ENTREVISTA A BOLA «Não duvido da minha capacidade para ser treinador do Benfica»
José Morais quer voltar a Portugal após duas décadas de viagem profissional por 14 países e 18 equipas, como treinador e, pelo meio, como integrante da equipa técnica de Mourinho. E tem um sonho: conquistar a Champions com uma equipa da Liga, em particular com o ‘seu’ Benfica. «Sou dos poucos com condições para consegui-lo», garante em entrevista exclusiva
Deixou Portugal há quase duas décadas, para abraçar projetos como treinador em Inglaterra, Alemanha, Grécia, Turquia, Ucrânia, Suécia, Tunísia, Coreia do Sul, Jordânia, Iémen, Arábia Saudita e Irão, onde se encontra atualmente na segunda época aos comandos do Sepahan, no qual, após perda de quatro pontos na secretaria, está, com menos um jogo, a cinco do líder Esteghlal; e pelo qual acaba de apurar-se para os oitavos de final da Champions asiática.
Pelo meio desta longa jornada, ainda integrou a equipa técnica de José Mourinho no Inter, no Real Madrid e no Chelsea. Tudo isto, após 10 anos na formação do Benfica. Aos 58 de idade, José Morais sente que está a chegar a hora de voltar a casa. E sonha alto.
Tenho uma vantagem: conheço o Benfica quase como a palma das minhas mãos; conheço a sua cultura porque fui treinador da formação durante 10 anos
– Em que ponto está o desejo de voltar a Portugal, onde não treina desde que deixou o Santa Clara em 2004/2005?
– Há sempre um momento em que a terra chama, não é? Em que as nossas origens nos chamam. E, neste momento, o meu sentimento é de que gostaria de voltar. Tenho as minhas intenções relativamente à continuidade da minha carreira e gostaria de voltar, quando fosse possível, e continuar no fundo a fazer algo importante em Portugal e pelos clubes portugueses que têm condições para conquistar algo importante.
– E pode dizer que clubes vê no seu horizonte?
– Passei por grandes clubes, passei por grandes momentos. Venci como adjunto competições importantes, como a Liga dos Campeões, campeonatos, taças. E, nesses anos todos, com o que angariei em termos de experiências, penso que, no momento oportuno, posso oferecer condições para a conquista desse tipo de objetivos. E estou numa idade bonita [58 anos], por ser uma idade em que a estabilidade faz parte do meu ser interior, em que há conhecimento e sabedoria que podem, de facto, ajudar a liderar grupos que têm objetivos mais altos do que, eventualmente, possam conseguir imaginar.
– Em Portugal podem dar-lhe as condições financeiras que tem encontrado no estrangeiro?
– Há vários tipos de projetos. Há aqueles em que é preciso e é possível ter tempo; e há aqueles que exigem resultados no imediato, como será o caso dos grandes clubes portugueses. E os líderes têm de estar preparados para isso, para dar resposta às expectativas no menor tempo possível. Falamos dos grandes clubes, feitos para ganhar. E ninguém está à espera de se dar tempo para isto e para aquilo e, portanto, está-se lá para cumprir os objetivos deles que passam por grandes conquistas. E, não fugindo à pergunta, creio que a grandeza não reside na capacidade financeira; a grandeza reside na ambição de conquistar. E essa é a recompensa. Eu não estou preocupado com a recompensa financeira, ela acaba por chegar.
– Mas o salário que possam pagar-lhe não conta?
– Eu diria que tenho uma estabilidade económico-financeira hoje que não tinha há uns anos. E hoje tenho também condições e qualidades que me permitem garantir resposta às maiores ambições e expectativas dos grandes clubes.
O que me atrai no Benfica? É a chama, sabe? É a chama eterna, a chama imensa...
– Com tudo o que já fez e ganhou na carreira, o que lhe falta?
– O meu grande objetivo é ganhar a Liga dos Campeões como treinador principal de um clube em Portugal. E, quando eu tiver essa oportunidade, sinto que tenho condições de o fazer e que poderei fazê-lo.
– Sendo pública e reconhecida a sua ligação ao Benfica, onde treinou as camadas jovens entre 1991 e 2001, vê-se a concretizar esse sonho de conquistar a Champions no clube da Luz?
– Tenho uma vantagem: conheço o Benfica quase como a palma das minhas mãos; conheço a cultura do Benfica porque fui treinador da formação durante 10 anos e sei bem o que é tirar aproveitamento da formação. Sei qual é a mística e quais são os valores do clube, sei a ambição que o clube tem relativamente à conquista da Liga dos Campeões. E sei que a experiência pela qual eu passei poderia dar ao Benfica aquilo que, no fundo, todos nós buscamos desde o último ano em que fomos campeões europeus, nos anos 60. Tenho essa ambição. Tenho essa convicção!
– O que tem realmente a mais do que outros potenciais candidatos ao cargo de treinador do Benfica?
– Eu passei por grandes clubes, alguns dos maiores, como o Real Madrid. E o dia a dia de cada clube, da gestão e da liderança de cada clube, é um dia a dia diferente em função das diversas personalidades que se vão encontrando dentro dos diversos emblemas. É essa noção de liderança que distingue os diferentes treinadores, é o modo diferente de passar a mensagem aqui e ali, consoante a realidade. No fundo, é essa maturidade, é essa capacidade e é esse conhecimento que eu estou certo que tenho hoje e que pode fazer a diferença. Eu não tenho dúvidas de que tenho essa capacidade de ser treinador do Benfica. Sabendo que não é apenas a forma que eu tenho de chegar às coisas que fornece resultados. É uma questão de oportunidade. Para mim e para o Benfica, também.
– O que tanto o atrai no Benfica?
– É a chama, sabe? É a chama eterna, a chama imensa.
– Mais de duas décadas depois da sua passagem (1991 a 2001) pela formação do Benfica, o que mudou nessa área?
– Há uma enorme diferença. Primeiro, temos hoje um presidente que jogou no clube, que é um diamante da formação, que foi campeão no clube e é uma referência em Portugal e no Mundo. Temos, ainda, um campus Benfica que não existia na altura e que hoje tem condições que o colocam a par das melhores academias do mundo. É assim normal que a formação do Benfica tenha uma dimensão superior àquela que existia. Hoje o talento é mais facilmente exportado do que do que era há uns anos. Se o Rui Costa existisse na Academia do Benfica, hoje, creio que nem chegaria a aparecer na primeira equipa do Benfica, teria saído mais cedo…
– Aí sobrepõe-se a grandeza financeira, certo?
– Sim, a financeira, porque a verdadeira grandeza dos clubes não tem só a ver com a capacidade financeira. O Benfica é um clube tão grande como um Real Madrid, mas, claro, que a capacidade financeira do Real é diferente. Eu acredito que o Benfica tem, hoje, condições para caminhar num crescimento sustentado que não tinha há uns anos: há as condições do estádio, o marketing, a profissionalização do clube e dos várias departamentos. Temos agora um Benfica diferente e que não pode pensar só em vencer o campeonato, tem de vencer competições internacionais, tem de chegar às finais e tem de ambicionar ganhá-las.
– Menciona muito a grandeza do Benfica. É daí que vem, por exemplo, o desejo de Bernardo Silva de regressar um dia?
– É exatamente dessa grandeza que falo. O Bernardo quer voltar, como quererá o Rúben Dias, o João Félix, o Cancelo, o Gonçalo Ramos. E como quis o Di María. É o que comprova que a grandeza não tem apenas a ver com o aspeto financeiro. E falamos de jogadores com a noção do que é um clube gigante, porque passaram por grandes clubes, não é? E o Benfica é um desses grandes clubes, tem essa grandeza: pode não ter a mesma capacidade financeiramente, mas tem essa grandeza. Eu passei pelo Real Madrid, pelo Chelsea, pelo Inter e digo: o Benfica é um clube grande, é enorme. E é por isso que esses jogadores voltam.
BI - JOSÉ MORAIS
Nome completo
José Manuel Ferreira de Morais
Data de nascimento
27 de julho de 1965 (58 anos)
Naturalidade
Golungo Alto (Angola)
Carreira treinador
Benfica (camadas jovens), 1991 a 1999; Benfica B, 1999 a 2001; Estoril, 2001; Westfalia Herne (Alemanha), 2001/02; Dresdner (Alemanha), 2002/03; Académico Viseu, 2003; FC Porto (adjunto), 2003/04; Santa Clara, 2004/05; Assyriska (Suécia), 2005; Al Faisaly (Jordânia), Al Shabab e Al Hazm (Arábia Saudita), 2006/07; Stade Tunisien (Tunísia), 2007/08; Iémen (seleção), 2008; Espérance Tunis (Tunísia), 2008/09; Inter (Itália, observador), 2009/10; Real Madrid (Espanha, observador), 2010 a 2013; Chelsea (Inglaterra, observador), 2013/14; Al Shabab (Arábia Saudita) e Espérance Tunis (Tunísia), 2014/15; Antalyaspor (Turquia), 2015/16; AEK (Grécia), 2016/17; Barnsley (Inglaterra), 2017/18; Karpaty Lviv (Ucrânia), 2018/19; Jeonbuk Motors (Coreia do Sul), 2019 e 2020; Al Hilal (Arábia Saudita), 2020/21; e Sepahan (Irão), desde 2022/23.
Títulos
1x Taça da União Árabe (2008/09), 1x Campeão da Tunísia (2008/09), 2x Campeão da Coreia do Sul (2019 e 2020), 1x Taça da Coreia do Sul (2020), 1x Campeão da Arábia Saudita (2020/21) e 1x Supertaça da Arábia Saudita (2014/15)