LESÕES NO JOELHO O terror dos futebolistas está a aumentar

INTERNACIONAL08.10.202410:45

Não há memória de tantas lesões graves no joelho. A BOLA falou com especialistas da área para perceber a dimensão do flagelo. Há mais mazelas deste tipo no futebol do que noutras modalidades

Carvajal, Real Madrid, 5 de outubro, Rotura dos Ligamentos Cruzados (RLC), 11 meses de paragem; Rodri, Manchester City, 23 de setembro, RLC, 10 meses. Ter Stegen, Barcelona, rotura do tendão rotuliano, 23 de setembro, 9 meses. Bremer, Juventus, 2 de outubro, RLC, 7 meses. Alaba, Real Madrid, 18 de dezembro de 2023, RLC, 11 meses; Tomiyasu, Arsenal, 21 de julho, RLC, 9 meses; Marc Bernal, Barcelona, RLC, 27 de agosto, 11 meses; Lucas Hernández, PSG, 1 de maio, RLC, 7 meses; Iván Marcano, FC Porto, 16 de setembro de 2023, RLC, 14 meses.

Ter Stegen vai parar 9 meses (Imago)

A lista continua, mas para não cansar quem nos lê, deixamos apenas estes exemplos mais recentes de um flagelo que é cada vez maior no mundo do desporto e, em particular, do futebol. Não há memória de tantos casos graves em tão pouco tempo. As lesões no joelho estão a aumentar a olhos vistos, de ano para ano são cada vez mais as ocorrências e não há como dissociar esse facto do aumento gradual da intensidade dos treinos e, sobretudo, da sobrecarga cada vez maior de jogos nos calendários nacionais e internacionais.

A comprovar que se trata de um facto, e não de mera opinião, estão não só o preocupante número de futebolistas atualmente lesionados, mas também uma série de estudos científicos e de conclusões de especialistas, que confirmam a A BOLA esta tendência crescente do maior terror dos jogadores.

A lesão no joelho é a segunda mais comum no futebol, só suplantada pelas que afetam os músculos. É, porém, a mais grave e a que obriga a maiores tempos de paragem. Em alguns casos a recuperação não exige cirurgia, mas na maioria a passagem pelo bloco operatório é obrigatória e, em certas situações, mais do que uma vez.

Imagem de um joelho

«Seis a oito meses de inaptidão para a prática desportiva». É a frase que, quase sempre, se ouve quando a lesão é no joelho, em particular se esta é a mais indesejada de todas: rotura dos ligamentos cruzados anteriores, as cinco palavras que nenhum futebolista quer ouvir…

Quantas carreiras terminaram ou ficaram para sempre ameaçadas ou em queda depois de uma lesão grave nos joelhos? Quantos homens (e mulheres) sofrem, anos mais tarde, já na reforma do futebol, com dores, inchaços, problemas crónicos? Quem não se lembra do joelho de Eusébio, depois de anos de infiltrações? Ou de Ronaldo, o Fenómeno, e as suas longas paragens após novembro de 1999, quando, ao serviço do Inter ficou fora dos relvados por cinco meses para, no regresso em abril seguinte, ao fim de seis minutos em campo sofrer a rutura do tendão e dos ligamentos que o obrigou a passar um ano longe do futebol?

A dor de Ronaldo, o 'Fenómeno', em novembro de 1999 (Imago)

Ou ainda de Zico, Garrincha, Uli Hoeness, Just Fontaine, Rosicky, Fernando Torres ou Owen Hargreaves, cujas carreiras terminaram mais cedo do que se previa? Ou, mais recentemente, Neymar, que não joga desde outubro do ano passado? Em comum, têm todos o mesmo: lesões nos joelhos.

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A IMPORTÂNCIA DO JOELHO

Em conversa com A BOLA, o médico brasileiro especialista em joelhos, Adriano Karpstein, sublinha que «o joelho do jogador de futebol é a articulação mais massacrada na prática daquele desporto», destacando-se as muitas lesões nela sofridas, como entorses, com ou sem rompimento dos ligamentos, lesões nos meniscos, nas cartilagens, tendinites e luxação da patela [rótula]».

E a exigência passa por se tratar de «uma articulação relativamente exposta», por conta dos movimentos «que provocam stress nas estruturas anatómicas do joelho», movimentos como «rotações rápidas, mudanças repentinas de direção, paragens repentinas e aterragens incorretas após saltos e quedas, uso de chuteiras erradas ou contacto direto com adversários».

MAIOR FLAGELO NO FUTEBOL

Na hora de procurar especialistas e estudos sobre o tema, o Brasil mostra maiores avanços, não fosse o país do futebol e, também, um dos que maior incidência de lesões no joelho têm em todo o Mundo.

Um estudo da Universidade de Tocantins menciona que «de todas as modalidades desportivas o futebol é a que mais provoca lesões do ligamento cruzado anterior [a mais grave nos joelhos]» e que esta é a que precisa de menos tempo de prática da modalidade para acontecer», ou seja, acontece cada vez mais entre jogadores jovens, embora «o aumento de idade» seja «um fator de risco considerável» para a ocorrência destas lesões.

Deve-se isto ao facto de «as estruturas dos joelhos serem bastante requisitadas no futebol». As lesões naquele local são as mais frequentes «depois das musculares». O estudo indica ainda que há uma propensão maior para os joelhos sofrerem impactos «com maior gravidade nas fases finais dos jogos».

Mais: refere o mesmo estudo que as lesões nos joelhos ocorrem mais por volta dos 26 anos e que «os atletas dos maiores campeonatos e das divisões principais apresentam maior número de lesões do que os de escalões inferiores», devendo-se isto «à maior exigência física da competição».

Lucas Hernández, do PSG, não joga desde 1 de maio (Imago)

QUANDO ACONTECEM?

É ainda no trabalho da Universidade de Tocantins que é possível encontrar as principais causas para as lesões graves nos joelhos (ligamentos cruzados anteriores), pela seguinte ordem: «Pressão sobre o adversário, recuperação do equilíbrio após o remate, aterragem após cabeceamento e contacto direto num joelho já com ligeira lesão.»

O QUE FAZER?

Por fim, o referido estudo da Universidade de Tocantins conclui que «é necessário intervir nas principais causas de lesões, principalmente em jogadores defensivos». E aponta um caminho: fortalecer músculos e treinar o atleta para técnicas «como salto e aterragem durante a disputa no ar» e de manutenção do «equilíbrio no remate».

Assim, a melhor forma de prevenção «é a análise individual de cada atleta», na qual deve ser considerada «a sua condição muscular e a forma como executam saltos e aterragens». Os treinos devem, desta forma, «ser planeados e específicos para cada atleta». Utopia? A resposta está nas conclusões da própria universidade…

«Apesar do número expressivo de estudos sobre este tema, ainda são necessários outros que melhor identifiquem os fatores envolvidos e descrevam as melhores estratégias de prevenção para que sejam minimizadas as lesões em joelhos desses atletas, condição que geralmente se reflete em grande impacto negativo sobre as suas carreiras. Além disso, novos estudos são fundamentais para avaliar a correlação entre a massa muscular ou os movimentos que realizam no campo de jogo e as lesões de joelho em jogadores de futebol.»

Neymar recupera de operação ao joelho esquerdo (Foto: Imago)

HÁ, PELO MENOS, UMA BOA NOTÍCIA

A evolução na medicina e, em particular, na cirurgia ao joelho foi trazendo, ao longo dos anos, notícias menos más aos jogadores que sofrem lesões nessa área do corpo. A era do fim das carreiras por causa de problemas nos joelhos faz cada vez mais parte do passado. E mesmo a recuperação leva hoje metade do tempo necessário há quatro ou cinco décadas.

Marcos Cortelazo, especialista brasileiro em cirurgia do joelho, explica a A BOLA o que mudou: «As inovações dos tratamentos e as novas intervenções permitiram, acima de tudo, sermos menos invasivos hoje, o que possibilita uma melhor recuperação e um regresso mais rápido à competição. Foram surgindo técnicas de reparação meniscal, da cartilagem e avanços nas cirurgias de reconstrução de ligamentos. Tudo evoluções que tentam preservar ao máximo as estruturas da articulação.»

Para o cirurgião, «nos anos 70, não seria possível obter o resultado que encontramos hoje, por causa da falta de conhecimento, de capacidade de avaliação e técnica operatória inadequada».

E qual foi a grande mudança? «As principais revoluções foram a ressonância magnética a partir dos anos 80 e a videoartroscopia que, no final dos anos 90, permitiu fazer intervenções diretas e não só exames», continua Marcos Cortelazo, concluindo: «Aquilo que nos anos 70 e 80 poderia necessitar de um ano e meio de recuperação ou até mesmo significar o fim de carreira, hoje recupera-se em oito meses e com garantia de continuidade da atividade profissional.»