Benfica: talvez um dia a transparência aterre no aeródromo de Tires
Seria de esperar que uma AG em que estiveram alguns milhares de adeptos, quase todos insatisfeitos, pudesse, pelo menos, provocar uma ânsia de mostrar serviço
Não sei se é suposto entrarmos todos em euforia com a chegada de Pavlidis ao Benfica, mas tudo me leva a crer que essa é a receita do clube para os momentos que tem vivido. A fórmula parece ser a dos últimos anos: se virmos alguém aterrar em Tires na companhia de Rui Pedro Braz, descobriremos que tudo voltou a fazer sentido e o planeta voltou a girar. Não há nada que uma boa chegada a um aeródromo não resolva, ainda que a pré-época tarde em chegar, tanto dentro de campo como aqui fora, onde os temas se amontoam perante a indiferença que tem caracterizado a atuação da Direção.
Seria de esperar que uma Assembleia Geral em que estiveram alguns milhares de adeptos, quase todos fundamentalmente insatisfeitos, pudesse, pelo menos, provocar uma ânsia de mostrar serviço, alguma vontade de construir pontes e mostrar que o que ali se passou não fora uma mão cheia de nada, mas antes uma demonstração legítima de preocupação por parte de sócios do clube. A avaliar pela ausência de respostas e esclarecimentos aos mais diversos temas, essa expectativa não podia estar mais longe da realidade.
Orçamento por aprovar
Todos os que estavam na Assembleia Geral ouviram o mesmo que eu. O Presidente da Mesa anunciou o resultado da votação em número de votos e percentagem de votantes a favor, contra ou ainda os abstencionistas, detalhe que importaria esclarecer. Nada foi dito por Fernando Seara sobre uma eventual aprovação ou um chumbo do orçamento que foi votado nesse dia.
À falta de melhor esclarecimento, tiramos nós as conclusões. Não me parece que alguém estivesse em condições de interpretar os resultados da votação. Soubemos, dias depois, sem qualquer desmentido ou explicação que oferecesse outro enquadramento, que foi necessário chamar uma equipa de especialistas para analisar.
Pelos vistos ninguém terá admitido que o orçamento poderia ser chumbado, nos termos em que aparentemente foi. Dez dias depois, pouco ou nada sabemos sobre esta situação. Fica a dúvida sobre se a votação foi afinal um exercício irrelevante ou se a conclusão decorrente da votação é pouco conveniente para a Direção.
Lugares por preencher
O principal administrador da SAD abandonou o clube há 2 semanas, a poucos dias de uma Assembleia Geral que, sabia-se já nessa altura, seria importante para se avaliar o presente e projetar o futuro imediato e mais distante do clube.
De Luís Mendes pouco ou nada se sabe, apenas que bateu a porta e não voltou a pronunciar-se publicamente. Sobre os motivos da sua saída, a informação mais fidedigna foi obtida algures entre histórias contadas nos jornais e um esclarecimento tímido de Rui Costa, que sugeriu a ideia de um desalinhamento entre Luís Mendes e outros membros da Administração ou da Direção, sem no entanto esclarecer exatamente que desalinhamento é esse.
Perante o clima aceso da Assembleia Geral, é admissível pensar que Rui Costa não terá surgido preparado para discutir o tema com os muitos sócios que se manifestaram insatisfeitos com meias respostas.
Aliás, só assim se explica que Rui Costa tenha sugerido aos sócios que perguntassem antes a Luís Mendes porque é que este decidiu sair do clube, uma afirmação que ainda me causa perplexidade. Apesar das aparentes tentativas operadas nas redes sociais para reduzir os sócios preocupados a tachistas, nada nesta insistência resulta de um capricho dos sócios, mas sim de uma reação, bastante natural, ao padrão, instituído por esta Direção e pelas anteriores, segundo o qual meio esclarecimento é quanto baste para a massa associativa. Uma espécie de para quem é, bacalhau basta em versão benfiquista. Sobre a próxima pessoa contratada ou destacada para ocupar um lugar fundamental no clube, nada se sabe.
Resultados financeiros
A não ser que alguma coisa aconteça nos próximos dias, o Benfica prepara-se para apresentar um resultado negativo na ordem dos 50 milhões de euros. Não pretendo sugerir que a situação é de alto risco neste momento, porque o Benfica tem repetidamente demonstrado capacidade de se financiar ou de promover vendas que sustentam o atual modelo financeiro, mas é de esperar que mais explicações sejam fornecidas, em particular num contexto que, demonstrado na apresentação do orçamento, indicam desde já um aumento considerável de rubricas financeiras importantes que, como o próprio presidente confirmou na AG, não têm uma ligação direta ao modelo desportivo e deveriam ter menos peso no orçamento, ainda que nada tenha sido dito sobre como esse intento seria atingido.
Renovação por garantir
Mais um tema trazido à baila pela imprensa desportiva que não foi desmentido. É um segredo mal guardado na vida do clube que o reforço da posição de João Neves tem tardado em acontecer, por razões que são difíceis de compreender.
Aliás, o mesmo se poderia dizer da conversa com Di María que, segundo o presidente, iria acontecer logo após a entrevista recente, e até agora nada se sabe sobre esse processo, contribuindo para mais uma indefinição no plantel 2024/2025.
Mas voltando ao jovem que devia ser o capitão na próxima época: sim, João Neves renovou pelo Benfica. Escusado será constatar o óbvio. Sim, tem contrato até 2028. Agora, o papel assinado já não corresponde ao seu papel no clube. João Neves renovou, e bem, pela instituição que lhe deu uma carreira profissional.
Fê-lo sem hesitações quando sabia que tinha ainda muito a provar, dezenas de jogos antes de se tornar uma peça fundamental do onze titular daquilo que é ou deve ser o Benfica em 2024, muito antes de se estrear pela Seleção Nacional e receber elogios rasgados de treinadores e colegas de profissão que a isso não eram obrigados, e seguramente muito antes de haver meia Europa interessada nele. Isso já lá vai. Entretanto, João Neves tornou-se um símbolo do Benfica que importa valorizar o quanto antes e tanto quanto possível. Espera-se que um jogador com a sua importância, que vive e respira Benfica, seja novamente reconhecido. Isso será mais fácil se lhe for oferecido um contrato financeiramente robusto que permita ao jogador fazer pelo menos mais uma época no Benfica, a terceira.
Se vários jogadores ganham alguns milhões líquidos por época, como os veteranos do plantel, ou até, num patamar abaixo, alguém como João Mário, não me parece que João Neves deva receber menos. Isto não é, ao contrário do que alguns juristas das redes sociais tentam fazer parecer, uma defesa dos interesses financeiros de João Neves. É uma defesa dos interesses do Benfica, que deve fazer mais para segurar os seus melhores jogadores e tem tido dissabores sempre que não o faz. A ter de sair no final da próxima época, e isso parece-me difícil de evitar, só espero que João Neves saia campeão nacional.
Red Pass
Ninguém tem dúvidas de que a procura supera largamente os lugares de estádio disponibilizados pelo Benfica, mas nem tudo na vida se rege por essa lei. Seria de esperar que o clube tivesse uma preocupação maior em justificar os sucessivos aumentos de preço significativamente acima da inflação, em especial quando falamos de um clube popular com milhões de adeptos que farão sacrifícios financeiros para renovar o seu lugar.
Seria uma prática de comunicação saudável e só garantiria mais credibilidade. Não justificar devidamente este aumento dos preços acaba por reduzir a relação do clube com os sócios a uma relação entre o prestador de um serviço e os seus clientes. Não me parece que fique bem ao Benfica.
Auditoria forense
Será que a Direção do Benfica entende mesmo que todas as explicações que podiam ou deviam ser dadas acerca das conclusões da auditoria forense estão contidas no documento de 208 páginas que foi disponibilizado aos sócios?
Não é possível que alguém acredite mesmo nisso. Suponho a racionalidade de quem quer que leia aquele documento, o que leva a que só uma conclusão desta auditoria seja clara até agora. Quem a disponibilizou publicamente fez um mau cálculo da reação ao documento e dos danos que produziria, manchando ainda mais a reputação do clube.
Agora, é esperar que a bola comece a entrar e que este gigantesco embaraço se torne uma memória suficientemente longínqua para voltarmos a memorizar mais nomes de jogadores e menos nomes dos empresários que os fizeram passar por este entreposto.
Talvez até, um dia, quem sabe, a transparência aterre no aeródromo de Tires e tudo volte a fazer sentido.