Carta aberta ao futebol
Nem sei bem por onde começar. Sei que não te têm facilitado a vida e reconheço que estar no teu lugar não deve ser nada fácil. És grande, famoso e, geralmente, isso tem um custo muito alto. Mas escrevo-te porque gosto de ti. Gosto mesmo. Sei que sou um dos teus maiores fãs e penso que isso dá-me o direito de dizer tudo o que penso a teu respeito.
A verdade é que estou desiludido contigo. Não gosto da forma como te tens exposto a cenários que nada têm a ver com a tua dimensão. Cenários que ferem as tuas fundações, a pureza da tua essência, a tua singularidade.
Conheço-te demasiado bem e sei que nada disto te define, porque, quando queres, és imparável. Quando realmente queres, enches os nossos corações de orgulho. Fazes-nos explodir de alegria. Deixas-nos de lágrima no canto do olho. Tens em ti a força de um samurai. A raça de um guerreiro. O espírito de um Deus.
No entanto, toda essa energia parece andar arredada. Longe de ti. Sinto-te conformado. Derrotado até. Sinto que não te vês como eu te vejo. Que não gostas de ti como eu gosto.
O que se passa contigo, afinal? Do que precisas para ser forte de novo? O que te falta para soltares toda essa beleza, toda essa genialidade?
Será que tenho que recordar-te que és mais, muito mais, do que constantes diversões e agressões, do que inércia e suspeições? Que és mais, muito mais, do que constantes insinuações e acusações? Porque te sujeitas a isso? Porque permites que te façam isto todos os anos, todos os dias, a toda a hora? Porque deixas que te humilhem quando tens a liberdade para fazer diferente? A autonomia para fazer o que está certo?
Não peço que negligencies as tuas falhas ou que não tentes evoluir em permanência. Não quero que te aches intocável e que te sintas maior do que quem te sustenta. Não és. Não és mesmo. O que te peço é que reassumas as rédeas. Que te imponhas. Que sejas dono e senhor do teu destino.
Que amarras te prendem? Que sombras te assustam? Que influências te condicionam?
Acorda. Solta-te. Volta depressa. Tenho saudades tuas. De quando eras emotivo mas não eras irracional. De quando eras discussão mas não eras desilusão. De quando eras frontal mas não eras desleal.
Acorda. Solta-te. Afasta essa sombra intermitente que paira sobre ti. Endurece. Enfrenta o ruído que te perturba. O rumor que te destrói. As minudências te impedem de ser gigante de novo.
Acorda. Solta-te. Faz-me acreditar na tua verdade, no teu sentido de justiça, na tua equidistância e verticalidade. Faz-me sonhar de novo.
Acorda. Solta-te. E defende-te. Afasta quem te quer denegrir, quem te manipula e condiciona. Não abdiques do que és, do que sempre foste, para seres o que não és. O que nunca foste. O que nunca podes vir a ser.
Não te descaracterizes. Não te rendas. Não te entregues. És demasiado valioso para seres banal.
Escrevo-te porque estou preocupado. Porque gosto demasiado de ti.