«Se não fosse eu, não sei o que seria do João Sousa!»
Na Academia dos Champs, mais 200 alunos têm acesso a aulas de ténis gratuitas, além de apoio ao estudo e outras valências (Miguel Nunes)

«Se não fosse eu, não sei o que seria do João Sousa!»

TÉNIS01.04.202410:15

A Academia dos Champs foi criada em 2009 para «democratizar o ténis», mas vai muito além disso. O Wilson, por exemplo, 'ajudou' João Sousa a ganhar o Estoril Open

«Se não fosse eu, não sei o que seria do João Sousa!»

A frase é-nos atirada por Wilson Monteiro e refere-se ao momento mais alto da carreira do melhor tenista português de todos os tempos. Não é coisa pouca, portanto. Mas ela vem embrulhada numa gargalhada. Mesmo que o jovem de 23 anos saiba do que fala, ou não tivesse assistido em primeiríssima fila ao momento em que João Sousa bateu Francês Tiafoe na terra batida do Estoril Open e se tornou no primeiro português a ganhar a competição.

Naquele 6 de maio de 2018, Wilson estava no court no papel de apanha-bolas. Mas seis anos antes nem sabia o que era o ténis.

Ténis… «Se não fosse o ténis, não sei o que seria de mim».

Esta frase não nos foi dita pelo Wilson. Pelo menos, não foi dita com as palavras organizadas desta forma. Mas é sentida pelo rapaz da Outurela que em 2012 conheceu a modalidade porque a Academia dos Champs (ADC) se tinha instalado ali mesmo ao lado de casa. Para lhe mudar a vida.

«No fundo, a ADC tirou-me da rua. Eu era um miúdo rebelde e problemático. Chegava atrasado, era um baldas na escola, passava a vida a faltar às aulas. Ajudou-me mesmo muito em termos pessoais», declara já sem o tom jocoso da frase que abre estas linhas.

No dia em que começa o torneio que vai marcar a despedida de João Sousa do ténis, aproveitamos a boleia para falar sobre aquele que é, há vários anos, o parceiro de responsabilidade social do Estoril Open.

Fundada em 2009 por António Champalimaud, com o objetivo de integrar, através do ténis, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, atuando em bairros sociais, a ADC cumpriu totalmente a sua função com Wilson. E tem feito o mesmo, ou pelo menos tem tentado, com as várias centenas de alunos que já passaram pelo projeto, num dos nove núcleos que o constituem neste momento: seis na zona da grande Lisboa, um na Maia e dois no Algarve.

O primeiro de todos foi aquele da Outurela, onde encontramos um Wilson bem distinto daquele que ali chegou na primeira vez para fazer tempo enquanto os amigos iam ter treino de ténis antes da futebolada que tinham marcado. E isso ele diz com todas as letras.  

«Foi o ténis que me trouxe disciplina. Foi aqui na academia que aprendi o que isso é. Porque se não tivesse boa notas, não podia participar nos torneios. E isso serviu-me de motivação para aplicar-me e deixar de faltar às aulas. Antes de entrar na ADC chumbei na escola, e no primeiro ano ainda estive ali tremido. Mas depois terminei o 12.º ano sem voltar a chumbar», orgulha-se.

Wilson Monteiro é um dos casos de sucesso da Academia dos Champs (Miguel Nunes)

Do lado certo da história

Voltamos à final de João Sousa. Quando perguntamos ao Wilson se foi o momento alto da ligação à ADC, a resposta faz-nos... o break.

«Nada disso! Os pontos altos foram mesmo todos estes anos ligado à academia, onde me têm transmitido muitos valores. Há uma ideia que é muito repetida aqui: aprender a vencer. Eu não entendia isso, mas tornou-se num dos principais ensinamentos que levei para a vida. Eu era demasiado competitivo. Perder deixava-me muito frustrado, não só no ténis, mas também no futebol. Aqui aprendi a perder, mas também a ganhar», atira.

No fundo, a ADC tirou-me da rua. Eu era um miúdo rebelde e problemático. Chegava atrasado, era um baldas na escola, passava a vida a faltar às aulas. Ajudou-me mesmo muito em termos pessoais

Quanto aos anos de apanha-bolas do Estoril Open, também foram uma aprendizagem. Porque apesar de pouco convencido da importância da experiência na altura, Wilson soube transformá-la num desafio. E superar-se.

«Ir ao Estoril Open foi uma oportunidade. Mas na altura nem estava muito entusiasmado para ser apanha-bolas. Eu gostava era de jogar! Fui lá no primeiro ano pela experiência e percebi que havia uma certa competitividade para ir à final. Eu não consegui nesse ano, mas decidi que também queria chegar à final. Por isso voltei a inscrever-me no ano seguinte, fui selecionado e fui passando etapas até ser escolhido para a final», recorda.

Ou seja, foi por mérito que, há seis anos, Wilson chegou a uma final do Estoril Open. Mas por sorte que esteve no momento alto da carreira do Conquistador que agora vai dar espaço para os novos talentos do ténis nacional. «Fui apanha-bolas na final que o João Sousa ganhou. Ainda lhe dei umas bolas e faço parte da história… Sou um homem muito sortudo!», concede.

E se não fosse ele…

A Academia de Champs tem nove núcleos, o primeiro nasceu na Outurela, em 2009 (Miguel Nunes)

«A ADC trouxe-me vida!»

Cátia Cardoso não esteve na final de João Sousa. Afinal, tinha apenas 9 anos. Mas já na altura era também aluna da ADC, no núcleo de Trajouce. E tal como Wilson, também ela não acredita que algum dia teria contacto com o ténis se não fosse a academia.

«Nunca tinha experimentado ténis, mas tornou-se na minha paixão. É um desporto incrível! Os meus pais estranharam quando eu disse que ia entrar para o ténis, mas apoiaram-me e continuam a acompanhar-me até hoje», revela, ela que também reconhece que a ADC lhe deu muito mais do que apenas a modalidade pela qual se apaixonou.

«A academia trouxe-me amigos e deixou-me mais à-vontade socialmente, porque eu era muito tímida e foi aqui que comecei a quebrar essa timidez. E deu-me também uma ideia de liberdade. Trouxe-me mais vida!», resume sorridente.

Cátia Cardoso diz ter perdido a timidez graças à Academia dos Champs (Miguel Nunes)

Na edição deste ano do Estoril Open Cátia é uma das três alunas da ADC que vai participar como apanha-bolas. Será a segunda vez dela na prova, depois de em 2023 ter vivido naquela terra batida aquele que define como o melhor momento da sua ligação à academia.

«Ser apanha-bolas no Estoril Open foi a melhor experiência que tive nestes anos. Tive oportunidade de entrar em campo com o Casper Ruud na final do ano passado! Foi muito especial poder entrar no court com um dos melhores jogadores do Mundo», define a jovem de 15 anos.

Essa experiência de lidar com os melhores da modalidade que adora, de resto, só fez crescer o sonho que vem alimentando. «Gostava mesmo de vir a ser tenista profissional e tenho essa esperança. A academia ensinou-me a nunca desistir dos meus sonhos e mostrou que tudo é possível. Um dia posso vir a ser alguém e nunca vou desistir de lutar pelo meu futuro», garante.

Cátia Cardoso não conheceu o ténis na Academia dos Champs e tem o sonho de ser tenista profissional (Miguel Nunes)

As histórias de Cátia e Wilson mostram que o trabalho da ADC tem sido feito com sucesso. Pelo lado desportivo, pela «democratização» do ténis. Mas esse não é, de todo, o principal legado que o projeto tem deixado nos seus alunos.

«Os prémios do dia-a-dia são coisas muito simples, e muitas vezes não visíveis para quem está de fora. As mudanças comportamentais são muito importantes. O simples facto de os alunos chegarem ao treino e dizerem ‘boa tarde’ e despedirem-se com um ‘até amanhã’, para nós é uma vitória», descreve Pedro Carvalho, diretor geral do projeto.

Pedro Carvalho é o diretor geral da Academia dos Champs (Miguel Nunes)

É também ele que nos explica que a escolha de alunos da academia para apanha-bolas nada tem que ver com a ADC. «Qualquer pessoa pode candidatar-se, faz a formação e depois pode ou não ser selecionado». Contudo, aquilo que acontece nas despedidas da reportagem de A BOLA tem tudo que ver com a ADC.

No momento de fazer fotos de Wilson a jogar, cai um dilúvio que nos obriga a recolher rapidamente. Mas ele corre na direção oposta. E depois atravessa o campo, sempre debaixo de chuva intensa, para o outro lado, recolhendo todas as bolas utilizadas para a sessão fotográfica. «Então, não podias ter ido buscar as bolas quando parasse de chover?», questionamos quando ele se junta a nós, totalmente encharcado. «Não! A malta precisa das bolas. E se ficassem ali iam ficar muito molhadas e não daria para as utilizar», justifica.

É verdade. Se não fosse ele…