Portugal entra na história à boleia de Alfredo Quintana

ANDEBOL25.01.202509:30

Seleção conseguiu algo que parecia impossível. Venceu a Espanha e apurou-se para os quartos do Mundial, com exibições monumentais de dois meninos que beberam da inspiração de um nome incontornável do andebol nacional

«Quero ser lembrado como alguém que inspirou as pessoas a fazer coisas que pareciam impossíveis.»

A frase não é original de Alfredo Quintana, mas colou-se-lhe de forma eterna. Porque ele a utilizou. Mas, sobretudo, porque ele a colocou em prática. E é impossível não o lembrar no momento em que o andebol português atinge um dos seus auges. Porque ganhar à Noruega, na Noruega, perante mais de 11 mil pessoas parecia impossível. Empatar com a Suécia estava longe de ser algo acessível. E vencer a Espanha era, até ontem (35-29), feito impossível. Em oito jogos oficiais, nunca tinha acontecido.

E quem é que no seu perfeito juízo, em 2020, quando Portugal regressou às grandes competições depois de 14 anos de ausência, poderia imaginar que, cinco anos depois, os Heróis do Mar conseguiriam apurar-se para os oito melhores do Mundo? Parecia muito pouco possível. Tal como a ida aos Jogos Olímpicos em Tóquio. Alguém acreditaria?

Talvez uma pessoa: Alfredo Quintana. Porque para ele não havia impossíveis. E essa mentalidade com que contagiou várias gerações continua a dar frutos, quase quatro anos após o trágico desaparecimento do guarda-redes internacional português.

Na sexta-feira, na Unity Arena, Quintana não esteve nas costas de Gustavo Capdeville. Mas esteve por baixo da camisola de jogo do guardião, colado ao peito, como sempre. Esteve nas tatuagens no corpo de Rui Silva, Kiko Costa e de Paulo Jorge Pereira. Esteve, certamente, no ânimo de todos.

E por certo desesperaria com aqueles momentos em que faltou querer um pouco mais durante a 1.ª parte. Quando Portugal demorou a passar para a frente, porque falhava sempre na decisão quando tinha essa possibilidade. E depois de o conseguir, aos 13 minutos, suspirou de alívio e baixou os níveis de intensidade. Viveu, por isso, o pior período no jogo e viu o adversário chegar a quatro golos de vantagem (12-8), a 10 minutos do intervalo.

Nessa fase, a entrada de Diogo Rêma para a baliza foi fundamental para a recuperação da Seleção, que estava a esbarrar em Sergey Hernández, guarda-redes que jogou duas épocas no Benfica e fez uma 1.ª parte de bom nível. A acompanhar a excelente entrada do jovem guardião português esteve Salvador Salvador, que foi novamente chamado a ajudar no ataque e correspondeu com quatro golos em cinco remates, o que permitiu chegar ao intervalo apenas a um de distância: 16-15.

Acabar com a história do 'quase'

O que foi dito no balneário ao intervalo, não se sabe. Mas na 2.ª parte o jogo virou por completo. Portugal surgiu em modo Guerreiro extraordinário e passou por cima de um rival que em agosto foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos, tal como nas duas últimas edições de Mundiais. E para isso, numa exibição coletiva de altíssimo calibre, sobressaíram duas pérolas que já são o presente, mas serão o futuro do andebol luso.

Com Martim Costa mais apagado do que é hábito, o irmão mais novo, Kiko, assumiu a responsabilidade e fez uma das melhores exibições com a camisola da Seleção. Esteve lá tudo: o talento inegável; a ousadia que lhe permite encarar qualquer adversário de peito feito; a noção de que era o momento de contribuir para acabar com a história do quase.

O miúdo de 19 anos que pelo menos há dois os especialistas apontam como um dos maiores talentos do andebol mundial marcou sete golos em sete remates nos segundos 30 minutos - terminou o jogo com oito - e ainda lhe juntou assistências preponderantes. Ao nível de Kiko, só mesmo Diogo Rêma. Outro miúdo, de 20 anos, que com a grande referência do outro lado - Gonzalo Pérez de Vargas -fez 12 defesas e aguentou o jogo quando a Espanha arriscou tudo e defendeu quase homem a homem, roubando várias bolas que podiam ter assustado.

Mas medo era algo que Alfredo Quintana não tinha. Como bem sabem Kiko Costa e Diogo Rêma. Afinal, além de referência, Quintana era quem dava boleia aos dois amigos para os treinos das camadas jovens do FC Porto.

Parece impossível, não é?