Novak Djokovic, o 24 que embala o GOAT
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Novak Djokovic, o 24 que embala o GOAT

TÉNIS11.09.202319:11

Sérvio continua a escrever a lenda, resistindo à idade e à nova geração, e não parece ter perdido a fome

Novak Djokovic conquistou no último domingo, diante do russo Danill Medvedev, o seu 24.º título de Grand Slam. Igualou o registo da australiana Margaret Court, embora esta o tenha alcançado em parte antes da Era Open, ou seja pré-1968, quando os tenistas profissionais estavam impedidos de participar. Além disso, oito títulos foram conquistados no seu país, numa altura em que, mesmo já era profissional dentro, nem todos conseguiam marcar presença do outro lado do mundo e o quadro apresentava-se incompleto ou era composto na sua maioria por compatriotas. 

O feito de Nole não é, como tal, comparável e os números prometem acabar com todas as discussões sobre quem é realmente o GOAT, o melhor jogador de todos os tempos. Mesmo que os adeptos se dividam, como em qualquer boa história, o favoritismo pela mentalidade do sérvio, a classe de Federer ou a potência de Rafael Nadal. 

Os 24 títulos significam tudo para mim. Continuo a repetir-me, mas a verdade é que vivo o meu sonho de infância. O meu sonho aos sete ou oito anos era tornar-me o melhor jogador do mundo e ganhar Wimbledon. Depois comecei a ter novos sonhos e estabelecer novos objetivos, porque para os atletas os objetivos são muito importantes para se motivarem, porém nunca pensei que chegar aos 24 títulos do Grand Slam seria realidade. Nos últimos anos percebi que tinha algumas hipóteses lá chegar e pensei: porque não?

Se Roger Federer inicia o seu reinado após o apogeu da modalidade nos Estados Unidos, aproveitando o vazio deixado por Pete Sampras, Jim Courier e Andre Agassi – e em que durante o qual surgiram vencedores de circunstância como Gustavo Kuerten, Goran Ivanisevic (hoje treinador de Djokovic), Lleyton Hewitt, Petr Korda, Yevgeny Kafelnikov, Juan Carlos Ferrero (treinador de Carlos Alcaraz), Carlos Moyá, Albert Costa, Marat Safin, Richard Krajicek, Andy Roddick e Patrick Rafter –, e com Nadal ainda a ser sobretudo um tenista de terra batida e com poucas aspirações a mais do que reinar em Roland Garros, já Djokovic surge com ambos a ostentar aura vencedora, sobretudo o suíço. 

Em 2003, ano em que o Djoker inicia a carreira profissional, Federer conquista Wimbledon pela primeira vez, feito que o liberta para três dos quatro Grand Slams seguintes. Falha apenas no pó de tijolo de Paris. Já número 1 do mundo, cai diante do brasileiro Kuerten num triplo 6-4. O argentino Gaston Gaudio arrebata o troféu diante do espanhol Guilherme Coría, precisamente na última edição antes de Nadal estabelecer o seu domínio.

Nole chega à primeira final de um Grand Slam em 2007, precisamente no Open dos Estados Unidos. O adversário é Roger Federer. Ainda obriga o suíço a dois tie-breaks, mas perde em três sets. Poucas semanas depois, bate o francês Jo-Wilfried Tsonga no encontro decisivo de Melbourne, no Open da Austrália. Apesar do sucesso, a final seguinte num major surge apenas em 2010. Novamente em Flushing Meadows, agora diante de Nadal. Ganha um set, o segundo, todavia perde por 3-1. Ainda não é desta que ultrapassa um dos seus maiores rivais. 

Treina como nunca, mas sente-se cada vez menos bem preparado. Nos grandes encontros, o corpo não reage. É então que, no verão de 2010, contrata um nutricionista, Igor Cetojevic. Passa a cumprir uma dieta sem glúten e torna-se vegan, embora não renegue um prato de peixe de vez em quando. Meses depois, vence na Austrália (diante de Andy Murray), depois em Wimbledon e Roland Garros, e inicia 2012 com o triunfo em Nova Iorque, sempre diante de Nadal. O bloqueio físico está ultrapassado, bem como, aparentemente, o mental. Falta-lhe bater Roger Federer numa final e consegue-o no território do suíço, em Wimbledon, no ano de 2014. Nunca mais para de vencer. Mesmo diante de bancadas que só muito depois passam a prestar-lhe a devida vénia. Raramente é o favorito do público.

Inicialmente, é um tenista-estratega de fundo de court, com uma única arma de ataque, a esquerda a duas mãos. Não se trata necessariamente de uma pancada bonita – quando comparada com a esquerda a uma só mão de Federer ou até de Stanislas Wawrinka, perde naturalmente finesse –porém torna-se tremendamente eficaz. Sobretudo a paralela, com que muitas vezes destroça o jogo de Nadal. É, talvez, a melhor esquerda a duas mãos da história do jogo. 

Defensor nato, dá-se como garantido que tem a melhor resposta ao serviço da história. O que não o impede de evoluir imenso noutras pancadas. Hoje, o saque, pelas sua variabilidade e colocação, é um dos mais eficazes do circuito. A direita tornou-se massacrante, profunda, um verdadeiro martelo pneumático. Sempre à procura de soluções, a esquerda em slice ajuda-o igualmente a quebrar o quebrar o ritmo dos rivais, como aconteceu com Medvedev no Arthur Ashe Stadium. E, como se não bastasse, sobe no terreno, sobretudo quando se sente ameaçado, para definir na rede. 

Apesar de algumas dificuldades que nunca resolveu no smash, é um jogador completíssimo, com um extra: a mentalidade de betão. Ninguém consegue renascer das cinzas como ele, mesmo que aparente esteja a sofrer fisicamente ou por culpa das dificuldades impostas pelo adversário.

Novak é, sobretudo, um tenista de grandes palcos. Como, nos Grand Slam, os encontros são à melhor de três sets, o sérvio sabe que tem até ao inicio do terceiro para encontrar o seu melhor ténis. Os adversários sabem que se ele entrar no resultado ao vencer um parcial ou dois já dificilmente vencerão. Entra imediatamente na cabeça dos rivais, percebe com feri-los – muitas vezes descobre-o já no court –, sente o cheiro a sangue e não perdoa. Passa rapidamente de quase derrotado a vencedor anunciado.

Maior atleta de um país sem grande expressão no ténis, Djokovic está também sempre no epicentro da polémica: as chamadas de assistência médica que quebravam o ritmo a quem está do outro lado da rede, as longas idas aos balneários, as vezes que bate a bola no piso antes de servir, as discussões com os árbitros, a interatividade com bancadas mais agressivas. E ainda a criação de um sindicato paralelo – que, na realidade, reclama mudança do status quo com uma maior intervenção dos atletas no negócio e melhores prémios monetários para jogadores de ranking mais modesto –, a frontalidade em algumas declarações e a inexistência de uma relação de amizade com os outros dois do Big 3 e a recusa em vacinar-se contra a Covid-19, que o impossibilitou de participar em Melbourne e Flushing Meadows. Tudo isso conta. É muitas vezes mal-interpretado e daí a ser mal-amado é um pequeno passo.

Poucos se lembram, porém, que depois daquela cirurgia ao ombro, em 2018, Djokovic disse ter chorado durante três dias por se sentir culpado em fazê-la. Preferia ter recuperado sem a operação e os medicamentos, já que acredita que o corpo tem mecanismos para se curar a si próprio. Apesar de nunca defender a não-vacinação contra a Covid, o desejo de manter o corpo sem substâncias estranhas é com encarado como bandeira contra a mesma e acaba deportado da Austrália e proibido de entrar nos Estados Unidos. Se assim não fosse, o recorde poderia eventualmente ser ainda maior.

Diante de Medvedev, vinga-se do russo lhe ter roubado, em 2021, a oportunidade de conseguir o Grand Slam de calendário – vencer todos os Majors num ano. Fá-lo no mesmo palco e em três sets, com uma exibição afirmativa diante do carrasco de Carlos Alcaraz nas meias-finais. Dois anos depois de a ansiedade o ter traído uma única vez desde que domina o circuito. No entanto, recupera, volta mais forte. Tal como acontece diante do jovem espanhol. Perde em Wimbledom, desforra-se em Cincinatti, na antecâmara do US Open. Está em permanente reinvenção de si próprio.

«O que é que ainda estás aqui a fazer? Vá lá» (Medvedev na cerimónia de entrega de prémios)

Aos 36 anos, Djoker continua insaciável. Capaz de resistir fisicamente até bem mais do que os mais jovens. É a cinco sets, lembram-se? É verdade que Alcaraz anda já a dizer presente e a bater-lhe à porta, porém o sérvio deixa em cada encontro a promessa. Ainda não será desta. Está longe de ter acabado.