A conduta

OPINIÃO22.04.202206:30

Não se generalizem os maus exemplos porque nem sempre a farinha é toda do mesmo saco!

M UITO se tem discutido, de novo, nas últimas horas, o triste espetáculo e os péssimos exemplos dados por muitos dos protagonistas do último FC Porto-Sporting, da Liga, jogado em fevereiro, e cujos castigos agora revelados darão, na verdade, como já se esperava, para não esquecermos como pode este futebol de tanto talento ser, afinal, tão pequenino na ética da competição. 
Nesse contexto, impossível ignorar, também, mais uma péssima conduta do jogador do Sporting, um reincidente Nuno Santos, que no último dérbi com o Benfica marcou na agenda pessoal mais uma atitude exemplarmente negativa, não devidamente punida pelo árbitro, de total desrespeito pelo jogo e pelo adversário. Os maus exemplos ficam, evidentemente, com quem os pratica, com a certeza, porém, de muito contribuírem para a imagem que deles o futebol guardará. É frequente, neste tipo de situações, comentar-se tudo como se tudo fosse farinha do mesmo saco. Mas não é. E é preciso dizer que não é.
Nas duas últimas épocas, por exemplo, é verdade que fica o Benfica claramente a perder para os rivais em matéria de resultados, de títulos e até de futebol jogado, mas, dentro do campo, em correção e comportamento dos jogadores, ética desportiva da equipa, jogo francamente jogado muito mais pelo jogo, sem teatro e com mais 'fair-play' e respeito, é de goleada que o Benfica vence os mesmos rivais. 
Na Luz, não creio, na realidade, que possa apontar-se o dedo a alguma conduta disciplinar realmente imprópria por parte de jogadores, a qualquer hábito de pressionar, protestar ou ludibriar os árbitros, de fazer teatro por ‘dá cá aquela palha’, desrespeitar ou ofender adversários ou até mesmo o público.
Têm os jogadores do Benfica falhado nos resultados, mas podem, globalmente, orgulhar-se do melhor exemplo que dão no comportamento em campo. Não mostra, na verdade, a equipa do Benfica, as más condutas que temos visto em muitos comportamentos em campo de alguns protagonistas de FC Porto e Sporting, quer no interior da equipa, quer nos respetivos bancos, para citar, naturalmente, os casos de maior impacto que vêm sempre das principais equipas do futebol português, como ainda ontem voltou a ver-se, aqui e ali, em mais um clássico, no Dragão.
Generalizar a indisciplina, o engano, a tentativa de ludibriar, o desrespeito pelo jogo e pelos adversários e sugerir que todos são iguais, é faltar à verdade; nem sempre a farinha é toda do mesmo saco, vale a pena sublinhá-lo, e é preciso separar bem o trigo do joio, sob pena de nos andarmos, voluntariamente, a enganar todos uns aos outros, a enganar quem ama realmente o jogo e a enganar o próprio futebol. 
Elogiamos os bons exemplos da Liga inglesa, mas não queremos segui-los. Paguemos, pois, o preço!

L ANÇO agora uma nota, apenas curiosa, ainda a propósito da forma como o Benfica venceu o Sporting em Alvalade. Teve a águia 39 por cento de posse de bola, o que, para os indefetíveis (não é o meu caso) defensores das estatísticas, explicará bem a atitude defensiva da equipa da Luz, com o tal bloco defensivo médio/baixo, que alguns procuram argumentar que foi, sempre, mais baixo do que, em muitos momentos, chegou, na realidade, a ser, mas cada um tem o direito de ver o jogo com os olhos que quiser.
Pois bem, para esses mesmos indefetíveis defensores das estatísticas, podemos recordar que o Sporting teve na Luz, no jogo da primeira volta (que venceu por 3-1) ainda menos posse de bola do que o Benfica, agora, em Alvalade; apenas 33 por cento, o que não deixa de ser muito curioso para os que lembraram agora que a águia contrariou neste último dérbi o nível do seu ADN, como se o ADN do Benfica tivesse sido, nos últimos largos anos, jogar sempre ao ataque em Alvalade (apesar de lá ter somado 9 vitórias e apenas 5 derrotas nos últimos 20 anos), já para não falar nas (muitas) cautelas defensivas a que o Benfica, há muitos anos, tem sido, por exemplo, obrigado quando joga no Estádio do Dragão, onde a águia, para o campeonato, venceu apenas três vezes nos mesmos últimos 20 anos, e tem sido, regularmente, dominada pelo geralmente mais forte FC Porto.
Quer dizer, nem 8 nem 80. Apesar dos resultados positivos que os encarnados, só para referir os últimos 20 anos, têm conseguido em Alvalade (onde, em 88 dérbis para o campeonato, venceram 34, perderam 33 e empataram 21), é bom que se reconheça que muitos deles foram conseguidos com estratégias quase sempre bem menos ofensivas que a do adversário, até porque é assim, em boa parte dos jogos, que se conseguem vencer dérbis ou clássicos fora de casa. Aqui ou em qualquer outra parte do mundo.
Vem isto, de novo, a propósito deste Sporting, 0-Benfica, 2, e das (insensatas) críticas à águia de Veríssimo, como se já ninguém se lembrasse como o Sporting «feriu» o Benfica na Luz, com a tal mesma baixa percentagem de posse de bola (recordo os 33% do leão na Luz, contra os 39% da águia, agora, em Alvalade) e de como a equipa do muito talentoso Amorim obteve dois dos três golos, também, em claro contra-ataque (o 2-0 e o 3-0!), ou, como modernamente se diz agora, em rápidas transições, aproveitando, sobretudo, um André Almeida em sub-rendimento, escolhido então por Jesus para o lugar de terceiro central que a lesão grave de Lucas Veríssimo tinha deixado em aberto após o jogo com o Braga, quase um mês antes de a águia ter recebido, em casa, o leão.
Dizem os mais críticos da estratégia de Nélson Veríssimo que o Benfica teve, agora, a sorte de marcar cedo, logo aos 14 minutos. Pois na Luz, creio que também valerá a pena lembrar que o Sporting marcou… logo aos 8 minutos, mais coisa menos coisa, o que neste tipo de jogos costuma, é verdade, ser decisivo para condicionar o jogo a favor da equipa que chega à vantagem. 
Vinca-se ainda, do lado dos leões, que, no último domingo, Sarabia atirou à trave com 1-0 para os encarnados. Podem vincar as águias que, na Luz, João Mário falhou inacreditavelmente o 1-1 para Paulinho fazer, logo a seguir, o 2-0. E que antes do 3-0, Darwin e Rafa atiraram também à trave. Vale o que vale. Vale pouco, porque o que conta é, na verdade, o resultado. E não como foi o jogo. Mas vale, pelo menos, para nos recordarmos como nem sempre as coisas, no futebol, são o que parecem.
Como lembrou um destes dias, na BOLA TV, o professor Jorge Castelo (um dos homens, no nosso País, que mais conhecimento tem desenvolvido, aprofundado, debatido e escrito sobre o jogo), a memória, no futebol, dura três dias. Na maior parte das vezes, apenas dois, diz ele, e creio que tem toda a razão, já para não falar de como nós, sobretudo os latinos, levamos a memória a viajar para o lado que, circunstancialmente, mais nos interessa. A memória é, realmente, muito curta. E no futebol, é ainda mais curta.
Voltemos, ainda, ao dérbi de Alvalade. O Benfica não tem, na verdade, estrutura defensiva que lhe permita jogar mais subido no terreno. Os centrais são lentos, Grimaldo tem igualmente dificuldades no controlo da profundidade, até porque habitualmente a equipa lhe pede que se projete muito, e Gilberto (um «animal» competitivo, sem dúvida, apesar do menor talento) só agora parece começar a estar mais confortável na pele que Jesus lhe quis vestir quando o trouxe do Brasil. Por causa de tudo isso (e percebendo as dificuldades na falta de velocidade de Otamendi e Verthongen), Jesus, e bem, como hoje mais facilmente ainda se compreenderá, exigiu Lucas Veríssimo (que apenas chegou no final de janeiro de 2021, recorde-se!) para jogar com os três centrais que Nélson Veríssimo assumiu o risco de desfazer, procurando compensá-lo (o risco) com a inclusão na equipa do operário Gonçalo Ramos, uma espécie de pau para toda a obra, que, por vezes, para mal dos seus pecados, corre mais do que rende.
No Sporting, também Rúben Amorim terá percebido, e bem, na minha opinião, que para continuar a contar com a liderança, personalidade, experiência e estatura de Sebastian Coates, tinha também de aplicar o modelo dos três centrais. Ainda agora, sem Feddal e sem Matheus Reis, Amorim viu-se obrigado a juntar Neto e Coates, e viu-se como juntou a «fome» com a «vontade de comer» em matéria de controlo da profundidade frente a um rapaz verdadeiramente impressionante na velocidade e na capacidade física como é Darwin Nuñez, que o diga igualmente um craque como é Virgil Van Dijk, do Liverpool, que só como uma falta para grande penalidade – não assinalada - é que o conseguiu travar no jogo com a águia, na Luz e lembro, ainda, aliás, como os defesas Eric Garcia e Piqué, por terem subestimado Darwin, lhe deram o espaço suficiente para ele fazer o 1.º golo nos 3-0 que o Benfica aplicou ao Barcelona, em novembro, em Lisboa.
Alguém, que não recordo, me lembrou um dia que o futebol, sendo um jogo coletivo, tem muito de individual. Quando se defende, defende-se como equipa, quando se ataca, ataca-se com o talento de cada um. Foi o que o Benfica fez, agora, em Alvalade!

O respeito que o futebol mundial, o inglês em particular, o fantástico público de Liverpool muito em especial, têm, também, pelo nosso Cristiano Ronaldo ficou ampla e justificadamente demonstrado esta semana, quando, após a notícia da morte de um dos gémeos que Ronaldo e Georgina esperavam ver nascer, a plateia do estádio do maior rival do Manchester United se levantou em uníssono a homenagear, com aplausos no lugar da dor, a figura humana de Cristiano, que o mundo reconhece (menos em alguns cantinhos do mais pequenino Portugal) como uma das maiores lendas do futebol!
Também eu sou pai e, sem a conseguir realmente imaginar, sou evidentemente capaz de compreender a dimensão da dor de perder um filho, mesmo que no ato do nascimento, mas quando os braços, já bem abertos, e o coração, já cheio de amor, estão, por fim, profundamente preparados para o receber.
Quando ainda há dias, à saída do relvado do Everton, e muito frustrado após derrota, Cristiano Ronaldo, humano e imperfeito como todos, teve a muito infeliz atitude de deitar ao chão um telemóvel, que veio a saber-se pertencer a um jovem de 14 anos, que sofre, infelizmente, de autismo, neste pequeno retângulo à beira-mar plantado logo pareceram apontar-se dedos a um defeito de carácter de Cristiano.
Conheço mal Cristiano, mas conheço-o, ainda assim, o suficiente para me levar a aceitar sem receio que ele terá, quando muito, humanos defeitos de comportamento e reação, como todos nós, mas não defeitos de carácter, e é por ter construído o correto e forte carácter que construiu ao longo da notável carreira desportiva em que se transformou, até ao momento, a sua vida, que o mundo do futebol, mas não apenas o mundo do futebol e do desporto, o olham hoje como um bom exemplo em muitos dos mais importantes valores da vida – no espírito de família, na educação, no respeito, na ética profissional, na honestidade, sentido de justiça, dedicação, solidariedade. 
«A tua dor é a nossa dor», escreveu a imprensa inglesa, nalgumas páginas, em letras muito gordas. É, no fundo, o que me apetece dizer-te, Cristiano, e perdoa-me que te trate assim, por tu… porque, afinal de contas, também eu te sinto um bocadinho meu, neste Portugal às vezes ainda mais pequenino do que já é, mas com alguma gente, ainda, e felizmente, tão grande, como tu!

D ENUNCIADO mais um caso de insultos racistas no futebol em Portugal, desta vez atingindo um jovem jogador da equipa B do Benfica, mas, como bem sabemos, já com inúmeras vítimas ao longo de anos, muito em particular no futebol europeu, mas apenas porque o futebol promove exposição imediata e muito mediática.
Não é, evidentemente, o racismo um problema do futebol. O racismo é um problema de educação. O futebol, e o desporto em geral, pela força e pelo poder de influenciar as sociedades modernas, podem apenas defender e promover valores antirracismo e dar o exemplo, porque, em matéria de educação, o exemplo é tudo. O quase tudo.
Portugal não é, como a generalidade dos países europeus, um país racista. Mas há racismo em Portugal e na generalidade dos países europeus. Ignorá-lo, escondê-lo ou disfarçá-lo, metendo a cabeça na areia, não defende o que deve ser defendido, mesmo num século XXI que até parece, em alguns momentos, levar-nos de volta às mais sombrias, terríveis e inaceitáveis histórias do pior lado da humanidade.
Tem o valor que tem e pode nem representar nada de muito significativo, mas apetece-me perguntar, aliás, ainda que a título de mera e simples curiosidade, quantos cidadãos negros tiveram, na história desta Europa de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, direito a memória e história de vida perpetuadas, por exemplo, numa estátua no continente europeu? Assim de repente, que eu me lembre, apenas um negro: o cidadão Eusébio da Silva Ferreira, notável desportista e lendário futebolista, que fez realmente mais, muito mais, no século XX, pela diáspora e pela cultura portuguesas, e pela luta contra o racismo, do que muitos políticos, diplomatas e intelectuais, e tem, no nosso País, a admirável estátua que um cidadão português residente nos Estados Unidos (Vítor Baptista) teve a nobre sensibilidade e a extraordinária iniciativa de mandar construir, pagar e oferecer ao Sport Lisboa e Benfica.
Sejamos sérios, historicamente, no passado, nunca a civilização europeia se aproximou dos povos mais negros ou menos negros com a ideia de inclusão, mas sim com a ideia de os explorar. Enquanto não o reconhecer plenamente, não exorcizará os seus maiores ou mais pequenos focos de racismo, que têm vindo, também, a dar origem a cada vez mais intensos focos de xenofobia. 
Não pode o futebol fazer o que, porventura, a Educação ainda não faz, acabar com o racismo, mesmo que esse racismo se evidencie, nestes tempos de hoje, e no caso do nosso País, mais na intolerável mesquinhez, incompreensível cretinice e clara estupidez da expressão verbal, do que propriamente no comportamento da ação física, ainda que tenhamos de continuar atentos e vigilantes a eventuais bárbaros comportamentos que as sociedades ainda vão, infeliz e lamentavelmente, continuando a testemunhar.
O que o futebol pode e deve fazer é, porém, bem mais simples do que se pensa, na linha, aliás, do que o futebol inglês soube fazer para erradicar dos estádios os malditos «hooligans» - identificar todos os que se portam mal (cada vez mais fácil, com os meios atuais), seja por atos ou insultos racistas, seja pelo que for, e excluí-los de uma vez por todas.É preciso coragem? Pois é. Mas só. E deixem-se de tretas; pedir coragem não é pedir muito!


PS: O FC Porto está na final da Taça e deverá, pois, fazer a «dobradinha» (o Tondela que me desculpe). Esta época, o Dragão merece-o porque, independentemente de como se olhar e do que se vir, é a melhor equipa! Impossivel, ainda, ficar indiferente ao momento ontem vivido no Parlamento português, que recebeu a intervenção do presidente da agredida República da Ucrânia. Honra-nos e orgulha-nos. Por fim, como lamento a morte de Sérgio Abrantes Mendes, grande sportinguista, bom amigo, e um das melhores pessoas que conheci neste mundo desportivo.