Brincar aos poderes

OPINIÃO08.11.202205:30

Rui Costa, dentro de pouco tempo, estará obrigado a imitar Roger Schmidt para não prejudicar o processo de mudança no Benfica: mexer na equipa… diretiva

N A edição do último sábado, dia 5, A BOLA noticiou em primeira página, com o merecido destaque, que Rui Costa não dispensa Domingos Soares de Oliveira. Aparentemente, nada de especial que pudesse perturbar a paz no seio da família benfiquista, a viver uma fase de muita alegria, como há muito não acontecia, por causa do acerto na escolha do treinador Roger Schmidt, que foi capaz de mudar depressa e bem, e também devido a uma série de alterações significativas na gestão do futebol profissional, a mais importante das quais assente na política de aquisições, feitas com critério e subordinadas a objetivos definidos, em vez de se preencher o plantel com gente vulgar e contratada em negócios de ocasião.
O que preocupou os adeptos que amam o Benfica não foi a manchete de A BOLA, mas sim o texto que lhe serviu de suporte, assinado pelo seu diretor, João Bonzinho, e que é merecedor de cuidada reflexão por parte do adepto anónimo, aquele que, verdadeiramente, representa a alma do emblema.  
Quando se pensava que a águia voltava a voar com a segurança e tranquilidade que os excelentes resultados lhe permitem, eis que mentes pensadoras se agitam dentro dos órgãos socais do Benfica, preconizando que deve ser o clube, como principal acionista, «a definir a estratégia para ser executada pela chamada estrutura profissional», apesar de todos saberem que «a organização, gestão e execução das atividades de uma empresa com a dimensão, já, da SAD do Benfica não podem ser levadas a cabo por dirigentes amadores, mas por uma estrutura que se espera (e a responsabilidade exige) altamente profissional».

É no meio desta corrente de ar que se posiciona Domingos Soares de Oliveira, o homem-forte da SAD, ora elogiado pela reconhecida competência, ora invejado pelo poder que detém, tudo dependendo das conveniências de quem traz o problema à colação, que não é de hoje, recorde-se.
Os chamados grupos de associados mais ou menos organizados têm dado sinal de vida, principalmente a partir da altura em que perceberam que, possuindo invejável império patrimonial, tendo estabilidade financeira e sendo dono de inestimável prestígio à escala planetária, o Benfica suscita uma atração especial, não sendo de admirar, por isso, o nascimento de mais grupos e movimentos de sócios, embora ninguém acredite que estejam dispostos a sacrificarem-se pelo clube. Pelo contrário, surgem por oportunismo e vaidade, para se insinuarem nos meios de comunicação e usarem a palavra em assembleias gerais.
A propósito, na edição deste domingo de A BOLA, no espaço Correio do Leitor, António Gomes Martins, de Vila Nova de Gaia, muito provavelmente adepto encarnado, alertou para a falta de paciência dos «benfiquistas em geral» em relação a uma «pseudoelite dirigente lisboeta que (…) teima em desestabilizar o clube, numa espécie de sportinguização suicida» e o pedido veemente que faz («acabem com isso já!») creio expressar o sentimento de quem, sinceramente, deseja o bem estar do Benfica.

O que se está passar mais não é do que uma provocação à capacidade de liderança de Rui Costa, suscitada com propósitos que ainda se enxergam mal. Nota-se uma clara tendência para voltar a transformar o clube em feira de vaidades, no caso à sombra do sucesso do futebol profissional.
Na última deslocação a Israel, por exemplo, na comitiva contei onze acompanhantes oficiais. Vice-presidentes da direção, em oito, viajaram sete (Jaime Antunes, Domingos Almeida Lima, Sílvio Cervan, Manuel Brito, Rui Passo, José Gandarez e Luís Mendes) e destes apenas dois terão alguma justificação na qualidade de administradores da sociedade desportiva. Além de não dar boa imagem, também não venham dizer que não representa acréscimo de custos. É uma questão de respeito pelo princípio de boas práticas.  
Para acabar como comecei, regresso ao trabalho assinado pelo diretor de A BOLA, João Bonzinho: «O que poderá mudar é a sensibilidade (por convicção? por compromisso?) de quem tem a última palavra. E a última palavra é de Rui Costa, não abdicando (pelo menos para já) de Domingos Soares de Oliveira.»
Um dia, próximo ou distante, ele vai sair, sem sobressaltos, e acredito que essa saída será determinada pela vontade do presidente e não imposta por pressões mal calculadas de quem apenas pretende insinuar-se.  
Quem gosta de brincar aos poderes não quis, para já, atacar Domingos Soares de Oliveira. Foi mais um teste para medir a autoridade do próprio presidente. Dentro de pouco tempo, porém, Rui Costa estará obrigado a imitar Roger Schmidt para não prejudicar o processo de mudança em curso no Benfica: mexer na equipa… diretiva. É o que me parece.