PARTE 1 - Treinador português, de 37 anos, emigrado há quatro temporadas no basquetebol do norte da Europa conversou com A BOLA sobre o apuramento do Kriol Star para a BAL e de como numa época que, em princípio, iria ser sabática e para estar com os ainda muito jovens filhos, o levou até África e deverá voltar a fazê-lo regressar em 2025 para viver a competição para a qual ajudou a equipa de Cabo Verde a fazer história.
Com o Kriol Star a ser considerado a Cinderela da fase de qualificação da Elite 16, Divisão Este, para a Basketball Africa League, e primeiro clube de Cabo Verde a disputar esta fase e apurar-se para o campeonato organizada pela NBA, Hugo Salgado chamou à atenção pelo sucesso com uma equipa estreante de apenas nove jogadores. Agora recebe convites de onde nunca imaginou poder vir a trabalhar.
Face ao êxito de segunda-feira, quando ganhou a meia-final contra os invictos Urunani (7-0) do Burundi, e com isso carimbou a entrada na 5.ª edição da BAL 2025, a BOLA conversou, uma vez mais, com o treinador português sobre o momento e dos passos certos deseja na carreira.
Representava muito para Cabo Verde, para os jogadores e para mim. Resumindo, teve um significado especial para o grupo que criámos que, apesar de pequeno, foi uma família.
— Passado uns dias após do apuramento dos Kriol Star para a BAL 2025 e ter disputado a final [derrota contra os Nairobi City Thunder, por 99-86], já tem mais os pés assentes no chão do que aconteceu neste apuramento no Quénia e do significado que tem para o basquetebol cabo-verdiano?
— Sim, com os pés bem assentes, mas com o mesmo sentimento de orgulho pelo que alcançamos em África. É um misto de orgulho e alegria. Sabíamos que era muito difícil, quase irreal, alcançar o apuramento, mas levamos isso como objetivo. Representava muito para Cabo Verde, para os jogadores e para mim. Resumindo, teve um significado especial para o grupo que criámos que, apesar de pequeno, foi uma família.
— Tiveram tempo para celebrar a qualificação?
— Não muito porque, no dia seguinte, tínhamos a final, que mesmo sem contar para nada e tendo o [americano] Patrick McGlynn lesionado, não deixava de ser uma final. Respeitámos ao máximo o jogo. Depois, na quarta-feira, cada um tinha os seus voos: alguns foram para Cabo Verde, outros para os Estados Unidos, eu vim para a Eslováquia… Mas mantemos o contacto e agora é preparar as próximas fases.
Costumamos dizer: quando um maluco encontra outro para fazer alguma coisa que soa maluquice, às vezes tem bom resultado. Foi basicamente isso que tentámos fazer. Levar o sonho de algumas pessoas em Cabo Verde.
— Para um treinador que, depois de ter passado por três clubes - Lusitânia, Terceira Basket e Galitos do Barreiro - na Liga Betclic em quatro épocas, apostou numa carreira fora de Portugal e em campeonatos como o islandês, norueguês e checo, o que é que este desafio trouxe que o fez sair do sofá num ano quase sabático?
— Foi um desafio lançado por um ex-atleta e amigo, Joel Almeida, que tinha o sonho - já trabalhava há muito tempo, mesmo com o irmão Ivan -, de colocar o basquete de Cabo Verde no mapa da África. Gosto de desafios. Costumamos dizer: quando um maluco encontra outro para fazer alguma coisa que soa maluquice, às vezes tem bom resultado. Foi basicamente isso que tentámos fazer. Levar o sonho de algumas pessoas em Cabo Verde. Elas apostaram em mim para liderar e tentar tornar esse sonho realidade. Fiquei bastante orgulhoso de o ter conseguido. Não o faria sem eles, definitivamente. Tiraram-me do meu momento sabático para um marco histórico para Cabo Verde.
Não fui um dia depois, mas passados dois entrei no avião e viajei para os Estados Unidos. Na semana seguinte preparámos o grupo, e na outra fomos para a Líbia disputar a primeira fase de qualificação, antes da segunda no Quénia.
— E como é que aconteceu? Estava em casa na Eslováquia, descansado, e telefonaram a convidá-lo?
— Exatamente. O Joel ligou-me numa sexta-feira a perguntar se podia viajar no dia seguinte para os Estados Unidos para o campo de treinos com a equipa. Tinham recebido um convite da FIBA para jogarem, pela primeira vez, a qualificação para a BAL, que era em breve. Não fui um dia depois, mas passados dois entrei no avião e viajei para os Estados Unidos. Na semana seguinte preparámos o grupo, e na outra fomos para a Líbia disputar a primeira fase de qualificação, antes da segunda no Quénia.
— Enquanto esteve nos Estados Unidos ainda foi preciso construir a equipa?
— Sim, nessa altura treinamos com alguns jogadores cabo-verdianos que vivem lá, a que juntámos os americanos, mas ainda era necessário construir o resto do grupo com estrangeiros africanos e tentar realizar alguns treinos juntos. Foi necessário criar um grupo completamente novo porque, em Cabo Verde, estão no defeso e o campeonato só começa em fevereiro. Foi procurar quem estava disponível. Por exemplo, o Keven Gomes estava em Portugal e jogou connosco na Líbia, mas já não pôde ir a Nairobi e agora está a jogar em Espanha. Foi um desafio constante mas, dentro do possível, tentamos encontrar as pessoas certas.
Treinador português conseguiu colocar uma equipa cabo-verdiana na Basketball Africa League pela primeira vez que um clube deste país entrou na fase de qualificação. Disputou a meia-final da Divisão Este, que em caso de vitória apurava automaticamente, com apenas nove jogadores. Hoje perdeu a final face aos anfitrões do Quénia, mas a felicidade pelo feito não ficou diminuída.
— A dado momento pensou: isto é uma loucura?
— Em todos os momentos, mas sempre acreditei que com as pessoas certas seria possível. Felizmente tivemos oportunidade de ir à segunda fase [receberam um wildcard] e dentro dessa loucura praticamos bom basquetebol e alcançamos aquilo a que nos propusemos: tentar uma surpresa e apurarmo-nos.