Com a Atalanta: «Chuta, chuta, chuta»
Guarda-redes da Atalanta, Pizzabala, fraturou um braço (Foto A BOLA)

Com a Atalanta: «Chuta, chuta, chuta»

OPINIÃO17.06.202412:00

Pizzabala fraturou o braço e deixou a Atalanta em inferioridade numérica e sem guarda-redes, indo Calvanese para a baliza

Quando o sorteio da Liga Europa ditou a Atalanta como adversário do Sporting nos oitavos de final, logo me ocorreu à memória o meu primeiro jogo, ao vivo, no Estádio José Alvalade, a contar para as competições da UEFA. Exatamente o Sporting-Atalanta (3-1), encontro da 1 ª eliminatória da Taça dos Clubes Vencedores das Taças.

Foi no dia 9 de Outubro de 1963. Já passaram seis décadas. Eu estava lá. Era rapazinho, tinha 18 anos, e era assíduo nos jogos do Sporting.

Como jovem futebolista e apaixonado pelo futebol, acompanhava tudo através da leitura do jornal A BOLA. Por isso, não podia desperdiçar a oportunidade de ver o Sporting, vencedor da Taça de Portugal - ao derrotar, na final, o Vitória de Guimarães, por 4-0 (bis de Ernesto Figueiredo e golos de José Peridis e Mascarenhas) - a jogar frente ao vencedor da Taça de Itália: a Atalanta que, no duelo decisivo, derrotara o Torino, por 3-1 (hat trick de Domenghini).

Os jogos europeus eram a pagar. Mesmo os sócios tinham de comprar bilhete. E este era um desafio que não queria perder. Falei com o meu vizinho, o senhor António Delgado, alentejano e grande sportinguista, que faleceu há tempos com 95 anos. Dei-lhe conta do meu desejo e ele prontificou-se a arranjar bilhetes para irmos à bola.

Curiosamente, o senhor Delgado era carpinteiro na empresa Robbialac, o patrocinador da Volta a Portugal em bicicleta. Era ele quem, durante a corrida, diariamente, ia de cidade em cidade para montar e desmontar o palco da consagração dos ciclistas, na zona da meta.

Pois nessa noite europeia, jantámos e fomos a pé para o estádio. Normalmente, o horário para os jogos noturnos era depois do jantar, às 21.45 horas. As partidas terminavam quase à meia-noite. Muito tarde para quem tinha de se levantar bem cedo, para ir trabalhar no dia seguinte.

Recordo que a Atalanta possuía uma excelente equipa. Tinha dois dinamarqueses, Nielsen e Christensen, um ponta de lança argentino chamado Calvanese, e Domenghini, uma grande estrela do futebol italiano, que viria a ser campeão da Europa pela Itália, em 1968, notabilizando-se ao serviço do Inter.

A verdade é que no jogo da primeira mão, em Bérgamo, o Sporting tinha perdido, por 0-2.

Tinha, por isso, uma tarefa bastante difícil para reverter o resultado em Lisboa. Mais de cinquenta mil espectadores encheram as bancadas de Alvalade no apoio à formação dos leões.

Num ambiente espetacular, a equipa do Sporting, que era então comandada pelo treinador brasileiro Gentil Cardoso, iniciou a partida com enorme determinação. E as coisas não podiam ter começado melhor, com um golo logo aos 8 minutos, obra de Ernesto Figueiredo.

Aliás, num lance em que Pizzaballa, o guarda-redes italiano, chocou com o avançado leonino e saiu lesionado, com uma fratura no braço. Saiu de maca para o posto médico. E, como nessa altura ainda não havia substituições, a Atalanta ficou a jogar com menos um, e foi o avançado centro, Calvanese, a assumir o seu lugar na baliza.

Perante esta situação de inferioridade do adversário, o público empolgou-se ainda mais, acreditando na hipótese da qualificação.

Talvez convencidos de que seria mais fácil chegar ao golo pelo facto de o guarda-redes ser um avançado. De tal forma que, quando um jogador do Sporting tinha a bola em sua posse, mesmo que estivesse longe da baliza, todos nós, nas bancadas gritávamos em uníssono: «chuta, chuta, chuta!».

Na verdade, este frenesim, esta excitação do público, acabaria por enervar a equipa. E mais ainda, quando a Atalanta, num rápido contra ataque, empatou o jogo (golo de Christensen).

Desapontamento e inquietação nas hostes do leão. Inclusive nos jogadores, que sentiram o golpe e mostravam algum nervosismo e desacerto. Contudo, o mote não se esgotava, e até ao fim do jogo as bancadas repetiam a cada lance: «chuta, chuta, chuta!».

E, apesar do catenaccio elaborado pelos italianos, muito fechados em defesa da sua baliza, para preservar a vantagem, no segundo tempo o Sporting conseguiu marcar os dois golos que levaram a eliminatória para o desempate, num terceiro jogo, em campo neutro.

Foi no Estádio Sarriá, em Barcelona. Os leões voltaram a ganhar por 3-1 (dois golos de Mascarenhas e um de Lúcio).

Mas desta feita após prolongamento. Estava assim concluída a primeira etapa - as outras foram com o APOEL, do Chipre, o poderoso Man. United, de Inglaterra, o Olympique Lyon, de França, e o MTK, da Hungria - de uma longa e valorosa caminhada para a conquista da glória que foi a vitória do Sporting na segunda maior competição da UEFA.

Refira-se que a Taça dos Clubes Vencedores das Taças disputou-se de 1960 a 1999 e teve, além do Sporting, outros ilustres vencedores, casos de Barcelona, Bayern Munique, Tottenham, Dortmund, Manchester City, Chelsea, Milan, Juventus, Arsenal, Hamburgo, Manchester United, Everton, PSG, Ajax e Anderlecht… entre outros.

No final da primeira década deste século a competição fundiu-se com a Taça UEFA e passou a chamar-se Liga Europa. Em Maio de 2005 o Sporting, comandado por José Peseiro, esteve quase, quase, quase a vencer a então ainda Taça UEFA, na final disputada com o CSKA Moscovo, precisamente no Estádio José Alvalade. Todavia, os leões não conseguiram aguentar a vantagem que tinham ao intervalo (1-0, golo do brasileiro Rogério) e a equipa russa, com três golos na segunda parte, levou o troféu para casa. Oportunidade perdida para o clube conquistar as duas competições que originaram a atual prova.

Esta época o Sporting defrontou a Atalanta por quatro vezes, em duas ocasiões distintas, e a sorte foi diferente da de 1963, com dois empates e duas derrotas. O Sporting foi segundo na fase de grupos da Liga Europa, prova da qual disse adeus.