A lição!

OPINIÃO24.09.202106:25

Não é a Liga dos Campeões a melhor e mais dura competição de futebol do mundo?

POR razões não profissionais, acabei por me ver impossibilitado de escrever a minha habitual crónica de opinião na última semana, marcada, sobretudo, pela estreia das equipas portuguesas na fase de grupos da presente Liga dos Campeões, sem uma única vitória em três jogos. Mas o choque não foi, evidentemente, esse. O choque foi ver o campeão português ser goleado em casa pelo Ajax, por esmagador 5-1. Dir-se-á que choque, choque foi ver, há quatro anos, na Suíça, o Benfica, então campeão português, levar 5 do Basileia. É verdade. Não foi choque, foi aterrador! Mas não me venham dizer que levar 5 do Ajax, em Lisboa, deve ser visto apenas com a condescendência de se ter o Sporting na conta de uma equipa em crescimento, que está num processo e num projeto que precisa de tempo, constituída por jovens jogadores que nunca se viram nestas andanças, com um treinador que não abdica da identidade e do estilo e da filosofia, enfim, que o plantel é curto, e que por todas essas razões deve compreender-se a goleada sofrida aos pés do campeão neerlandês.
Talvez deva recordar que três dos jogadores do Ajax que mais impacto provocaram em Alvalade têm menos de 22 anos - o central Timber, de 20, o médio Gravenberch, de 19, e o ponta brasileiro Antony, de 21. E no onze titular, a esses três jogadores juntaram-se ainda mais três jogadores todos de 23 anos (o lateral Mazraoui, o central Martínez e o médio Edson Álvarez). Não terá o Ajax igualmente muito que crescer, sobretudo depois de ter ficado, nos últimos anos, sem talentos preciosos e raros como os de Matthijs de Ligt (Juventus), Frenkie de Jong e Sergiño Dest (Barcelona) ou Van de Beek (Man. United), além das mais recentes (mas também menos decisivas) perdas de Quincy Promes (Spartak Moscovo) ou Lassina Traoré (Shakhtar)?!
Na verdade, parece muito fácil dizer-se agora que as circunstâncias já apontavam para o insucesso do Sporting nesta estreia (e regresso, após três épocas de ausência) na fase de grupos desta Champions. E as justificações que se vão ouvindo parecem ainda piores do que o resultado: que este Sporting não tem plantel, que a equipa ainda não tem estofo, que os jovens jogadores precisam de aprender, que o projeto precisa de tempo.
Pois bem, o que fica é a imagem do campeão português a ser goleado em casa por 5-1 por um Ajax que é, naturalmente, uma belíssima equipa, mas não é nenhum tubarão europeu, e que se passeia no campeonato dos Países Baixos a seu bel-prazer, como mostra o ter ganho seis dos últimos dez campeonatos, e as constantes goleadas que aplica à maioria dos modestos adversários internos, como ficou claro nos 9-0 ao Cambuur, conseguidos poucos dias depois de ter esmagado o Sporting. Ou seja, a competitividade do campeonato neerlandês consegue ser ainda menor (e bem menor) do que a do nosso campeonato, e deve servir, portanto, muito melhor aos neerlandeses aquela carapuça que costumamos querer enfiar às nossas equipas da falta de competitividade se refletir nos resultados europeus. Julgo que o leitor entende onde quero chegar.
Claro que pode, e deve, o Sporting - justo campeão português - lamentar não ter tido todas as melhores armas para defrontar o campeão dos Países Baixos. Mas não pode, nem deve, enfiar a cabeça na areia e convencer-se que levou 5 do Ajax por ter uma equipa sem experiência.

SE o Sporting preparou bem, e se conhecia bem o adversário e a forma dele jogar, não pareceu. E não pareceu estar o leão bem preparado para um jogo que exigia outro cuidado. Sejamos claros, e com todo o respeito pelos méritos já revelados por este Sporting: não devia o leão ter querido entrar na Liga dos Campeões armado, simplesmente, em campeão!
É o futebol um jogo de risco? É, evidentemente. O futebol e qualquer outro jogo. Mas é preciso calcular os riscos, perceber circunstâncias, ter noção das capacidades. E o que pareceu foi que Rúben Amorim calculou mal o risco. E voltou a ser goleado em Alvalade como já tinha sido, há sensivelmente um ano, frente aos austríacos do LASK Linz.
Dois jogos europeus em casa, nove golos sofridos e dois marcados! É difícil de aceitar.
É muito bonito, por exemplo, elogiar-se o talento de Matheus Nunes. Tem talento, muito talento, e é naturalmente o tipo de jogador que agrada a quem vê o jogo e a quem vê o jogo quase só como um espetáculo. Matheus Nunes tem talento, tem qualidade técnica, tem o dom, gosta de romper, é rápido, mas ainda está naquela fase em que quase só sabe jogar realmente bem quando tem a bola nos pés.
Mas o jogo está longe de poder jogar-se apenas com a bola. É preciso, e muito, jogá-lo sem ela. E foi, sobretudo, quando não teve a bola que o Sporting não conseguiu jogar com o Ajax. Não apenas porque a perdia, muitas vezes, muito mais facilmente do que está habituado em Portugal, e depois porque pareceu muitas vezes não saber o que fazer para a recuperar de novo.
Tive, confesso-vos, pena (perdoem-me a expressão), sobretudo, de dois jogadores leoninos na desgraçada noite de Alvalade - de Palhinha e de Paulinho. Palhinha porque trabalhou, em vão, por ele e por mais dois ou três; Paulinho porque, lutando, igualmente em vão, até cair exausto, conseguiu o milagre de marcar dois golos, apesar de ter visto apenas um deles validado.
Sim, Porro foi o melhor dos leões. Mas, apesar do frustrante resultado, julgo que Porro não terá, espero que me entendam, razões para sentir a mesma frustração de Palhinha ou Paulinho. O que Porro fez em campo foi quase sempre seguro, eficaz e determinante para o equilíbrio do jogo; o que fizeram Palhinha e Paulinho não. Tantas vezes o esforço deles, em cada duelo, foi absolutamente inglório. E sem efeito.

RÚBEN VINAGRE não se livra de ter deixado o campo (mais cedo do que desejava, mas devidamente protegido pelo seu treinador) talvez como a mais negativa figura do jogo, tão marcado ficou, evidentemente, por aquele segundo golo, ainda com escassos oito minutos de jogo, num lance em que o Ajax, em apenas quatro toques, levou a bola do veterano guarda-redes Pasveer até Antony e deste ao finalizador Haller.
Mas pergunto: quem ajudou Vinagre na tão malsucedida noite leonina? Quem o protegeu defensivamente? O futebol não é só ter a bola e atacar. Correndo, natural e compreensivelmente, o risco de estar a ver mal o filme, questiono por andaram no jogo Nuno Santos e Jovane Cabral e como se envolveram no processo defensivo da equipa?
Com toda franqueza, não consigo recordar nada de significativo nas exibições dos dois jogadores e, sobretudo, não consigo lembrar-me de ver Nuno Santos dar, na esquerda, a indispensável ajuda a Vinagre.
Outra questão ainda: dos três centrais do onze leonino qual deles tem, reconhecidamente, a melhor saída de bola e, por isso, mais capacidade para poder subir e conseguir um desequilíbrio? O jovem Gonçalo Inácio, parece-me claro. Mas se é assim, porque ficou na posição de Coates, no meio, mais agarrado a Sébastien Haller, o letal ponta de lança franco-costa marfinense do Ajax? Não teria, porventura, dado melhor resultado ter tido Neto a marcar Haller e Gonçalo Inácio no centro-direita, onde joga habitualmente, com outra liberdade para explorar a sua qualidade na saída de bola, aproveitando até a poderosa presença que sempre dá ao jogo o espanhol Porro? E, já agora, não foi um erro deixar no banco o mais experiente na Champions de todos os jogadores leoninos? Um jogo desta dimensão é para jogadores da dimensão de Sarabia. Ou não é?!
Em resumo, parece-me que o Sporting levou 5 do Ajax não por estar a crescer, mas por ter cometido erros tremendos e não ter percebido que, com a pressão alta que o Ajax faz, e com a capacidade de recuperar a bola, boas mãos-cheias de vezes, no meio-campo adversário, como é cada vez mais importante conseguir no futebol atual, não podia correr o risco de dar ao Ajax o espaço que lhe deu nas costas da linha média.
O Ajax chamou-lhe um figo. E o Sporting tombou com o mesmo estrondo com que caiu, há um ano, com os austríacos do LASK (vejam a defesa e a linha média do Sporting nesse jogo), e com que esteve quase a cair, por razões em muito semelhantes (que devem dar que pensar a Amorim), já em maio deste ano, na Luz, num jogo em que podia ter sofrido pesadíssima derrota e acabou por quase conseguir empatar (acabou 4-3 para as águias) depois de Rúben Amorim, e muito bem, ter fechado, com Palhinha e João Mário, se bem me lembro, a porta que escancarara com os jovens Daniel Bragança e Matheus Nunes. Pelos vistos, esses jogos com o LASK e com o Benfica não serviram de lição. Talvez sirva este, com o Ajax!

Oempate do Benfica em Kiev, ao contrário do que por aí se foi, também, ouvindo, nunca pode ser visto como mau resultado. Pontuar, fora, na melhor e mais difícil prova do mundo, é sempre um bom resultado. Não um grande resultado, evidentemente, mas um bom resultado.
Messi, Neymar, Mbappé e Dí Maria, imagine-se, não chegaram para o PSG vencer na Bélgica o muito mais modesto Club Brugge. E nem Ronaldo e Bruno foram suficientes para impedir que o muito mais modesto Young Boys vencesse, em casa, o muito mais poderoso Manchester United (para satisfação de dois jogadores de raiz cabo-verdiana e portuguesa, uma saudação para eles, Ulisses Garcia, nascido na nossa Almada e hoje com a dupla nacionalidade suíça e cabo-verdiana, e Christopher Martins Pereira, filho de emigrantes e nascido no Luxemburgo) .

DIRÃO os adeptos do Benfica que se há adversário para se vencer neste grupo da Champions é o Dínamo Kiev, o que é absolutamente verdade, e nesse sentido, dada a qualidade dos jogadores encarnados, o jogo de Kiev seria um jogo para se vencer.
Mas se a equipa de Jesus não tivesse sido capaz de controlar o jogo como quase sempre controlou, é bem provável que o susto que sofreu naqueles instantes finais da partida se tivesse repetido muito mais vezes, porque o Dínamo Kiev foi sempre uma equipa muito mais à espera do erro do Benfica do que apostada em fazer as despesas do jogo.
Dito isto, devo, porém, concordar por inteiro com os que apontam, de momento, a este Benfica ainda grandes dificuldades no chamado ataque organizado ou ataque posicional, como se lhe quiser chamar. O Benfica pode ser letal no contra-ataque (ou nas transições ofensivas, como agora tão pomposamente parece mais habitual designar-se), mas ainda tem de trabalhar muito quando em ataque organizado para ter mais dinâmica atacante, mais movimentação, mais ações de rutura, mais variedade de lances que troquem os olhos aos adversários e lhe permita criar situações de golo. Ou mais situações de golo. Caso contrário, se se mantiver apenas com o que mostrou em Kiev, pode dominar, dominar, dominar, mas não lhe será fácil tirar da parra muita uva.
Quanto ao FC Porto, o melhor elogio que se lhe pode e deve fazer é que mostrou em Madrid o que todos esperávamos que mostrasse. Mas também devo dizer, no que me diz respeito, que também não esperava nada que o Atlético de Madrid mostrasse mais do que mostrou!

PS: Rui Costa anunciou o que se esperava. É candidato a suceder a ele próprio. Percebeu-se incómodo em responsáveis da Luz pelo modo como Rui Costa, pelos vistos sem avisar os seus pares, decidiu fazer o que fez. Mas eu julgo que fez bem. O ato era suficientemente solitário. E foi!

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