Um dérbi em 3x4x3: olhar para o espelho e não ver o reflexo
Roger Schmidt no dérbi da época passada que terminou empatado a dois golos (Foto: AFLOSPORT/IMAGO)
Foto: IMAGO

Benfica-Sporting Um dérbi em 3x4x3: olhar para o espelho e não ver o reflexo

NACIONAL11.11.202323:00

Há mais diferenças do que semelhanças na forma como Benfica e Sporting montam o mesmo esquema; coesão, dinâmicas e momento estão todos do lado do leão, mas dérbi é dérbi (e vice-versa?)

Se Roger Schmidt mantiver a aposta depois do atropelamento em San Sebastián (o que não é claro, nem o próprio fez questão de esclarecer na conferência de Imprensa de antevisão à partida; e até Rúben Amorim duvida), Benfica e Sporting irão apresentar-se no dérbi deste domingo no Estádio da Luz precisamente no mesmo esquema. 

Setor a setor, percebemos que se encontra aqui e ali algum paralelismo: António Silva/Diomande ou St Juste à direita no eixo defensivo, com capacidade de saída (destacando-se o neerlandês na velocidade), os mais experientes e lentos Otamendi/Coates no meio e os canhotos Morato/Inácio ou Matheus Reis à esquerda, capazes de ligar com os centrocampistas ou bater longo; à frente um duplo-pivot com os posicionais Florentino/Hjulmand (embora não seja claro que o português mantenha a titularidade pós-Champions) e um primeiro organizador em João Mário/Morita; e, por fim, no ataque, Rafa e Di María/Edwards e Pedro Gonçalves ou Paulinho a vir para o corredor central, e um finalizador entre Arthur Cabral ou Musa/Gyokeres. 

É na diferença de perfil de algumas destas pedras, desde logo os omitidos alas, uma vez que aqui não se encontra de todo qualquer ponto de contacto entre João Neves e Aursnes/Esgaio e Nuno Santos, mas também no médio defensivo (embora Amorim queira Hjulmand a pressionar mais à frente como Florentino faz na Luz) e no avançado-centro, que depois as dinâmicas se afastam. Até os guarda-redes vivem diferentes fases da carreira. Abordaremos isto um pouco mais à frente. Entretanto, há outros pontos a considerar.

Di María e João Neves, uma ala direita para já pouco funcional (Foto: IMAGO / Bostok Photo)

1. Os leões jogam no sistema desde que Rúben Amorim chegou a Alvalade, em março de 2020, ou seja, há mais de três anos e meio, já Roger Schmidt usa-o há… três encontros. A coesão nunca poderia ser a mesma, o que se reflete em tudo o resto.

2. O ponto de partida para a distribuição em campo também é diferente. Nos leões é tão plano A, que só agora se vislumbram nuances de uma segunda ideia, com a muito espaçada presença de Gonçalo Inácio no meio-campo à frente de uma linha de 4. Já para as águias, é óbvia solução de recurso, adotada perante as muitas dificuldades para estancar as transições ofensivas contrárias, consequência de débeis pressão e reação à perda, que chegaram a ser grandes armas no passado. O Benfica sentiu-se mais confortável na Liga, mas os erros diante da Real Sociedad voltaram a trazer dúvidas, sobretudo aos jogadores.

3. O 3x4x3 é a tática de Amorim, não a de Schmidt, que a usou muito raramente. Foi na China, ao serviço do Beijing Guoan, que fez algumas experiências, depois de assentar quase toda a carreira entre 4x2x3x1 e 4x4x2/4x2x2x2. O conforto de ambos a moldá-lo será naturalmente diferente.

4. O Benfica chega a este dérbi cedo demais. A ideia não está maturada e a derrota diante dos espanhóis, apesar de ter nascido de erros não diretamente relacionados com sistema – uma bola parada e, depois, um mau momento individual dividido entre o mau passe de Florentino e a reação de Otamendi –, abriu brechas no moral encarnado e até dúvidas sobre o caminho. Esse é, nesta altura, o maior desafio para o alemão: fazer os jogadores acreditar que é por aí, depois de não conseguir extrair destes o suficiente para fazer vingar o modelo de sempre.

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Dinâmicas completamente diferentes

O Benfica pressiona alto e reage alto e agressivo à perda para atacar de imediato a baliza. Schmidt quer manter a ideia. É o gegenpressing (no seu caso, o angriffpressing), que sempre esteve associado ao seu futebol. Com a saída de Gonçalo Ramos (e antes de Enzo) e a introdução de mais uma unidade de desequilíbrio (no duplo sentido da palavra) em Di María – mantendo-se Rafa –, que se somaram a uma crença menor no modelo devido à reta final da última época, com os setores a afastarem-se inconsciente e gradualmente entre si – os fundamentos implodiram. O 3x4x3 é uma forma de garantir, com quatro médios-centro, dois nas alas, a manutenção do ADN.

Já o Sporting é mais versátil. Alterna estrategicamente pressão mais alta com um bloco médio, a fim de atrair o adversário, recuperar a bola e esticar rapidamente, seja através da verticalidade de Gyokeres ou o transporte em velocidade de Edwards, Trincão ou Pedro Gonçalves. Mesmo que os encarnados o tentem fazer, Rafa, Di María e até Arthur Cabral são mais de bola no pé, e o brasileiro muito mais de área do que todos os outros. 

Há quem diga que a pressão não tem que ver com o perfil dos futebolistas. Que é posicionamento, sobretudo treino. No entanto, o foco, a concentração, a mentalidade e a disponibilidade para manter sempre a bola coberta, o que é se não perfil? E o Benfica, no onze que tem apresentado, seja Gonçalo Guedes, Musa ou Arthur Cabral a 9, está longe de ter encontrado as peças certas para esse momento. O mal foi feito há meses, no mercado, e na Luz está-se entre a espada e a parede.

A forma de atacar é divergente. Os quatro médios encarnados obrigam a pausa, é-lhes muito mais difícil contra-atacar em número. Acrescentam critério e um jogo menos partido, retiram vertigem.

Rafa é o único cuja velocidade causa preocupação aos adversários, porém a péssima tomada de decisão e incapacidade de jogar de costas tornam-no facilmente isolável e… anulável. Se o compararem com Paulinho, que funciona como pivot no Sporting mesmo com Gyokeres em campo, o bypass à reação rival torna-se ainda mais efetivo para os leões. 

Os quatro médios de Schmidt, pensados do ponto de vista defensivo, fazem não só com que o ataque seja muito mais mastigado como praticamente também não tenha largura. Uma largura que é precisamente o ponto forte dos rivais. O mal já vem de trás, acentua-se agora no novo sistema. Nota-se sobretudo à esquerda, onde Aursnes, que deveria ser um apoio, é anulado quando colado à linha. Neves, porque é destro, consegue fazê-lo melhor do lado contrário, mas não tem velocidade e argumentos técnicos para oferecer sequer o que um Esgaio, que foi muitas vezes o patinho-feio de Alvalade, consegue dar. 

Rúben Amorim volta à Luz (Foto: IMAGO / ZUMA Wire)

Aliás, está nas alas muita da força do leão. A capacidade de sair por aí (Inácio à esquerda resolve alguns dos problemas que sentia à direita quando era pressionado) e ligar com um terceiro homem vai ser um dos quebra-cabeças para Schmidt resolver. Outro, a forma como o resto da equipa consegue garantir espaço para a chegada dos seus laterais: atraindo pelo meio para ser mais fácil gerar o cruzamento ou até no outro flanco, a fim de que estes possam aparecer do lado cego para finalizar, o que se nota muito em Esgaio, mas também em Geny Catamo (ausente por lesão), que, pelo facto de ser esquerdino, ainda se torna mais perigoso nestes momentos.

Muito de um eventual sucesso no dérbi por parte de Schmidt, que quase sempre só olha para si próprio, dependerá do controlo do jogo. O 3x4x3, nesta fase, ou um 4x2x3x1 reconstruído – embora limitado pelas várias ausências – a pensar no equilíbrio serão essenciais para a batalha que se adivinha.

Taticamente, é o Sporting quem joga em casa

Estar mais trabalhado taticamente não garante desde logo o triunfo a Amorim. O jogo é feito de vários outros momentos, que podem condicionar ou mesmo chegar para resolver uma partida equilibrada: erros, bolas paradas, superioridades numéricas e por aí fora. E o Benfica conta ainda com o seu público, embora já um pouco divorciado da equipa, e também com muitos jogadores experientes. Há ainda Di María, talhado para os grandes momentos. No entanto, taticamente, não há ilusões: seja em que sistema for, é o Sporting quem joga em casa.

O tempo de trabalho, as dinâmicas, a maior latitude de opções para o modelo de sempre – em contraste com uma reinvenção com o mercado encerrado – e até o momento de confiança que atravessam apontam para uma vantagem clara teórica para os visitantes. 

A decisão está nas mãos de Roger Schmidt: ou vai com tudo e arrisca muito com o 4x2x3x1 do costume, ou arrisca menos e, mesmo partindo em desvantagem tática, seja com um 4x2x3x1 reinventado ou com este 3x4x3, espera que as individualidades se encontrem e resolvam o que o coletivo, só por si, ainda não consegue. Um facto importante: vencer poderia voltar a colar os jogadores ao modelo e ganhar tempo até janeiro, onde poderão ser feitas algumas correções – mesmo que o afastamento da Champions possa obrigar a uma venda importante.

Tudo somado, saltam à vista muitas mais diferenças do que semelhanças entre os dois 3x4x3. Os encarnados estão longe de serem um espelho do que é feito do outro lado da Segunda Circular. Se o acham, não deveriam conseguir estar a ver nesta altura qualquer reflexo. 

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