A pedra no sapato

OPINIÃO09.02.202206:00

O clássico do título visto à luz do comentário de Arrigo Sacchi e da luta pela primazia no futebol português

O italiano Arrigo Sacchi, um dos treinadores que contribuiu para a evolução do jogo (foi ele quem criou, em finais dos anos oitenta, aquele fabuloso Milan liderado pela trindade neerlandesa van Basten-Gullit-Rijkaard), fez um grande elogio ao FC Porto de Sérgio Conceição, colocando-o a par Liverpool e do Manchester City como as equipas «que jogam o melhor futebol da Europa». Sacchi proferiu esta afirmação no decurso de uma entrevista à Gazetta dello Sport [antes do recente dérbi milanês]. A frase tem força porque quem a disse não é um curioso qualquer, tão só um dos melhores estrategas italianos de sempre. O FCP, um habitué das fase decisiva da Champions, é um clube de indiscutível expressão internacional e, nos últimos tempos, tem sido visto com frequência pelos adeptos italianos (nomeadamente os da Roma, Juventus e Milan), que jogaram com os dragões na Champions. Talvez Arrigo Sacchi tenha baseado a sua arrojada opinião (então e o Bayern?... ) no amasso futebolístico que o FC Porto impôs ao Milan nos recentes duelos da Champions. Ou talvez Sacchi seja um consumidor televisivo da Liga portuguesa como Jurgen Klopp e esteja impressionado com a cavalgada portista - 16 vitórias seguidas na prova -, a ponto de colocar a equipa de Sérgio ao nível das máquinas futebolísticas de Pep Guardiola e Jurgen Klopp.

Bom. Seja qual for o motivo que motivou o elogio de Sacchi, este deve ter enchido de orgulho a nação portista e espicaçado ainda mais aquela que é, neste momento, a equipa dominante do futebol português - o Sporting de Rúben Amorim, campeão em título, vencedor de quatro das últimas cinco competições domésticas e oitavo-finalista da Champions.

Para mim é muito claro há muito tempo (quantas vezes o tenho dito e escrito) que a imagem/projeção internacional das equipas portuguesas deve-se àquilo que conseguem fazer na Champions, dada a pouca ou nula visibilidade das competições domésticas para lá de Badajoz. É por isso natural que o FC Porto seja a única equipa portuguesa que conta alguma coisa para os observadores estrangeiros, mesmo quando (é o caso) não é campeão doméstico, mesmo quando (é o caso) já não está na Champions, ao contrário dos rivais de sempre. É a esse patamar de reconhecimento que o Sporting certamente aspira subir. Pode dizer-se que Rúben Amorim está no caminho certo, como prova a fulminante qualificação para os oitavos da Champions a expensas de um peso pesado como o Dortmund. No final do dia, é na Champions que se constroem reputações (clubes, treinadores e jogadores…) e se conseguem os grandes negócios.

No clássico de sexta joga-se indiretamente para a Champions e, mais diretamente, pela primazia no futebol nacional. Veja-se. O FC Porto com Sérgio ganhou em cinco épocas três títulos e duas supertaças. Vai bem lançado para o tri e discute com os leões um lugar na final da Taça de Portugal. O Sporting, nesse período, ganhou seis títulos (dois com Marcel Keizer; um com Jorge Jesus; três com Rúben Amorim) e uma Supertaça (com Amorim). Persegue o FCP no campeonato e discute com ele um lugar na final da Taça de Portugal. A diferença é que o FCP ganhou dois campeonatos e o Sporting apenas um. Quem ganhar o próximo pode reclamar com toda a legitimidade a posição dominante no futebol nacional. Quanto à primazia internacional, essa é do FC Porto há muito tempo e o Sporting, apesar de continuar na Champions (ao contrário do rival), tem um longo caminho a percorrer para poder rivalizar com o estatuto europeu dos dragões.

O clássico de sexta pode ser decisivo para as contas do título se o FCP ganhar - aí, com nove pontos (que serão dez) de vantagem, Sérgio estará em ótima posição para conseguir o terceiro campeonato em cinco anos. Tem o FCP equipa, futebol e treinador para bater o campeão? Tem, claro que tem. E o Sporting, que precisa pelo menos de não perder para manter acesa a chama do bicampeonato, tem equipa, futebol e treinador para ganhar no Dragão? Tem, claro que tem. Eu até diria que nos cinco anos da era Conceição este é o Sporting mais perigoso que o FC Porto defrontou. Um Sporting com a confiança de quem sente que pode; a confiança de quem se habituou a ganhar e já não quer outra coisa.

O FCP, quanto a mim, está na pole position para o título e esse favoritismo só será posto em causa se o Sporting ganhar no Dragão. A vitória portista (seria a 17.ª seguida  no campeonato, novo recorde do clube) e o empate têm de se considerar resultados normais. E a vitória sportinguista, seria assim um resultado tão surpreendente? À luz do que se tem visto (e do desempenho de Amorim nos clássicos, já agora), claro que não. FCP e SCP são equipas de valor semelhante, muito competitivas, de grande estofo atlético, com dinâmicas similares e ambas armadas de jogadores capazes de fazerem a diferença num detalhe crucial, num improviso, num golpe de génio - Vitinha, Otávio, Fábio Vieira, Evanilson, Uribe, Taremi, Sarabia, Adán, Pedro Gonçaves, Paulinho, Coates, Palhinha e Matheus Nunes, só para citar os mais óbvios, sem esquecer os que parecem menos óbvios mas que também podem ser heróis - um Pepe, um Mbemba, um João Mário, um Diogo Costa, um Matheus Reis, um Slimani, um Ugarte, um Edwards…

Sérgio não anda a dormir e tem consciência de que pode jogar com dois resultados. Ele sabe que, falhando o golpe de autoridade, o empate não é nenhuma desgraça. Como também sabe  que há uma diferença muito significativa entre aquele Sporting fechadinho que lhe ganhou cinco duelos consecutivos de taça com muito suor, muito sofrimento e muita, mas mesmo muita estrelinha (quatro deles no desempate por penáltis!) e este que, a 11 setembro passado, em Alvalade (1-1), deu um valente  sabonete à equipa portista - que só não teve maior expressão porque Luis Díaz lembrou-se de fazer uma genialidade. Mas Díaz já não está.
 

VERDES AMARGURAS

OSporting tem sido a grande pedra no sapato do consulado de Sérgio Conceição: é a equipa que roubou aos portistas seis títulos em confronto direto - um campeonato, duas taças de Portugal e três taças da liga. O SC Braga tirou-lhe dois, e Benfica e o Santa Clara, um cada qual. O currículo de Sérgio ao fim de cinco anos é muito bom tendo em conta as condições que lhe foram dadas: três títulos (dois campeonatos e uma Taça de Portugal) e duas supertaças; além de duas presenças nos quartos de final da Champions e outra nos oitavos; e uma receita para cima de 300 milhões entre prémios da Champions e vendas de jogadores; mas podia ser muito melhor a safra se não existisse o Sporting. Repare-se que o Benfica, que tem sido o tradicional rival portista, só regista um triunfo direto sobre os dragões nas últimas cinco épocas - o tremendo campeonato de Bruno Lage - e vai numa sequência de oito clássicos sem um único triunfo (!) sobre os portistas.