«Gostava que me explicassem porque é que existem SAD nos Distritais! Está na cara o que querem»
Entrevista ao presidente do Sindicato dos Jogadores Joaquim Evangelista em Lisboa. Terça feira 17 de outubro de 2023. (SÉRGIO MIGUEL SANTOS).

«Gostava que me explicassem porque é que existem SAD nos Distritais! Está na cara o que querem»

NACIONAL18.10.202309:10

Com a frontalidade que o caracteriza, o presidente do Sindicato dos Jogadores, que apresenta nesta quarta-feira, na sede da PJ, o ‘Dossier Tráfico Humano’, garante que manterá o tema na agenda mediática e assume: «Por mais que digam que sou inconveniente, nunca irei hipotecar os meus valores.»

O presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, concedeu uma entrevista a A BOLA, no Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos. O dirigente foi frontal como é seu hábito e não tem dúvidas da importância do tema.

— O que esteve na base de terem escolhido esta altura para o lançamento do documento que é hoje apresentado na sede da Polícia Judiciária, que denuncia casos passados de tráfico humano entre 2015 e 2023?

— Foi em 2015 que, do ponto de vista mediático e social, este tema ganhou mais relevância. Denunciámos o caso de um jogador chamado Caio, e a partir daí foi possível fazer protocolo que englobou a Administração Interna, a Liga, o SEF, a FPF e o Sindicato, que foi um primeiro passo para atalharmos estes problemas. A parir daí houve uma preocupação diferente, do ponto de vista social e político, sobre estas matérias.

— Com que resultados?

— O SEF fazia ações de fiscalização, identificava cinco ou dez jogadores num clube, mas nenhum deles estava inscrito na FPF. Logo a Federação dizia que não podia atuar porque não se tratava de um federado. Esta situação fazia-me doer o coração. Como era possível dizer-se ‘não temos nada a ver com isto’, quando se passava dentro de um clube? Não se tratava de um argumento válido para desculpabilizar o clube e os dirigentes que pactuavam com a situação. O que é facto é que fizemos uma proposta, e o regulamento foi alterado. Hoje há os chamados deveres de cuidado, e sempre que haja um auto de notícia que identifique jogadores nessas condições, o clube e o dirigente são responsáveis. A comunidade desportiva não pode ser indiferente a tudo isto.

— Mas pelo que me está a dizer, a malha está cada vez mais apertada mas nem por isso há uma diminuição de casos…

— O fenómeno está em crescendo porque cada vez gera mais dinheiro. E recentemente o caso BSports foi um gatilho social, porque veio mostrar que havia pessoas, tão próximas de nós, que estavam associadas a isto! De repente, a sociedade, não só a desportiva, revoltou-se, o secretário de Estado criou um grupo de trabalho, que pode mudar legislação mas não altera a cultura desportiva, e para isso é preciso envolver os agentes desportivos e obrigá-los a ter comportamentos ativos. É preciso criar uma rede organizada de apoio aos jovens, envolvendo as organizações e instituições de proximidade, como as Associações Distritais, as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia. Como é que eu aqui em Lisboa sei o que se passa em Bragança?

— No caso da BSports, é mais do que evidente que toda a gente, localmente, sabia da existência da Academia e contactava com os jogadores. Houve a reação social que se conhece e até ver aconteceu mais alguma coisa? Pode ser o tempo da Justiça, que tem o seu próprio ritmo, ou será que a montanha vai parir um rato?

— Há situações que são recorrentes. Andamos a reboque das notícias, que têm sempre um prazo de validade. Por isso é que o Sindicato quer manter o tema do tráfico vivo, porque as vítimas não são números, têm rosto, não podem ser esquecidas. E neste caso da BSports, que provocou comoção social tão significativa, queremos saber o que aconteceu às vítimas. Foram para casas de apoio? Ligaram-nos técnicos especializados, que denunciaram que os miúdos não estavam a receber a resposta adequada do ponto de vista do Governo, e já transmiti isto ao secretário de Estado. Depois, está por saber o que sucedeu aos responsáveis pela situação. Temos o direito de saber tudo!

 

AS RESPONSABILIDADES LOCAIS

— Pelo que vejo, muitos problemas para poucas soluções efetivas…

— O País é suficientemente grande para o SEF não poder estar em todo o lado, e estes fenómenos acontecem muitas vezes longe dos grandes centros. Mas aí devem entrar em cena as Associações Distritais, e as Câmaras Municipais, que possuem pelouros de Desporto. Não aceito que uma Associação Distrital ou uma Câmara Municipal não saibam o que se passa no desporto local. Se não sabem, é grave; se sabem, estão a ser cúmplices. É preciso uma cidadania ativa e não pode ser por se tratar do clube da nossa terra que pode valer tudo. Este fenómeno só se combate eficazmente com o envolvimento local. 

— Mas não se trata de um fenómeno demasiado grande para ficar circunscrito aos agenciadores?

— Há jogadores, treinadores e dirigentes que ganham dinheiro com isto tudo. Muitas vezes, com projetos megalómanos, trazem miúdos porque querem que o seu clube do Distrital suba à I Liga. Gostava que me explicassem porque é que existem SAD nos Distritais! O que é que um modelo empresarial faz num campeonato Distrital, que devia cultivar outro tipo de interesses e princípios? Está na cara o que pretendem, e infelizmente não houve coragem, na nova lei, de impedir isto.