Os três centrais do Benfica: experiência, viragem ou fuga para a frente de Schmidt?
Roger Schmidt apostou em três centrais diante do Arouca (Foto: Atlantico Press/IMAGO)
Foto: IMAGO

Os três centrais do Benfica: experiência, viragem ou fuga para a frente de Schmidt?

NACIONAL01.11.202300:47

Benfica esteve melhor sem bola do que com esta; ataque ainda encontrou menos largura do que antes, tornou-se mais direto e dependente de esticões e individualidades; maior coesão no momento da pressão e da reação à perda; triunfo relativamente tranquilo

Em Arouca, Roger Schmidt experimentou pela primeira vez de início um sistema de três centrais. Uma decisão que não tem enquadramento com o que fez no resto da carreira, passe uma ou outra aposta de circunstância. O que pretendeu realmente o técnico das águias, após as derrotas europeias e o empate em casa com o Casa Pia na Liga

Influenciado por Ralf Rangnick, Roger Schmidt usou o 4-2-2-2 em Salzburgo, com dois falsos 10 e outros tantos avançados-centro, jogadores dinâmicos e velozes, apontados à baliza contrária. 

Em Leverkusen, recuperou o 4-2-3-1 favorito desde os primeiros passos na carreira, nomeadamente no Dellbrücker, Preussen Münster e Paderborn, embora, sem a bola, mantivesse a estrutura de 4-4-2 (transversal ao resto da carreira), com a subida do médio ofensivo para o lado do ponta de lança para manietar a construção dos rivais.

Depois, tanto em Eindhoven como na Luz, o técnico germânico já sentiu conforto para aplicar quase sempre o sistema original, embora situações de inferioridade numérica o tenham levado a defesas mais compostas. Foi assim em Braga na Taça de Portugal na época passada, a primeira vez que usou tal recurso desde que assinou pelo Benfica

Porém, foi na China sobretudo, por culpa de um plantel diferente dos demais, perante a idade avançada de algumas unidades do Beijing Guoan, que experimentou uma maior pausa no ataque organizado e derivações do esquema, com incursões no 4-3-2-1 e no 4-3-1-2, e, aí sim, esporádicos desenhos com três centrais e linhas estreitas, o 3-4-2-1 e 3-4-1-2, à imagem precisamente do que se passou em Arouca, com os médios sem perfil para oferecer largura

João Neves foi ala direito no esquema de três centrais de Schmidt em Arouca (Foto: IMAGO)

Arouca não colocou muitas dificuldades aos encarnados

É necessário agora colocar o que passou hoje em perspetiva, favoreça ou não a nova abordagem de Roger Schmidt. A conjuntura da partida da Taça da Liga não oferecia elevado grau de dificuldade, já que o Arouca atravessa um período mais cinzento, não apresenta uma grande altura e intensidade no momento da pressão e, como é natural, há uma desigual capacidade de argumentação através da qualidade individual. O moral dos encarnados não era, por sua vez, o melhor e havia baixas importantes, e o novo esquema não tinha sido colocado em prática em jogos anteriores. Logo, neste caso, as dinâmicas nunca poderiam ser fortes, sobretudo no momentos dos desdobramentos ofensivos. Já o terreno destruía-se a cada passada e, apesar de ser mau para ambos os conjuntos, deverá ser encarado com fator dissuasor de um bom futebol.

Feitas as devidas ressalvas, é preciso sublinhar que, tirando uma ou outra transição permitida, o Benfica esteve melhor sem bola do que com esta em sua posse. Na verdade, o onze não parece ter sido pensado para criar um carrossel, mas sim tapar os buracos de uma pressão inconsequente. Se compararmos com a segunda era de Jorge Jesus, por exemplo, o bloco desta vez não baixou, a não ser circunstancialmente. A pressão e a contrapressão (reação à perda) continuam lá, agora com os jogadores teoricamente mais próximos uns dos outros e igualmente mais dotados também para executá-las.

Arthur Cabral marcou o segundo golo pelo Benfica (Foto: DR)

Proteção-extra do corredor interior

É interessante tentar dissecar o pensamento de Schmidt. Mais pressionante que qualquer dos outros avançados, coube a Gonçalo Guedes fechar o corredor interior. Aursnes guardou o meio-espaço contíguo às costas de Rafa e João Neves o que surgia atrás de Di María (ao mesmo tempo que se mantinham atentos ao lado de fora). Florentino subiu para ler as linhas de passe contrárias e João Mário manteve-se no apoio. Por vezes, surgiu um quadrado irregular no corredor central logo a seguir ao trio da frente. E obrigava o Arouca a passar dificuldades, recuperando cedo a bola. Uma melhor decisão teria certamente depois produzido mais oportunidades e eventualmente mais golos.

Já nos momentos de ataque posicional, o esquema desde logo não favorecia sobreposições (momento em que um jogador passa nas costas de um colega para lhe oferecer uma opção de passe em largura) e estava demasiado dependente dos esticões dados por Rafa e Guedes nas costas da defesa ou dos dribles de Di María a procurar espaço por dentro para finalizações. O futebol dos encarnados tornou-se bem mais direto, com João Mário, protegido pela linha à sua frente, numa espécie de quarterback. E é aqui que surgem mais dúvidas sobre o futuro do esquema, porque apesar de ter surgido menos caos e um pouco mais de critério, as oportunidades nasceram mais de bolas longas, desempenho individual e de transições conseguidas após recuperações da bola no meio-campo ofensivo.

Se Schmidt quiser manter o 3-4-2-1 e trocar os falsos alas por verdadeiros para ter mais poderio atacante é muito provável que volte a perder coesão na pressão. Ou então terá de reformular o trio da frente. Se mantiver a ideia com os atuais pressupostos, faltar-lhe-á muito provavelmente largura para rivais mais encorpados e poderá ser facilmente anulada. 

Resta saber o que o alemão pretende fazer. Se o que se passou é circunstancial ou uma experiência. Ou até o início de alguma coisa. De qualquer forma, o 4-2-3-1 ainda pode voltar a funcionar. E até beber coisas desta sua fuga para a frente de hoje.