Nápoles Tommaso Starace: de talismã de Maradona a 'Paulinho' dos campeões italianos
Se, no Sporting, o técnico de equipamentos Paulo Gama, o popular Paulinho, viveu os três títulos de campeão nacional conquistados pelos leões no último quarto de século (1999/2000, 2001/02 e 2020/21) ao serviço dos leões – e, pelo meio, criou relação de inquebrável amizade com muitos ídolos do relvado -, no Nápoles, a alma do clube, que 33 anos depois de, com Maradona ainda a capitão e em campo (1990) venceu de novo o ‘scudetto’ é também o inestimável roupeiro, Tommaso Starace, único a celebrar de perto, porque em funções nos ‘partenopei’ há… 37 anos (desde 1986) os três títulos de campeão italiano que ostentam (1987, 1990 e 2023).
Chegou a Nápoles em 1977, e foi talismã no primeiro ‘scudetto’ (1986/87), no seu primeiro ano a trabalhar no clube da capital da Campânia. E não espantou que no domingo, na festa após o jogo com a Fiorentina pelo terceiro ‘scudetto’ do emblema, Starace tenha sido dos mais vitoriados: não há um adepto do Nápoles que não o conheça e venere ‘Tommy’, como é conhecido, com devoção verdadeiramente a roçar a religiosidade.
Nunca gostou do termo roupeiro e jamais deixou que o confinassem a ‘técnico de equipamentos’: Starace antes prefere – e é por isso reconhecido pelos tiffosi – ser tratado como ‘barista, o homem do café’. Porque é ele que, de cafeteira em punho, numa imagem que se tornou icónica, com o seu sorriso e boa dispisção, serve diariamente, desde 1986, o café pela manhã a jogadores, técnicos e staff. De confidente a amigo e quase um pai para muitos jogadores e ídolos do relvado, foi um curto passo.
Natural de Sorrento, a 89 km, percorre a distância diariamente há 37 anos até Nápoles, onde chegou em 1977 à procura de emprego e sustento. E começou ainda mais por baixo: moço de recados e auxiliar no refeitório e cozinhas do Nápoles. A confiança e simpatia granjeadas foram de tal ordem que em 1986 chegou a roupeiro da equipa principal. E como foram campeões, logo virou talismã, por todos procurado e reconhecido como herói nas conquistas.
Um estatuto que refinou e elevou com a Taça UEFA ganha pelo Nápoles (1988/89) e, logo após, com o segundo título de campeão italiano na história do emblema (1989/90). As suas graças e boa disposição aliviaram e descomprimiram equipa tensa, amiúde.
Entre os que mais prezavam a amizade do ‘roupeiro-talismã’, estava Diego Armando Maradona: a prová-lo, não ter dispensado os serviços de Tommy até pela Argentina, no Mundial de Itália-1990: sim, por ‘cunha’ de ‘El Pibe’ – e quem o contrariaria? -, trabalhou meses para a federação argentina, como roupeiro da seleção das ‘pampas’ na prova da FIFA!
E, recorda o site brasileiro Trivela.Com.Br neste dia, «quando o cozinheiro [da seleção da Argentina] ficou doente, ainda voltou à cozinha» e mitigou a fome aos craques. Não espanta que apareça, qual escudeiro, em muitas fotos ao lado ou atrás de Maradona.
«Metade da história do Napoli é a minha vida. A diferença, em relação ao tempo de Diego, é que era como um irmão para os jogadores; agora, vejo-os um pouco como se fossem as minhas crianças, que amo e tento ver satisfeitas», disse Starace, em entrevista à La Gazzetta dello Sport, em 2019.
A falência do Nápoles, em 2004, e descida aos infernos, custaram-lhe o emprego. Mas uma das principais decisões do presidente, Aurélio De Laurentiis, foi procurar Tommy… e voltar a contratá-lo: sabia que melhor guardião da História e talismã do clube, simultaneamente também funcionário de dedicação inexcedível, não haveria…
Assim, Tommy testemunhou o ressurgimento da equipa do sul de Itália até à Serie A. E foi ficando com amigos para vida, com nomes bem familiares a todos os que gostam de futebol, que passaram pelo Estádio San Paolo, hoje Diego Armando Maradona: Hamsik, Cavani, Lavezzi, Koulibaly e Jorginho estão nesse lote.
O belga Dries Mertens criou, mesmo, relação próxima com o roupeiro: até golos lhe dedicou. O mesmo fez Lorenzo Insigne, a quem Tommy viu crescer, dedicou vitórias e golos. E não há técnico consagrado em Itália que não trate de abraço, entre os que passaram pelo Nápoles: Walter Mazzarri, Rafa Benítez, Maurizio Sarri, Carlo Ancelotti e, claro, o agora endeusado Luciano Spalletti.
O ‘fiel Sancho Pança’, escudeiro da equipa de todas as horas, que está lá sempre, e que dá mais energia no afeto… mas também com o café: é icónica a sua imagem caminhando junto à linha lateral do relvado de cafeteira na mão no Estádio Diego Armando Maradona, pronto para saciar a sede do precioso líquido a qualquer um, jornalistas e fãs na bancada incluídos. A fama de fazer ‘o melhor café de Nápoles’ – 'forte, com muito açúcar', manda a tradição local, ajuda.
«O segredo é fazer o café com o coração, da mesma forma que os ‘rapazes’ devem jogar com o coração», definiu Tommy, durante a festa de domingo, dia 7.
Assim se percebe a súbita explosão de euforia e aplausos quando, domingo, o ‘ilustre desconhecido’ – para os estrangeiros - foi chamado ao palco, na hora de vitoriarem os heróis da conquista da Serie A 2022/23: é ‘só’, naturalmente, Sócio de Mérito do Nápoles. E nas mãos, levava uma réplica do troféu do ‘scudetto’ (taça de campeão) mas com a inscrição dos anos das três conquistas napolitanas.
Ninguém mais, em perfeita consciência, tinha tanta legitimidade para o fazer, todos os demais estavam cientes disso. Percebe-se agora quem era o ‘soldado desconhecido’ com quem o goleador nigeriano Victor Osimhen dançou na hora de festejar: Tommaso Starace, o funcionário do clube que já conheceu nove diferentes presidentes (!) e… 43 (!) treinadores, e cujo reinado no Nápoles coincide com 11 dos 14 títulos já conquistados em toda a História do clube.
Esfregar e amaciar as botas dos jogadores, deixar camisolas, meias e calções bem vincados e dobrados para vestirem nos respetivos cacifos a cada jogo, e ter sempre o saboroso café à mão, um sorriso e uma palavra amigo, tornaram-no popular e imprescindível, porque sempre presente e amigo. O elo de ligação da família napolitana chama-se Tommaso Starace.