Union Berlin: ascensão e queda de um clube-símbolo
Adeptos do Union Berlim (IMAGO / Matthias Koch)

Union Berlin: ascensão e queda de um clube-símbolo

INTERNACIONAL19.11.202310:00

Depois de participar em anos sucessivos na Liga Conferência, Liga Europa e Liga dos Campeões, é lanterna-vermelha da Bundesliga e está há 14 jogos sem ganhar em todas as competições; campeão da luta pela liberdade e baluarte dos valores tradicionais, apelará uma vez mais ao espírito de sobrevivência; a comunidade estará como sempre ao seu lado

Se o Union Berlin acaba de perder o treinador Urs Fischer, o seu maior herói, nunca deixará, no entanto, de ter o apoio dos adeptos ou a vontade férrea de dar a volta às dificuldades. Eisern Union (união de ferro) não é só mote de um clube de schlosserjungs (jovens operários metalúrgicos), mas sim lema transportado para o relvado por jogadores que não param de correr ou lutar, mesmo que não haja nada mais à volta do que resultados adversos. Esse é o seu compromisso.

Os últimos capítulos da sua história prometiam bonança depois de uma complexa história de sobrevivência à tempestade. Em 2016-17, ainda sob o comando de Jens Keller, o Union ficara perto da promoção, sonho suportado por gritos entusiasmados e, ao mesmo tempo, preocupados, vindos das bancadas do Stadion an der Alten Försterei (Estádio da Antiga Casa Florestal): «Scheisse! Estamos a subir de divisão!» Como seria, afinal, ser o símbolo do passado no meio do futebol moderno? O quarto lugar final não o confirmou, porém ainda assim permitia concluir que a entrada da Bundesliga não estava tão longe assim. 

Na temporada seguinte, o 8.º posto, numa campanha concluída já com André Hofschneider no banco, adiou a candidatura, porém permitiu a entrada de Urs Fischer, que se tornou lenda em poucos anos. Logo em 2018-19 a promoção foi conseguida no play-off, depois de um terceiro lugar na Segunda Bundesliga, diante do 16.º do campeonato principal, o Estugarda. Era muito raro ser o emblema de estatuto mais baixo a seguir em frente, porém o Union conseguiu-o mesmo. 

Placa junto à estação de comboio de Köpenick (IMAGO/ Matthias Koch)

Esperava-se a descida no ano posterior, só que os jogos foram correndo bem e o 11.º lugar provou a ideia de uma época tranquila. Um ano depois, um 7.º posto levou-o à Liga Conferência, patamar superado na edição seguinte, com a qualificação para a Liga Europa, após a quinta posição na tabela. Em 2022-23, chegou a estar em primeiro, algo que não acontecia desde 1970, quando liderara a Oberliga da RDA, e terminou em quarto, com acesso à Liga dos Campeões. Estreou-se com derrota digna por 1-0, já nos descontos, no Santiago Bernabéu, diante do Real Madrid, o grande dominador da competição. 

Agora, dois meses depois e ao fim de 14 jogos sem vencer (13 derrotas) e do maior investimento de sempre (32 milhões de euros), o glamour da Champions está longe de ter o mesmo encanto do passado.

Símbolo de luta pela liberdade e tradição

O Union é um clube especial. Foi fundado em 1906 como FC Olympia Oberschöneweide (bairro de Köpenick, arredores de Berlim), após a fusão com o BTuFC Union 1892, campeão do ano anterior. Quatro anos depois, separou-se novamente e assumiu o nome SC Union Oberschöneweide. 

Em 1933, Köpenick viveu o terror da Semana do Derrame de Sangue (Köpenicker Blutwoche). Durante cinco dias, de 21 a 26 de junho, na sequência da chegada do Partido Nazi ao poder, foi desencadeada uma onda de detenções, agressões e assassinatos de civis com ligações comunistas ou raízes judaicas. Vinte e três pessoas morreram. A repressão só fez ricochete. O sentido antifascista cresceu, fortaleceu-se e permaneceu bem vivo até hoje. Ali, às portas do estádio do Union.

As duas Grandes Guerras provocaram uma série de dissoluções e refundações, e a divisão administrativa do território ocupado pelo Terceiro Reich, ratificada na Conferência de Potsdam de 1945, deixou o clube em Berlim Leste, controlado pela comunista União Soviética. Em 1961, construiu-se o Muro. Cinco anos depois, renasceu o Union Berlin e, em 1968, conquistou o seu único troféu, a Taça da RDA, ao bater na final o Carl Zeiss Jena.

Nasceu então uma rivalidade violenta, recheada de batalhas campais, com o BFC Dynamo (também por vezes conhecido como Dynamo Berlin), controlado pela Stasi – o presidente honorário era Erich Mielke, chefe da polícia secreta, que garantia clube do regime acesso às melhores condições de trabalho, preferência no recrutamento de jogadores e controlo da arbitragem. Entre 1978/79 e 1987/88, o Dynamo conquistou dez títulos consecutivos. O Union, por sua vez, apesar de conseguir mais do que resultados medianos tornou-se clube de culto, bandeira da oposição. Para reforçar a lenda, os adeptos gritavam, quando os rivais organizavam a barreira para os livres, «O muro deve cair», numa referência óbvia à barreira de cimento que dividia a cidade. 

A queda do Muro em 1989 tornou possíveis um país e um futebol reunificado. Os clubes da RDA puderam competir finalmente com Bayern, Dortmund e o próprio Hertha, representante do lado ocidental de Berlim, embora o Union só em 2001/02 tenha chegado à Bundesliga 2.

O trajeto não foi fácil. Em 2004, acabou salvo pelos adeptos. A atravessar grave crise financeira, não conseguia pagar a inscrição na federação para poder competir. Foi organizada a campanha Bluten für Union (Sangra pelo Union) e arrecadaram-se 1,5 milhões de euros para entregar ao organismo e validar o registo.

Estádio do Union Berlim (IMAGO / Matthias Koch)

Quatro anos depois, com a equipa na primeira edição da terceira divisão, não havia mais uma vez fundos para adaptar o estádio às novas exigências federativas. 2300 adeptos ofereceram-se como voluntários para trabalhar na remodelação. Pelo caminho, sagrou-se campeão.

Com um caminho tão tortuoso, entende-se perfeitamente porque na estreia na Bundesliga os adeptos se tenham feito acompanhar de fotografias de familiares e amigos falecidos que não puderam assistir a um momento que se teria tornado muito importante nas suas vidas.

O Union é o coração da comunidade e Köpenick um lugar apaixonado pela liberdade e pelo seu clube. 

Ambiente único e inesquecível

No Stadion an der Alten Försterei, 80 por cento dos lugares são de pé, e a festa começa bem antes do pontapé de saída, com rock n' roll a incendiar o ambiente. Os Metallica, não raras vezes, dão o tom, através da instalação sonora, às bancadas para o combate.

Os adeptos não param de saltar, cantar e normalmente preparam-se para os jogos grandes com tifos gigantescos do lado da Waldseite. Se a UEFA ainda permitiu a utilização do palco na Liga Europa, as dificuldades para acomodar VIP e comunicação social, e colocar publicidade, fizeram com que na Liga dos Campeões se montassem arraiais no Olympiastadion.

No velho Försterei, no entanto, a mudança no resultado é sempre um momento solene, com uma das janelas a abrir-se para que a placa correspondente seja trocada, antes de se fechar novamente. Não raras vezes, também as bancadas se pintam de reivindicações sociais, em jeito de longas tarjas.

No dia 14 deste mês, celebraram-se 25 anos da primeira vez que o hino Eisern Union, de Nina Hagen, se ouviu num estádio. Aconteceu antes do pontapé de saída de um encontro da Regionalliga diante do Chemnitzer. Não é tão conhecido como o You’ll Never Walk Alone, mas é mais uma experiência imperdível vivida em grupo. Em comunidade. «Quem nunca se vendeu ao Oeste? A União de Ferro, a União de Ferro!», ouve-se.

Transpira-se tradição. O Union pertence 100 por cento aos sócios, que respeitam sempre os jogadores. Nunca os insultam mesmo que cometam erros. Essa positividade tornou-se visível para o mundo exterior após a derrota caseira com o Nápoles na Liga dos Campeões, a nona seguida. Um adepto dirigiu-se aos jogadores destroçados e disse-lhes: «Vocês só têm de estar orgulhosos. O Nápoles só fez um remate à baliza. Estamos a viver o sonho da Liga dos Campeões.» O momento tornou-se naturalmente viral.

Tornou-se símbolo dos bons valores e bandeira do choque com clubes sem as mesmas raízes, como Leipzig ou Hoffenheim. O confronto com a equipa da Red Bull tornou-se mediático em fevereiro, quando depois de o Union apresentar uma foto do onze para o jogo com o Wolfsburgo, o twitter do Leipzig perguntou por Isco, que chegou a fazer exames em Köpenick mas acabou por não assinar: «Isco?» A resposta foi brutal: «E tradição?»

O Union manteve sempre a sua simplicidade. Logo após Kevin Behrens, de 32 anos, assinar o seu primeiro hat-trick na Bundesliga em agosto, diante do Mainz, voltou para casa de... bicicleta. É uma outra forma de vida.

Do sucesso ao insucesso pelas mesmas mãos

Urs Fischer trouxe, em 2018, os resultados a uma cultura que deles não dependia. Jogador e treinador de sucesso no seu país, na Suíça, em clubes como o Zurique, St. Gallen e Basileia, afastou a desconfiança pelo desconhecimento que tinham dele com uma primeira volta sem derrotas. O terceiro lugar permitiu-lhe disputar o acesso com o Estugarda. Como os golos marcados fora ainda desempatavam (2-2), bastou um nulo em casa para garantir a promoção. 

O primeiro triunfo na Bundesliga surgiu frente ao Dortmund, com a imagem icónica do técnico na noite da subida perpetuada em tifo (e também em capa de livro, de Kit Holden). O coronavírus tornou essa primeira temporada ainda mais complicada, mas o Union chegou ao fim tranquilo. Outros momentos históricos foram a eliminação do Ajax na Liga Europa e o golo de Khedira nessa mesma temporada ao Werder Bremen, que permitiu a qualificação para a Liga dos Campeões e a Fischer o prémio de melhor treinador. O sonho continuava e começou a pensar-se com troféus, sobretudo por se ter chegado a lutar pelo primeiro lugar com o Bayern dispondo de um plantel valorizado 700 milhões abaixo. Precocemente, diga-se. Na liga milionária, depois da estreia na Bernabéu, o primeiro ponto chegou no Diego Maradona diante do Nápoles, já com a crise bem presente. 

São 14 jogos sem vencer, e as explicações não são simples. Chegaram muitos jogadores novos – Bonucci, Gosens, Volland, Aaronson, Fofana, Tousart e Král juntaram-se ao português Diogo Leite, cujo passe foi comprado ao FC Porto –, passou-se a jogar muitos mais encontros e o modelo de futebol mais vertical de Fischer – e que fez com que o guarda-redes polaco Rafal Gikiewicz o comparasse com grandes nomes do jogo: «É uma ótima pessoa. É o nosso arquiteto, e quando se trata de jogar sem bola é tão bom quanto Guardiola ou Mourinho» – poderá estar espremido e taticamente estudado ao pormenor.

Com apenas duas vitórias na Bundesliga, a ameaça de descida cresceu de intensidade. A goleada sofrida em Leverkusen (4-0) tornou-se o último encontro de Fischer: «As últimas semanas consumiram-me muita energia. Tentámos muito, mas não conseguimos resultados. Estou muito agradecido pela confiança que sempre me deram, mas às vezes uma cara diferente ou uma outra abordagem ajuda a que se evolua. No Union, conheci e desfrutei de um clube extraordinário. Desejo-lhe o melhor e estou convencido de que irá permanecer na Bundesliga.»

A saída abre novamente portas à história. Marco Grothe, ex-responsável pelos sub-19, assumiu o seu lugar e trouxe com ele, para o seu lado, a primeira adjunta da história da liga: Marie-Louise Eta.

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