de água, quer atirem braçadeiras de capitão ao chão (como Ronaldo já fez), quer deixem o líder técnico de mão estendida (como me recordo de ver, por exemplo, o egípcio Salah fazer ao durão Jurgen Klopp, no Liverpool).
O azar de Ronaldo, agora, é exatamente ser… Ronaldo, e ter todos os olhos postos sobre ele, e as câmaras de TV, e as objetivas dos fotógrafos, e sabendo que está num universo tão vigiado, devia, pelo menos, ter assumido ter feito o que realmente fez, e arrumava o assunto. Ao dizer que disse o que disse por estar a dirigir-se a um jogador adversário, não apenas mentiu, como quis fazer passar por idiotas aqueles que são hoje os maiores (e mais pagadores) consumidores do futebol, os que o seguem pela televisão.
Cristiano Ronaldo parece realmente não estar a saber gerir o momento da sua carreira. Estará, porventura, a ceder à pressão de ser demasiado grande para as difíceis circunstâncias desportivas que vive, depois das dificílimas circunstâncias pessoais que certamente viveu no último verão.
Não confundamos críticas, porém, com tentativas de destruição moral ou ataques ao caráter de Ronaldo. Está em negação no sentido em que parece não aceitar que o momento desportivo não é o mesmo do tempo em que levava a Seleção (e a Federação) às costas? Convive mal com decisões estranhas à sua vontade? Parece zangado com o mundo, como tão bem destacava o José Manuel Delgado num artigo recente, igualmente neste jornal? Não se sente apoiado, como gostaria ou exigiria, por companheiros ou estrutura? Talvez tudo isso junto ou um pouco de cada uma dessas tendências em dose excessiva.
O que Cristiano Ronaldo deve, na verdade, compreender, na minha opinião, sendo tão grande, tão incomensuravelmente grande, tão inequivocamente grande, tão infinitamente grande, tão inigualavelmente grande, é a necessidade de ser realmente grande quando, à sua volta, tudo parece desabar. É este o momento!
Mas Cristiano Ronaldo ainda está no Campeonato do Mundo, que ele, como todos nós, deseja que seja o mais memorável de todos os Mundiais de Portugal; está e sentou-se no banco com os suíços; e entrou aos 70 e tal minutos, agraciado pelo outro principal cavaleiro desta história, o consagrado Pepe, que lhe transmitiu todo o reconhecimento através da braçadeira de capitão; como sempre, não se escondeu do jogo e procurou o golo; falhou; mas celebrou (já o tinha feito, ainda no banco), e não é justo que se diga que não festejou com os companheiros, após o final. Celebrou e saudou o triunfo, mesmo tendo escolhido sair antes de todos, acompanhado apenas pela sua própria solidão espiritual, marcando posição para centrar atenções, igual, no fundo, ao que sempre foi - como todos os reis, egocêntrico e implacável, solitário, destemido e orgulhoso, imperial, mas, ainda assim, solidário, nem sempre tolerante ou compreensivo, mas sempre determinado, convivendo melhor com a arrogância do que com a humildade, talvez como defesa, talvez por não compreender ainda que é da humildade que vem a grandeza, ainda que a  arrogância possa trazer algum sucesso.
Se passou ou não pela cabeça de Cristiano Ronaldo abandonar a Seleção em pleno Campeonato do Mundo, só ele (ou testemunhas muito privilegiadas) poderá verdadeiramente confirmar. Espero, sinceramente, que não, porque quero continuar a crer que Cristiano Ronaldo será capaz de respeitar a própria grandeza, que faz dele o maior de todos e, porventura, figura jamais igualável. O contrário seria provavelmente a maior desilusão da história do futebol. Oxalá Cristiano Ronaldo não precise de refletir muito para o compreender!
 

HOUVE, realmente, um tempo em que um hat trick, num jogo de futebol, se registava, com aviso de receção, quando o mesmo jogador conseguia marcar três golos consecutivos. O tempo fez, porém, com que se fosse deixando cair essa ideia, para a transformar, nos dias de hoje, no registo do jogador que marca três golos num jogo sem precisar que sejam consecutivos.
Tendo a concordar. Três golos num jogo já é um feito substancialmente assinalável para ser visto como verdadeiro truque ou coelho tirado da cartola, golpe de mágica ou fabulosa jogada de chapéu. Tire-se-lhe, pois, o dito, porque o jovem Gonçalo Ramos bem merece o que o destino lhe reservou, pelo que sugere trabalhar no palco ou atrás da cortina, onde o espectador não o vê.
Certo que na estreia a titular da Seleção, o jovem algarvio precisou apenas de quatro oportunidades para fazer três golos, média assombrosa para quem está mais habituado a vê-lo, pelo Benfica, para marcar um golo, a precisar de quatro oportunidades. Frente à Suíça, agora, nos oitavos de final de um Campeonato do Mundo, o jovem Ramos teve ainda o desplante de fazer os golos mais difíceis e de não fazer, aparentemente, o mais fácil. É o futebol. Pecado seria, porém, não fazer nenhum, e Gonçalo, na verdade, vem contrariando muito a ideia de alguns, como eu (reconheço-o sem dificuldade), que ainda não viram nele atacante para grande equipa. Soma, até ao momento, 17 golos em 24 presenças em jogos oficiais - 14 do quais em 21 jogos pelo Benfica, e três golos em três presenças pela Seleção, num total de 84 minutos e apenas uma vez titular, mais um golo nos 23 minutos em que esteve em campo no particular das quinas com a Nigéria. Nada mau! Que me sirva, de algum modo, a lição aplicada por mister José Peseiro, volto a recordá-la, segundo a qual nenhum atacante está realmente pronto aos 21 anos, ou melhor, salvo exceções contadas pelos dedos de uma só mão, como Erling Haaland e companhia.
Gonçalo Ramos que desfrute, assim, do momento, porque o futebol é realmente isso, o momento, hoje exuberante e altamente festivo, amanhã infeliz e cruel, e é muitas vezes pelo inexplicável que o jogo se torna tão exuberante e apaixonante.
Em que outro jogo uma equipa, como Marrocos, tem a bola tão pouco tempo, defende muito mais, mas muito mais do que ataca, remata tão menos vezes que o adversário, e mesmo assim o vence, como Marrocos venceu a Espanha? O futebol é espetacular exatamente porque nem tudo se explica pela estatística, nem pela estratégia tática e muito menos pelo conhecimento científico, mas apenas por ser… um jogo. Emocionante, misericordioso e cruel, de bestiais e de bestas!

PS: Perceberá Roger Schmidt que, num momento de renovação de contrato com o jogador, falando publicamente de Grimaldo como fala não está propriamente a ser solidário com a administração da empresa que lhe paga? Às vezes, Schmidt até parece deslumbrar-se com o vento tão favorável...