A deus!

OPINIÃO27.11.202003:00

Como o mais comum dos mortais, Diego orou, comeu, amou, festejou e celebrou. Pisou o risco umas quantas vezes e ultrapassou o risco muitas outras. Muitas mais!

Como o mais comum dos mortais, Diego desafiou-se, revoltou-se, apaixonou-se, emocionou-se, alegrou-se, deprimiu-se, entregou-se aos prazeres mais simples da vida mas também aos mais profundos dos pecados. Os que costumam ser fatais.

Tudo em Diego foi intenso e em excesso, e com excessiva intensidade será, provavelmente, como vivem todos os génios.

Diego pareceu querer mostrar sempre que vivia emocionalmente como um pobre, no sentido de conceder permanente atenção aos mais desfavorecidos, mais injustiçados e mais desprotegidos, mas como a estrela que foi, nunca recusou viver como um rico.

Conviveu com Deus e com diabo. Em orações, álcool e drogas. E foi, ele próprio, Deus e o diabo.

Fez tudo e de tudo. Sempre no limite, sempre no fio da navalha.

Creio, no fundo, que viveu como jogou. Com tremenda paixão. Mas  jogou com a genialidade com que parece nunca ter vivido.

Dizem que tinha o coração muito maior do que o seu pequeno mas corpulento corpo. Acredito. Acredito, aliás, que se alguém Diego traiu foi a ele próprio. Como ele reconheceu um dia, céus. «Que jogador eu teria sido sem a cocaína».

Só ele e a bola eram um só. Só ele e a bola tinham uma relação pura. Só ele e a bola se conheciam na perfeição. Por isso, Diego jogou como ninguém!

Diego foi, pois, acima de tudo e de qualquer outra coisa, permitam-me a imodéstia, simplesmente o maior futebolista que vi jogar, e para mim, que sou ateu, nada mais intenso, emocionante e comovente do que testemunhar a morte de um deus!

Eterno, mesmo depois do adeus!

O FC Porto pode não ter jogado ainda a grande nível na Liga dos Campeões, mas sempre que mete o pé na Europa mete pé firme, com aquele tremendo caráter que faz da equipa do FC Porto, há anos, uma das mais poderosas da Liga dos Campeões.

Na Europa, mesmo sem jogar um futebol com muita nota artística, como diria Jorge Jesus, o FC Porto parece um daqueles jogadores que discutem cada lance como se fosse o mais importante e decisivo de todos, e que sempre que metem o pé, metem para ganhar mesmo a bola. Na Europa, o FC Porto nunca faz (ou quase nunca faz) figura de corpo presente. Quando está, não está às metades. Está sempre inteiro, como deve estar em qualquer jogo uma grande equipa de futebol.

Com todo o respeito pelo que fez Villas-Boas no FC Porto (e pela seu percurso até hoje), não deixou Sérgio Conceição de lembrar bem que o atual treinador do Marselha conseguiu no Dragão o que conseguiu num tempo de vacas realmente gordas, diria mesmo muito gordas.

Hoje, o tempo é de vacas magras, diria mesmo bastante mais magras, e todos reconheceremos sem qualquer dificuldade que o mais difícil é fazer o que Sérgio Conceição tem feito no FC Porto com a torneira do investimento no futebol fechada como tem estado.

Apenas para recordar os mais distraídos, em 2011, Villas-Boas tinha no FC Porto nomes (e classe) como os de Otamendi, João Moutinho, Raul Meireles, Hulk, James Rodríguez, Falcão, apenas para citar alguns dos mais sonantes.

Sérgio Conceição tem, por exemplo, um lateral esquerdo que ainda há dois anos jogava no… Mirandela, do Campeonato de Portugal, e é agora, apenas, o substituto de Alex Telles na Liga dos Campeões.

Zaidu, o lateral esquerdo nigeriano, de 23 anos, foi, só, o melhor jogador em campo na noite desta quarta-feira, na segunda vitória que os portistas de Sérgio Conceição conseguiram sobre os marselheses de Villas-Boas, com um saldo conjunto de cinco golos marcados e nenhum sofrido, nos dois confrontos luso-franceses desta fase da competição. Uma espécie de pequenina vingança do que recentemente a seleção de França fez à seleção de Portugal…

No caminho para poder chegar (e lá chegará, seguramente) aos oitavos de final da prova pela 12.ª vez em 24 presenças na fase de grupos (palmarés notável para um clube de um País pequeno e pobre como o nosso), o FC Porto de Sérgio Conceição continua a ser uma equipa sem muitas estrelas mas com a fé inabalável na possibilidade de vencer qualquer que seja o adversário.

E talvez esse seja mesmo um dos segredos deste FC Porto de Sérgio Conceição, o de entenderem perfeitamente os jogadores a cultura e a natureza da equipa - porque não acreditar que podem vencer qualquer adversário se jogam no FC Porto?

AGORA, em Marselha, mais duas ou três notas: a incontornável qualidade e classe do mexicano Jesús Corona (já agora... nunca deveria o FC Porto, na minha opinião, ter permitido que o jogador pudesse inscrever, como inscreveu, outro qualquer nome na camisola, sobretudo depois de já ter tido na camisola o seu verdadeiro nome...); também o espírito, o caráter e a voz de comando a partir de trás de um jogador como Mbemba, que se vê na equipa órfão do peso e da influência de um Pepe, e já sem poder sequer contar com o importante Danilo; e, por último, mas não como último, a nota ainda de maior destaque para o nível de jogador a que chegou, realmente, Sérgio Oliveira, que não sendo de agora, ganha agora, como se tem visto, provavelmente a dimensão adequada ao seu verdadeiro talento.

Sérgio Oliveira está feito um craque! Comeu muito o pão que o diabo amassou e é também por isso um exemplo de perseverança, persistência, determinação. Foi olhado anos com desconfiança, poucos terão acreditado mesmo que pudesse um dia chegar onde acabou, afinal, por chegar , mas Sérgio Oliveira nunca desistiu. E saberá, melhor do que ninguém, como em todo esse processo foi importante, talvez mais do que qualquer outro, o seu treinador atual, Sérgio Conceição. 

Pode Sérgio Oliveira não ter um futebol de encher o olho como chega a ter Corona, por exemplo, muito mais desequilibrador nos duelos. Mas é impressionante a quantidade de decisões certas que toma normalmente Sérgio Oliveira, com a bola mas também sem bola, e a simplicidade, precisão e inteligência com que pensa o jogo e domina o espaço e dá, com isso, muita da luz por onde a equipa hoje se guia.

Foi tudo isso que mais uma vez mostrou Sérgio Oliveira esta semana em Marselha, numa equipa do FC Porto que se dá a poucos luxos mas tem o luxo de revelar continuamente o caráter das grandes equipas. E isso, quando se compete na Europa, faz sempre, como bem sabemos, muita diferença. Se faz!

VEJA-SE o caso do Benfica, na última noite mais uma vez à beirinha de claudicar diante do Rangers, em Glasgow, tal e qual como já havia acontecido no Estádio da Luz. O Benfica voltou a reagir em vez de agir e voltou a dar a ideia de estar uma equipa demasiado vulnerável para a expectativa dos adeptos, e, acredito, dos seus responsáveis, a começar pelo treinador Jorge Jesus, naturalmente um dos mais interessados que tudo corra bem.

Se perguntarmos se o Benfica tem futebol, pois a resposta pode ser dada pela forma como a equipa já mostrou futebol suficiente para reagir como reagiu a cenários adversos como os que teve no duplo confronto com estes escoceses, como na noite de ontem ficou de novo amplamente demonstrado quando a águia se viu a perder por 0-2, e até no encontro do campeonato com o Braga, como bem se recordará o leitor.

Mas apesar de se crer e ver que tem o Benfica futebol para muito mais, a verdade é que não é possível ignorar que está a equipa encarnada com demasiados problemas para os problemas que se esperava que tivesse nesta altura das competições. Parece faltar-lhe confiança, ligação, qualidade, discernimento para boas decisões, faltam-lhe ações desequilibradoras, falta-lhe intensidade nos duelos, diria, como se de um vinho se tratasse, que falta corpo à equipa.

Confesso, por outro lado, não ter compreendido ainda como pode o reforço Gilberto ser considerado jogador para o nível do Benfica (se é... ainda não o mostrou) e confesso ainda não saber se estará ou não Jesus a proteger excessivamente o artista Everton Cebolinha, demasiado triste, parece-me, e muitíssimo pouco influente no jogo benfiquista.

Lá saberá Jorge Jesus, naturalmente, as linhas com se está a coser. Na certeza, porém, de estar a confrontar-se com sérias dificuldades para formar o onze-base e de parecer faltar-lhe, mais do que qualquer outra coisa, um médio de grande nível, seja ele mais 6 ou mais 8, porventura decisivo para evitar um 31!

PS: Morreu Reinaldo Teles, realmente um homem bom. Tinha uma extraordinária capacidade para se relacionar com quem se cruzava. Era, nesse sentido, um senhor. Testemunhei essa bondade, independentemente do Reinaldo Teles como dirigente nos bastidores do futebol. Sem ele, o FC Porto seria hoje bem menor. Fica, por isso, a dever-lhe muito!