‘Desfechar’
Abertura e respeito pelo público é o que afasta desconfianças em Inglaterra. Ameaças a árbitros foram conhecidas. E por cá?
UMA das palavras interessantes da língua inglesa é disclose. Que significa revelar, divulgar ou até mesmo adquirir um significado mais lato, de transparência. Tal como tantas outras palavras nesta língua que se tornou universal, o uso do prefixo serve para nos lembrar que se trata do contrário de algo que devemos sempre ter em mente. Neste caso, de algo fechado, opaco, pouco transparente. Penso nisto a propósito das constantes comparações entre as arbitragens portuguesa e inglesa e a forma como as autoridades no geral lidam com os problemas. E cada vez mais tenho uma certeza: os árbitros ingleses, no seu todo, não são melhores que os portugueses mas o seu entorno tem uma grande diferença em relação aos seus homólogos do velho país aliado: as respetivas estruturas defendem o futebol e não apenas os seus interesses e por isso são prontas a reconhecer as falhas, de forma pública, sem que com isso se sintam diminuídas nas suas capacidades.
É com esta constante comunicação para o exterior e o respeito demonstrado pelos intervenientes e adeptos que se combate a desconfiança. Recordo um exemplo: há quase duas semanas o Chelsea viu ser-lhe negado um penálti descaradíssimo no dérbi frente ao West Ham (1-1), quando o defesa Tomas Soucek fez uma autêntica defesa com a mão na grande área. O juiz não viu, o VAR também não, mas todos aceitaram, mesmo o treinador de uma equipa que investiu mais de €600 milhões em reforços esta época, que se tratou, apenas e só, de um erro.
O grande problema em Portugal está relacionado com a perceção da realidade e a cultura de opacidade que só favorece as teorias da conspiração ainda mais massificadas num mundo digital que, como disse Umberto Eco, «premiou o idiota da aldeia a detentor da verdade». A este propósito tenho de roubar as palavras de Duarte Gomes, a pessoa mais sensata que escreve sobre arbitragem em Portugal, num artigo publicado em A BOLA a 14 de fevereiro: «Infelizmente, a arbitragem de hoje comunica da mesma forma que comunicava há vinte, trinta ou quarenta anos: com silêncio absoluto e em clausura total.»
NA semana passada foram divulgados os resultados de um inquérito a mais de sete mil árbitros em Inglaterra promovido pela respetiva associação e os resultados foram preocupantes: centenas de juízes revelaram temer pela sua segurança. E entre aqueles que apitam jogos das divisões inferiores as queixas de ameaças de jogadores, treinadores, espectadores e pais de jogadores (no caso dos escalões jovens) acumulam-se, desde ameaças a familiares, negócios e mesmo à própria vida. Dos 122 árbitros com menos de 17 anos mais de 100 revelaram sofrer abusos de treinadores (105), espectadores (109) e jogadores (102). Isto foi tema de debate no país, por se tratar de um assunto sério, e não por acaso pela primeira vez na história 100 juízes de divisões secundárias vão usar bodycams (câmaras corporais, semelhantes às que usam os polícias) no próximo fim de semana, numa experiência que servirá para dissuadir comportamentos agressivos.
Por aqui se prova que o ambiente em Inglaterra não será melhor que em Portugal para os árbitros mas o tema resolve-se de frente e, muito importante frisá-lo, de forma pública e transparente. O que nos leva a questionar: esses dados existem em Portugal? Se existem, porque não são conhecidos? Quantos árbitros já foram ameaçados? De que forma, física ou online? Isolada ou reiteradamente? O que foi feito entretanto? O que está em perspetiva para ser realizado?
Dirão muitos que as discussões sobre as arbitragens sobem de tom consoante as cores dos prejudicados ou beneficiados, e esse argumento até pode colher, mas a questão de fundo permanece com uma pedra no sapato: se em pleno 2023, na era da videoarbitragem já com anos suficientes de experiência, os erros graves de arbitragem continuam a ocorrer em série e nem um único sinal é emitido para o exterior no sentido de melhorar a perceção da realidade, isso só pode ser entendido como conivência. Ou pior ainda: resignação. Case closed. Em inglês fica sempre bem, como cantam os Clã.