«Até Guardiola evoluiu»

OPINIÃO14.12.202205:30

Espanha fez mais de 1000 passes com Marrocos e marcou 0 golos. Portugal viu, insistiu na posse de bola sem velocidade e perdeu

Ofutebol é o que é por que é futebol. Apaixonante, eletrizante, excitante, imprevisível. Se necessitássemos de exemplos, confirma-o este Mundial no Catar, com a caminhada tão notável como surpreendente de Marrocos, seleção que atinge as meias-finais depois de ganhar o Grupo F, impondo-se a Croácia, Bélgica e Canadá, e eliminar a Espanha nos oitavos de final e Portugal nos quartos. Assim, pela primeira vez na história, equipa africana representante do Mundo Árabe entre as quatro melhores da competição.

Hoalid Regragui, que tem a particularidade de apresentar uma licenciatura em economia no currículo académico, precisou só de três meses na função para montar sele- ção capaz de ombrear com todos os pesos pesados do futebol e tornar-se o primeiro treinador africano a sonhar com título (ou pódio) num Campeonato do Mundo. Muito legitimamente, sublinha-se! Reconheça-se-lhe a capacidade excecional para espremer as capacida- des e qualidades limitadas de equipa que fez mais e melhor do que as três representantes do continente com melhores resultados na história da competição, todas eliminadas nos quartos de final e comandadas por técnicos europeus: Ca- marões-1990 (Valeriy Nepomnyas- chiy, Rússia), Senegal-2002 (Bruno Metsu, França) e Gana-2010 (Milovan Rajevac, Sérvia).

Regragui tem 47 anos e nasceu em Corbeil-Essones, subúrbio de Paris, França, mas, por descender de marroquinos, tem dupla nacionalidade. Como jogador, formou-se no Racing, ganhou a Ligue 2 de 2001/2002 com o Ajaccio, trabalhou duas épocas em Espanha, no Racing Santander, cruzou-se com o craque francês Olivier Giroud no Grenoble e representou Marrocos em duas edições da Taça das Nações Africanas (2004 e 2006). Curiosamente, como técnico, começou a carreira na seleção nacional, em 2013, como adjunto do compatriota Rachid Taoussi. Depois, treinou FUS Rabat, Al-Duhail (Catar) e WAC. Na equipa de Casablanca, em 2021/2022, sagrou-se campeão nacional e venceu a Liga dos Campeões de África, ganhando a final de 30 de maio, por 2-0, ao Al-Ahly do Egito.

O comando da seleção de Marrocos foi-lhe entregue apenas a 31 de agosto, depois da demissão do bósnio Vahid Halilodzic. Daí para cá, 8 jogos, 6 vitórias, 2 empates e, 0 derrotas. Nada acontece por acaso... Regragui, no Catar-2022, surpreendeu Luis Enrique e Fernando Santos. O espanhol demitiu-se, o português prepara-se para deixar o comando da equipa das quinas, após 8 anos, e não pode dizer-se espantado, conhecendo tudo o que conhecemos.
 
Em 2016, Portugal ganhou o Europeu de França com muita felicidade. Fernando Santos deve reconhecê-lo. Esta Seleção, aparente- mente, nunca apresentou ideia de jogo afirmativa, viveu sempre mais das individualidades que do coletivo. Luis Enrique, em contrapartida, apresentou uma tentativa de reinterpretação do tiki-taka que Pep Guardiola introduziu no Barcelona de 2008/2009 a 2011/2012 e valeu dois títulos europeus e um mundial à Espanha entre 2008 e 2012, mas a empreitada foi malsucedida, por não dispor de jogadores com a mesma qualidade.
 
O técnico italiano Fabio Capello comemorou o insucesso! «A fórmula adapta-se só a alguns contextos, até funciona noutras situações, mas não pode apresentar-se nunca como sistema. Até o futebol de Guardiola evoluiu. A posse de bola sem velocidade é muito pouco produtiva», rematou. 

Portugal viu que os mais de 1000 passes da Espanha frente a Marrocos não originaram quaisquer golos, mas, porventura teimosamente, privilegiou a posse de bola sem objetividade e, sobretudo, velocidade. Até teve algumas oportunidades de golo, é verdade, mas não foi capaz de aproveitá-las. Perdeu bem, reconhecendo os méritos defensivo dos marroquinos.

Regragui, estrategicamente, esteve muito melhor do que os treinadores de Portugal e Espanha.