7 março 2024, 18:33
Tribunal espanhol aprova ordem que permite multar uso de 'streams' ilegais da La Liga
Utilizadores passam a ser sancionados e operadores vão partilhar informação de quem incorrer nesta prática
Secretário-geral da APRITEL e antigo ministro defende que o País não pode ficar para trás na adoção de medidas para combater fenómeno que representa perdas acima dos €200 M; diz ser imperativo sensibilizar consumidores, em última instância puni-los, e apela à reflexão
– Foi deputado, foi ministro da Solidariedade e Segurança Social e ministro da Segurança Social, Família e Trabalho, hoje é secretário-geral da APRITEL (Associação dos Representantes dos Operadores de Comunicações Eletrónicas). Em que consistem essas funções?
– Represento o setor das comunicações eletrónicas em Portugal, que é muito importante para a nossa vida, a vida das famílias, das empresas, da economia. Não imaginamos o que é trabalhar, estudar, convivermos sem comunicações eletrónicas. Se calhar a primeira coisa que muita gente faz – e eu sou uma dessas pessoas – quando acorda é pegar no telemóvel e antes de se deitar é ver o telemóvel. O setor é absolutamente vital, é dinâmico, inovador.
– Quais os principais desafios que tem pela frente?
– Um dos grandes desafios que o setor tem é o de poder continuar a ajudar Portugal a ser um País mais rico, inovador, mais coeso, a nível territorial e social. Por isso, quando olhamos para um fenómeno que não existe só em Portugal, mas em toda a União Europeia e no Mundo, que é o fenómeno da pirataria, ficamos muito preocupados e queremos encontrar a melhor forma de combater esse fenómeno.
– De que forma pode ser combatido esse fenómeno?
– Antes de mais, alguma sensibilização dos utilizadores que recorrem à pirataria. Quando alguém acede de forma ilegal a um conteúdo protegido, que tem direitos de autor, que alguém trabalhou para produzir, está a prejudicar-nos a todos, a quem cria esse conteúdo, artistas, jornalistas, pensadores, escritores, realizadores… Prejudica o desporto, pequenos clubes com verbas que lhes são negadas, e prejudica-nos a todos enquanto contribuintes.
Se alguém está a cometer crimes que estão a retirar mais de €200 milhões da nossa economia, sofremos todos
– Falamos de prejuízos de que ordem?
– Os números não são meus, são do Governo, e dizem que o fenómeno da pirataria representa em Portugal algo como 212 milhões de euros que saem da economia portuguesa, 64 milhões de euros dos quais em receita fiscal. Se alguém está a cometer práticas ilícitas, crimes que estão a retirar mais de 200 milhões de euros da nossa economia, sofremos todos, os artistas, operadores, os criadores. Olhando para a recente greve dos jornalistas, nas receitas da comunicação social há um enorme impacto deste fenómeno, é importante combatê-lo, para continuarmos a garantir a liberdade de pensamento, de expressão e de opinião.
– Portugal tem um grave problema de pirataria?
– Portugal tem um problema grave de pirataria, estudos internacionais dizem-nos que Portugal é o quarto país da União Europeia em que os jovens mais admitem que consomem pirataria. Se calhar, cerca de um milhão de pessoas nos seus agregados familiares já acederam, podem aceder ou continuam a aceder a conteúdos pirateados e isso tem enorme impacto sobre todos. Perdemos mesmo todos. Alguém que vê um jogo de futebol, um filme, um jornal de forma pirata tem de perceber que alguém pode ter perdido o seu trabalho por causa deste fenómeno. O fenómeno existe em todo o lado, seria importante que existissem medidas em Portugal, que o País não ficasse para trás na adoção de medidas para combater esse fenómeno.
Portugal é o quarto país da União Europeia em que os jovens mais admitem que consomem pirataria
– Em Espanha, recentemente, um tribunal catalão deu luz verde à sanção de utilizadores que acedam a plataformas de streaming ilegais. Portugal deve seguir o mesmo caminho?
– Isso está acontecer não só em Espanha. Alemanha, França, Reino Unido e Dinamarca fazem isso e agora houve esta decisão em Espanha. Antes de mais acho que é preciso penalizar a sério a exploração e a difusão de conteúdos que não são autorizados e que por isso são crime. É importante que as pessoas percebam que não é por acedermos de forma digital que passa a ser legal. Continua a ser crime. Se é crime fazer pirataria ou contrafação fora do mundo digital também o é dentro do mundo digital. O que é ilegal offline é ilegal online. É preciso sensibilizar os utilizadores sobre as consequências.
7 março 2024, 18:33
Utilizadores passam a ser sancionados e operadores vão partilhar informação de quem incorrer nesta prática
– Já mencionou algumas dessas consequências.
– Postos de trabalho, riqueza que se perde, mas também é importante perceber que quando acedem no seu telemóvel ou computador a um site que está a passar um filme ou um jogo de futebol estão a permitir que muitos piratas possam entrar e colocar malware, conteúdos ilícitos. A percentagem de pessoas que é alvo de ciberataques que consumiu pirataria é muito mais elevada que o resto. Estão a pôr-se a si próprias em perigo, estão abrir o seu computador e telemóvel a que alguém possa aceder a dados sensíveis, dados bancárias. Se o fizerem numa empresa estão a pôr em causa toda a informação da rede. A cibersegurança é hoje importante para a nossa vida.
É preciso uma reflexão feita pelos órgãos políticos e pelos próprios parceiros, Liga, federações
– Daí a urgência de medidas.
– É importante pensar na aplicação de advertências ao consumidor final, tal como esta decisão em Espanha permite. Se é um fenómeno global, Portugal não pode ficar para trás na adoção de medidas. É muito importante que esta reflexão seja estratégica, mais aberta. Vamos ter um novo Governo, uma nova Assembleia da República, é importante que haja reflexão feita pelos órgãos políticos e que os próprios parceiros, Liga portuguesa, federações, pensem neste fenómeno. Na sequência do que aconteceu em Espanha, o regulador italiano tomou uma decisão e os consumidores podem levar multas de 150 a 5.000 euros.
– Essa é uma solução?
– Primeiro, avisar o utilizador que foi detetado naquele IP um consumo pirateado. Avisá-lo. Numa rede familiar os pais podem não saber que há consumo de pirataria. É importante avisar e depois pensar na possibilidade de haver mesmo uma penalização. Portugal não deve ficar para trás nesta matéria, muitos outros países que têm o mesmo problema estão a agir, para proteger criação de riqueza, postos de trabalho, indústrias criativas e outras que não conseguem sobreviver sem estas receitas e era importante que em Portugal Liga, Governo, Assembleia da República, reguladores, detentores dos direitos, pudessem todos contribuir. Primeiro avisar. Se, depois, reiteradamente continuarem essa prática, admitir essa possibilidade. Não é só um fenómeno desportivo e infelizmente está a aumentar, os números estão a aumentar, no caso português e europeu, e o impacto na sociedade é muito grande, é importante tomar medidas.
Grandes redes de ciberterrorismo, que põem em causa a nossa cibersegurança, estão por trás disto, que gera milhões e milhões de euros
– Quais as principais dificuldades no combate a esta atividade, cada vez menos amadora?
– Muitas vezes são grandes redes de ciberterrorismo, que põem em causa a nossa cibersegurança, que estão atrás disto, que gera milhões e milhões de euros. Quem consome estes produtos está a alimentar essa indústria que tem ligações ao terrorismo, tráfico de seres humanos, indústria que todos deveríamos querer combater. Temos de fazer sensibilização dos consumidores, mas também adotar medidas do ponto de vista legislativo. É importante que exista um consenso, que sejam ouvidas todas as entidades para se encontrarem medidas que permitam combater este fenómeno, perdemos todos. Quando tiram ao País mais de 200 milhões de euros de riqueza que podia estar a ser gerada perdemos todos, quando tiram mais de 60 milhões de euros de impostos, quer dizer que quem paga impostos vai ter de pagar mais para compensar quem foge do ponto de vista fiscal.
– Tendo em conta a situação económica do País, considera justos os valores pedidos pelos canais em sinal fechado?
– Não me cabe pronunciar-me sobre a política comercial de cada um dos operadores, não é a minha tarefa, mas quando comparamos os custos das comunicações em Portugal com outros países da União Europeia, são mais baixos que a média europeia, mesmo analisando a paridade do poder de compra. Não me parece que isso seja uma desculpa para algo que prejudica tão violentamente o País. Fiquei muito impressionado com a greve dos jornalistas, todos sabemos que existem no mundo digital permanentemente cópias de jornais a circular que não pagam direitos de autor a quem criou. Isto tem consequências. São menos postos de trabalho, menos riqueza, pessoas que vão para o desemprego, menos criatividade e inovação que temos em Portugal. Afeta toda a gente no País.
Não acho que os preços dos canais fechados sejam desculpa para algo que prejudica tão violentamente o País
– Para terminar, sei que é fã de corrida. Quer falar-nos das maratonas?
– É muito importante para mim, para a minha saúde e sanidade mental, não só a parte física: ‘mente sã em corpo são’. Joguei futebol, râguebi, ténis e aos 30 e tal anos descobri o gosto da corrida. Como diria o poeta, ‘primeiro estranha-se, depois entranha-se’. Mais do que um prazer, é uma necessidade. Se passar muito tempo sem correr, o meu corpo e espírito ressentem-se. Comecei a fazer pequenas corridas, depois 10 km, meias maratonas e fazer uma maratona é um grande desafio. Em 2018 fiz a de Roterdão, depois fiz a de Lisboa, e mais duas. Quatro no total. Como disse Emil Zatopek [campeão olímpico checo] ‘Se queres correr corre uma milha, se quiseres mudar de vida corre uma maratona’. É um vício bom que tenho.
– Quer partilhar connosco o seu melhor tempo?
– Foi na primeira maratona que fiz, 4h26 se não me falha a memória.
– Ficou orgulhoso?
– Fiquei orgulhoso e cansado [risos]. Não necessariamente por esta ordem. Faço maratonas em 4h30 não é nada de loucuras de 3 horas…