Começou o campeonato e não acabou o mercado
1Iniciou-se o ansiado campeonato, onde, para cada equipa, estão 102 pontos em disputa. O Benfica venceu com naturalidade o primodivisionário Paços de Ferreira, com um resultado gordo que tem sido mais a regra do que a excepção. Já o Porto perdeu com outro primodivisionário (aliás, vindo do terceiro escalão), assim desbaratando 3 dos 102 pontos, coisa pouca é certo (2,94% do total possível). Valeu-lhe a vitória caseira no ciclismo, em coligação com uma marca de nome dâblio 52. O título de A BOLA de domingo sintetizava, com mestria, as entradas do campeão e do vice-campeão da época passada: de um lado, uma gala; de outro lado, um galo. Acrescentaria: a gala com gula, o galo com gole. A gala com goleada, o galo sem ser degolado. Quanto ao Sporting, nada de novo a oeste, quer dizer na Madeira, continuando à procura da primeira vitória nesta temporada. Para frustração de uns tantos, não houve casos de arbitragem, que, aliás, começou muito bem.
Não sou dos que embandeiram em arco, logo à primeira jornada, ainda que seja categoricamente claro que o Benfica se apresentou bem melhor do que os seus rivais. Por isso, estou completamente de acordo com o discurso sereno, inteligente e positivamente cauteloso de Bruno Lage. É preciso manter os pés bem assentes no trabalho e não dar como garantido o que no futebol se chama imprevisibilidade ou como antigamente se dizia, ‘a bola é redonda’.
2O estafado e obsessivo (e, não raro, deslocado ou falso) ‘comparador benfiquista’ continua a ser o aferidor comentarista de alguns. Foi o caso de um opinador televisivo sportinguista que, há pouco mais de uma semana, achou por bem analisar a pré-época do rival, dizendo que o Benfica ganhou porque jogou com «equipas pequenas, fraquitas» e foi salvo por «cinco bolas nos barrotes». Premonitoriamente, tudo dito umas horas antes de o Benfica golear uma equipa que talvez o próprio, lá no seu íntimo, também ache que, nesta altura, se apresenta ‘pequena e fraquita’. Refiro-me à final da Supertaça. Fiquei na dúvida se o preclaro comentador considera que a pré-época do seu clube jogando contra o Rapperswil-Jona (da 3.ª divisão suíça) com quem perdeu, e contra St. Gallen e Brugge (com quem empatou) serão melhores que Chivas, Fiorentina e Milan. Enfim, adiante…
3Encerrou o mercado inglês de Verão. E fechou a ópera bufa em torno da putativa transferência de Bruno Fernandes. Face à torrente de ‘notícias’ a toda a hora veiculadas pelos sempre bem informados canais informativos, ora especializados em mercados e transferências, fica um certo vazio que suscitará - estou certo - uma nova onda até ao fim do mês, para alimentar renovados sonhos e contra sonhos.
Evidentemente que o jogador leonino é um belíssimo profissional e que, comparado com outras transferências consumadas, bem merece um novo passo na sua carreira. Assim como a direcção do Sporting tem todo o direito de defender o que entende nestas circunstâncias.
Gorada a mudança do atleta para o campeonato inglês, o futuro dirá se foi a melhor decisão do Sporting. Se o jogador ficar no plantel, é indiscutível que se trata do melhor reforço possível e torna a equipa bem mais competitiva. Se, por hipótese, o SCP conseguir o acesso à Champions, o retorno financeiro não andará longe do produto da transferência fracassada, líquida de intermediação e direitos do anterior clube e da parte retida pela banca credora. Não esquecendo que o jogador é ainda jovem e, como tal, preservando um potencial de transferência elevado. De algum modo, esta recusa troca um pecúlio certo por uma época naturalmente incerta. Mas compreende-se e eu, se fosse sportinguista, concordaria com ela, ao menos na ignorância das restrições financeiras do clube, que obviamente não domino e do custo total da manutenção do atleta.
Aconteceu que o país girou obsessivamente em volta desta abortada transferência para a Inglaterra. Abria-se a televisão e, hora sim, hora sim, nos programas protagonizados pelos residentes escrutinadores do mercado, só dava Bruno Fernandes. Excitadamente, todos os dias nos diziam que havia propostas («sabemos que…», «podemos assegurar que», assim começava a litania da transferência), contactos, concorrência desmedida entre potenciais clubes compradores, agentes em viagem, tudo em regime de ‘está quase’. Um dia era o Man. United, no seguinte o Tottenham, a seguir talvez o Real Madrid, ou outro qualquer clube-tubarão. Depois, virava o disco e a sequência, mas o final feliz estava perto. Tenho pena de não se saber quantas horas foram despendidas nesta magna operação durante dois meses, sobretudo nos 3 canais generalistas focados no tema (SIC N, TVI 24 e CM TV). O país adormecia ansioso e acordava pressuroso. Em regime de reprise, havia as emissões vespertinas para as madrugadas do dia anterior e as noites para a cafeina das madrugadas seguintes. Um fartote, que, seguramente, o país político e governamental agradeceu, no meio de incêndios, greves, golas inflamadas, cimeiras europeias, camionistas, negócios de primos e sobrinhos. Tudo coisas de somenos, entenda-se. Quando passava pelos canais, havia «alertas», «últimas horas» e coisas excitantes do género para anunciar a iminência da operação pelos eminentes informadores. Nem sempre coordenados, pois que enquanto o oráculo de uns dizia que Man. United se havia chegado à frente, outros havia que nos informavam que este clube havia desistido, ou ainda que Madrid se preparava para arrasar.
Detentores da verdade, tais canais informativos terão ainda a derradeira oportunidade de alimentar a turba com um adicional ‘acto’ da opereta. Agora, fechada a Velha Albion, abrir-se-ão, escancaradas, as portas de Espanha, Inglaterra e França (salva-se a Alemanha). Matéria-prima (prima, neste caso, em 2.º grau) não faltará. Adivinho mesmo que alguns (nem todos) protagonistas do ecrã, depois de nada do que proclamaram como quase certeza até 8 de Agosto ter vingado, aparecerão viçosos e retemperados nestas três semanas finais para nos anunciarem uma coisa e o seu contrário. Depois, descansaremos uns míseros meses, até que a ‘janela de Inverno’ nos prodigalize com novos e excitantes episódios de câmbios. O certo é que este mercado de Estio foi em cheio. Além da fase Bruno Fernandes no modo Brexit de Sua Majestade e, previsivelmente, da fase Bruno Fernandes no modo Velho Continente, não nos podemos esquecer da ‘abertura’ operática com João Félix. Não tanto com a sua ida para Madrid, que essa foi consumada depressa, assim retirando interesse ao libreto, mas com a patética (e pateta) polémica em redor do modo de pagamento e da operação Atlético/intermediário financeiro. Nesses dias pude ouvir ilustres especialistas de transferências falar da envolvente financeira como sábios que exploraram, com ousada ignorância, o filão da ‘engenharia financeira’.
Há, ainda, um ponto adicional que gostaria de referir. Varandas fixou um valor (70 milhões) de que não abdicou, embora estranhamente, o tenha subido no último ‘dia inglês’ para 80 ou 85 milhões, a fazer fé no que li na comunicação social. Está no seu direito e ninguém pode levar a mal, até para acautelar uma situação financeira que precisará de ser sustentada. Mas cedo se percebeu que ninguém lá chegaria. Acho que o jogador vale mais do que outros que se transferiram para Inglaterra por valores irrealistas senão suspeitos. No entanto, há um ponto que julgo não pode ser dissociado do limite referido: a transferência de João Félix por 120 milhões. Dito de outro modo, não existisse esta e os 70 milhões também não existiriam. Ainda aqui a psicose comparativa com o velho rival, a complicar uma operação, pois o que diriam os adeptos leoninos à direcção se o menino Félix ‘valesse’ mais do que o dobro de Fernandes? Por fim, os 120 milhões - concorde-se ou não - foram uma situação excepcional dificilmente recorrente, que não pode servir como nova bitola do mercado. Basta recordar que, excepcionado João Félix e o brasileiro do FCP Éder Militão (50 milhões), as maiores transferências de grandes jogadores que jogaram ou passaram pelos principais clubes portugueses nunca haviam excedido os 40 milhões.