«Combatemos uma máfia que  não pode ter espaço no futebol»
Entrevista ao presidente do Sindicato dos Jogadores Joaquim Evangelista em Lisboa. Terça feira 17 de outubro de 2023. (SÉRGIO MIGUEL SANTOS).

«Combatemos uma máfia que não pode ter espaço no futebol»

NACIONAL18.10.202309:25

Com a frontalidade que o caracteriza, o presidente do Sindicato dos Jogadores, que apresenta nesta quarta-feira, na sede da PJ, o ‘Dossier Tráfico Humano’, garante que manterá o tema na agenda mediática e assume: «Por mais que digam que sou inconveniente, nunca irei hipotecar os meus valores.»

O presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, concedeu uma entrevista a A BOLA, no Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos. O dirigente foi frontal como é seu hábito e não tem dúvidas da importância do tema.

— Estes miúdos, com mais de 18 anos, entram no País com visto de turista e vão ficando por cá. Não é possível exercer uma fiscalização mais eficaz e evitar este encapotamento? 

— Amanhã [hoje] será anunciado que Polícia Judiciária (PJ) irá ficar com competência exclusiva sobre esta matéria. Acho que o SEF fez muito, mas podia  ter feito mais, não fossem as fragilidades da organização, e aguardo com expetativa o que o Diretor Nacional da PJ irá dizer sobre esta matéria.

— Então este problema passa para os ombros da PJ… 

— Sim, tem mais meios, mas deverá agir em cooperação com as restantes entidades envolvidas. E são muitas do ministério dos Negócios Estrangeiros à Segurança Social. O que não pode suceder é que um jogador vá bater à porta de uma organização e receba por resposta ‘é tráfico, eu ajudo, não é tráfico, nada tenho a ver com o assunto’. Desde que estou no Sindicato nunca deixámos de ajudar quem nos bateu à porta, sócio ou não.

«Há clubes em Portugal que são cúmplices dessas organizações criminosas»

18 outubro 2023, 09:00

«Há clubes em Portugal que são cúmplices dessas organizações criminosas»

Com a frontalidade que o caracteriza, o presidente do Sindicato dos Jogadores, que apresenta nesta quarta-feira, na sede da PJ, o ‘Dossier Tráfico Humano’, garante que manterá o tema na agenda mediática e assume: «Por mais que digam que sou inconveniente, nunca irei hipotecar os meus valores.»

— De 2015 para cá, quantos jovens futebolistas foram deixados em situação de abandono? 

— Imensos! E no documento que vamos apresentar conseguimos que muitos dessem a cara. E só o fazem porque confiam em nós. O que não é fácil, porque muitas vezes ficam reféns dessas organizações criminosas, que lhes tiram o passaporte, coagem-nos, ameaçam os pais…

— Essa é a descrição de um comportamento mafioso… 

— É uma máfia que não pode ter espaço no futebol. É disso que estamos a falar, de criminosos, de gente do pior que há, que explora a pessoa humana. E não podemos esquecer que através do futebol há muitos jovens que são atirados para a prostituição, para a droga. E estamos a falar de miúdos extremamente fragilizados, porque não querem muitas vezes regressar a casa para não assumirem que afinal não tinham talento, acabam por ser despojados da sua autoestima, e tornam-se farrapos humanos. Não é um problema só do desporto, é de toda a sociedade.

— Estas redes de tráfico de jovens jogadores funcionam segundo os mesmos parâmetros das redes de prostituição que operam a Leste ou na América Latina? 

— É exatamente isso, é desta natureza humana que estamos a falar.

— Perante o que está em cima da mesa, qual foi a reação do secretário de Estado?

 — A sensação que tenho é sempre a mesma: politicamente é importante dar um sinal de vida, mas isso não chega. Já disse ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto que quero saber quais serão os comportamentos concretos que vão fazer a diferença. As alterações legislativas só me interessa se delas saírem consequências.

— Os jovens são abandonados de um dia para o outro? 

— Aparecem-nos de mala na mão, com fome, sem dinheiro e nós damos-lhes de comer, arranjamos estadia, e metemo-los no avião de volta ao entorno familiar. E de preferência este processo é rápido, porque podem cair na tentação, numa lógica de qualquer coisa serve para não assumir o fracasso, de entrarem em mundos sem retorno.

— Amanhã [hoje] é apresentado o vosso Dossier Tráfico Humano, que passos vão seguir-se? 

— Vamos entregar o documento aos Grupos Parlamentares, Associações, outros organismos desportivos, vamos traduzi-lo para enviar às organizações internacionais e proporemos três grandes medidas: 1 – Criar uma rede de cooperação efetiva que se articule para prestar auxílio eficaz às vítimas; 2 – Até ao fim do ano vamos apresentar um Manual de Entrada e Acolhimento, para já a implementar no Brasil, através dos nossos homólogos, que depois será introduzido nos PALOP, de maneira a que o jogador saiba, quando vem para Portugal, os direitos que lhe assistem; 3 – Criar uma plataforma on line, que irá chamar-se SOS futebol, que funcionará como Observatório sobre tráfico, racismo, assédio, discriminação por género, ou match-fixing. Servirá para termos memória...

— O tema do tráfico deve fazer parte da agenda dos candidatos à presidência da FPF? 

— Claro que sim. Há que humanizar o desporto. E falar seriamente deste tema dirá muito sobre o país desportivo que queremos ser, ou não. É preciso quem dê a cara. E, pela minha parte, por mais que digam que sou inconveniente, nunca irei hipotecar os meus valores.