A ilusão!

OPINIÃO08.10.202107:00

Discutam os grandes clubes de Portugal como podem ser mais competitivos lá fora

ANDOU, nos últimos tempos, o Benfica a discutir o voto físico e o regulamento eleitoral, a distribuição de lugares e a limitação de mandatos, a democracia, como se os clubes desportivos, e em particular os destinos do futebol profissional, pudessem ser geridos por voto secreto ou mão no ar, em colégios de dirigentes ou turbas de associados.
Com todo o respeito pelo benfiquismo, sportinguismo ou portismo, com toda a consideração por associados que pagam as suas quotas e, há mais ou menos décadas, devotam a paixão ao emblema de sempre, a verdade é que a indústria do desporto profissional, e, em bom rigor, a grande indústria em que se transformou o futebol profissional já não se decide em assembleias gerais. O que o Benfica não tem discutido - e precisa, de uma vez por todas, de o fazer -, e como o Benfica, como maior clube nacional, também os outros dois grandes portugueses, é como vai, realmente, tornar-se mais competitivo no mercado internacional. E isso, não vejo ninguém discutir, porventura com medo de ferir sócios, tendências, movimentos ou grupos mais ou menos organizados de pensadores românticos.
Crescerão mais, em Portugal, os três maiores emblemas desportivos do País? Não, claro que não! Somos o pequeno País que somos e temos o pequeno mercado que temos. Aqui, Benfica, Sporting e FC Porto já cresceram o que tinham a crescer. Não tenham ilusões.
Fala-se, entretanto, muito da internacionalização das marcas, e bem, mas não vejo muito quem queira discutir a sério um assunto que marcará, definitivamente, e a muito curto prazo, o futuro dos nossos maiores clubes.
Poderão eles crescer, então, mais do que já cresceram? Poderão. Mas só lá fora, no chamado mercado internacional. E para crescerem no mercado internacional, para se tornarem verdadeiramente mais competitivos onde se joga a dimensão e a grandeza, que é nas maiores competições europeias e mundiais de futebol, os grandes clubes dos pequenos países como o nosso, precisam de conseguir grandes parcerias estratégicas com grandes marcas e precisam de investimento estrangeiro.
Sem isso, nada feito. Não tenham, mais uma vez, ilusões!

COM a mais do que provável eleição de Rui Costa como presidente do Benfica - este sábado, com mais ou menos votantes, será legitimado, creio mesmo, com goleada sobre o candidato Benitez -, talvez o grande futebolista mundial que foi Rui Costa dê lugar a um líder capaz de levar os benfiquistas a entender o que é preciso fazer nos próximos anos (não muitos) para que a marca Benfica (leia-se, a SAD para o futebol profissional) possa dar o salto indispensável para poder vir a estar com mais poder, vigor, competitividade, qualidade, ambição e regularidade nos maiores palcos do futebol.
O exemplo do Benfica pode, neste sentido, ser um bom exemplo. A marca é poderosa, tem consumidores em todos os cantos do mundo, pode gerar boas receitas, desenvolveu o importante e fundamental hardware para produzir bons jogadores, apresenta qualidade, e, portanto, tem espaço para crescer, só precisa de mais dinheiro.
Só vender jogadores para alimentar essencialmente a sua operação interna é insuficiente; precisa de mais investimento para garantir mais competitividade internacional e com mais competitividade internacional passar então a ser capaz de gerar ainda mais dinheiro.
O que fez o Benfica de Luís Filipe Vieira foi, queira-se ou não, do ponto de vista estrutural, uma espécie de milagre, porque o clube andou a dar lucro em anos sucessivos, ao mesmo tempo que conseguiu ter uma SAD a trabalhar continuamente com capitais próprios, ao mesmo tempo que desenvolvia infraestruturas de nível mundial e consolidava património com a grandeza e qualidade do próprio Estádio da Luz.
O que esse Benfica de Vieira foi, pois, conseguindo, com parcerias estratégicas com marcas internacionais de primeira grandeza como a Adidas ou a Emirates, por exemplo, e a criação de condições para um eventual investimento estrangeiro na SAD encarnada, parece-me exemplificar bem o caminho a seguir.
Se Vieira o fez da melhor maneira ou não, é outro assunto, e compete aos benfiquistas julgarem a estratégia. Mas não deverão ignorar o essencial. Nem o essencial deve significar que o universo de sócios do Benfica deixe de ter importância no futuro do clube. Nada disso. Julgo mesmo que Filipe Vieira nunca deixou de olhar para o clube como pilar absolutamente decisivo na condução dos destinos do clube, daí ter querido sempre, por exemplo, blindar o património de modo a não ficar nas mãos de uma qualquer decisão arbitrária da administração da SAD. Segundo julgo saber, a SAD do Benfica paga ao clube qualquer coisa como 10 milhões de euros por ano para poder utilizar o Estádio da Luz, imagine o leitor. Alguma outra SAD pagará ao respetivo clube quantia sequer próxima desta? Não acredito, sinceramente.

POIS bem, agora que se prepara alguma mudança na condução do Benfica, cá ficarei, com muita curiosidade, para ver que caminho quer o Benfica continuar a trilhar, se o de ser grande cá dentro e pequeno lá fora, ou, sendo sempre grande cá dentro, o de querer ser cada vez maior lá fora.
Terá de atrair investimento estrangeiro - é inevitável, e veremos se o primeiro dos grandes clubes portugueses a consegui-lo não vai ganhar imediata e decisiva vantagem - e de perceber que a grande indústria do futebol profissional não se gere, desculpem a impopularidade, com democracia ou mandatos limitados, mas, sim, e antes de mais, com liderança. Sem medo de decidir!
Toda a gente adora a Premier League, toda a gente reconhece que é a melhor Liga do mundo, a mais espetacular, e a que mais se vende em todo o mundo, logo, uma Liga com clubes altamente competitivos no mercado internacional. Como o conseguiu? Com discussões de lana-caprina? Não. Conseguiu-o com dinheiro. E para ter dinheiro teve de se abrir ao capital estrangeiro.
Dos grandes clubes da Premier League apenas um é controlado por capital maioritariamente britânico, que é o Tottenham, propriedade do grupo ENIC, de dois investidores ingleses, Joe Lewis e Daniel Levy, de origem judaica, o mais antigo dos presidentes de clubes da Premier.
De resto, a larguíssima maioria dos clubes da melhor Liga do mundo são dominados por capital estrangeiro - norte-americano, russo, árabe, asiático…
Como na Fórmula 1 ou na NBA, só o investimento financeiro garante mais qualidade e mais competitividade. Mas pergunta-se: não podem os grandes clubes portugueses continuar a fazer mais… com muito menos? Podem. E exemplifica-se: não foi o FC Porto capaz de fazer na Europa tanto com tão pouco, comparado com os mais poderosos? Foi, na verdade foi. Mas adotou o melhor dos modelos de gestão para se manter altamente competitivo? Não. Apesar de ter realizado tanto dinheiro, não evitou a intervenção da UEFA e as significativas limitações impostas. Pode ter ganho no imediato, mas pode ter descurado gravemente o futuro.

DEVEM, assim, os grandes clubes portugueses (os três, se o conseguirem…) decidir em que mercado querem verdadeiramente competir. Decidindo isso, perceber como funciona esse mercado. E vendo como funciona, compreender como podem, na realidade, fazê-lo. Sem ficção, sem ilusões, e, sobretudo, sem discussões românticas, feiras de vaidades ou preocupações com o umbigo, para que, como me lembrou um destes dias o experiente Carlos Freitas - lembram-se, dirigente do futebol, campeão no Sporting, por exemplo, em 2000 e 2002? -, seja possível converter, definitivamente, um ciclo vicioso, num ciclo virtuoso. Se continuarem a ver a árvore sem olhar a floresta, então não irão longe!

PS: Algumas notas finais. 1. Não sei se já toda a gente teve a verdadeira noção da importância de vermos, no campeão nacional Sporting, dois internacionais espanhóis, Pedro Porro e Pablo Sarabia, sobretudo, Sarabia, um grande jogador que, infelizmente para ele e para o leão, ainda não encontrou na equipa forma de falar a mesma linguagem futebolística. 2. Bernardo Silva está de volta ao seu melhor e teve, no último fim de semana, grande exibição (melhor em campo) no Liverpool-City. A dada altura, fez jogada mágica, ao nível de Paulo Futre ou Lionel Messi. Só não deu em golo porque Phil Foden falhou o que não se esperava que falhasse. Se tivesse dado golo, faria parte da Memória do Futebol. Assim, fará parte, pelo menos, da minha. Para sempre! 3. Lembro-me de escrever, há um par de anos, e de o discutir com o meu bom amigo Vítor Manuel, que Raphinha (hoje no Leeds) era jogador de equipa grande. Esteve no Sporting pouco tempo, porque o Sporting precisava muito do dinheiro da sua venda, e o melhor que conseguiu foi chegar à Premier League. Mas acaba de ser chamado à seleção do Brasil. Deus é grande! 4. Uma notável seleção portuguesa de futsal conseguiu conquistar o notável título de campeã do Mundo. Somos realmente um país pequeno de gente muito grande!

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