Moreirense-FC Porto: a crónica

Liga Moreirense-FC Porto: a crónica

NACIONAL15.08.202301:40

Do pontapé nos dentes à metáfora do talento

Na primeira parte do FC Porto não houve o FC Porto de Sérgio Conceição, havendo Moreirense bem melhor (sem precisar de bola). A vitória acabou assim por sair de uma ideia de Guardiola
 

Sem Sérgio Conceição no banco, para lá foi Vítor Bruno, o seu escudeiro. Supersticioso, não deixou de para lá ir de calções - e com ele, assim, a fazer de Sérgio Conceição o FC Porto voltou a ganhar (mas não como lhe é normal). Ganhou (com Vítor Bruno assim) mas não com o fulgor de outras vezes. Bem pelo contrário. Com a equipa lançada (em subtil novidade) em 4x3x3 (com João Mário a lateral e Pepê puxado a extremo e com Otávio na condição de figura central do meio-campo, capaz de ser, apaixonado e intenso, 8 ou 10  sempre como 10 da cabeça aos aos pés) - o que se percebeu, num ápice, foi que o jogo dos portistas teria, decerto, levado à angústia Javier Marías - o genial Javiér Marías que o afirmou certa vez:

- O que realmente sei é que não há nada que me angustie mais na vida que um futebol angustioso!


Era, era mesmo assim (e com estranheza, diga-se…) que o FC Porto jogava: com a escuridão em vez de luz, com o desleixo em vez de intensidade. E sem que se lhe visse, numa fímbria sequer, a boa ideia de jogo que Sérgio Conceição pôs nesse FC Porto à Pedroto - essa ideia de jogo feita de fervor e ímpeto para ir buscar a bola o mais depressa possível aos pés alheios. Essa ideia de jogo feita de mobilidade e empolgamento para fazer da área do adversário a parte mais importante do jogo (e, sobretudo, do seu jogo) - metendo lá o maior número possível de jogadores em posição de tiro.


Com o dragão a fugir de si
Esse melhor FC Porto a fugir desse FC Porto foi o que se viu ao longo de toda a primeira parte - razão porque a única vez que Kewin Silva teve de fazer defesa mais complicada foi mesmo ao cair do pano da primeira parte e com Taremi em (milimétrico) off-side. Ao invés, o Moreirense (fazendo com que a estrela da sua equipa fosse sempre a própria equipa - e o seu treinador pelo modo como a montou a a pôs a jogar...) não deixou de espalhar mais perigo nas proximidades de Diogo Costa (por duas ou três vezes).

O que Cruyff explica...
Se, para isso, ao Moreirense lhe bastou posse de bola em torno dos 28% - esse era, ao intervalo, mais do sinal de que o FC Porto tendo mais bola, muito mais bola, nunca soube o que fazer bem com a bola que tinha. E se isso parecia estranho, Cruyff explica (quer uma coisa, quer a outra):
- Se tens a posse da bola, precisas de fazer com que o campo seja o maior possível. Se não a tens, precisas de fazer com que o campo fique o menor possível…


Pontapé nos dentes (e mais)...
Sendo, mesmo fora da metáfora, pequeno o campo do Moreirense - a argúcia do seu treinador e a esperteza dos seus jogadores (de todos os seus jogadores) não permitiram ao FC Porto fazer do campo um campo maior. Impediam, sagazes, que os portistas tornassem, pois, o seu campo num latifúndio - ou usassem os seus flancos como largas linhas de horizonte que lhes deixassem a baliza mais perto. E perdidos (os portistas) nesses becos sem saída - escapavam-lhes, desesperantes, as linhas de fogo (fosse de que jeito fosse).


Sérgio Conceição percebeu-o num fogacho - e, para começar a mudar o rosto ao jogo, deixou João Mário no balneário, atirando Toni Martínez a jogo. Para isso, desembrulhou-se do 4x3x3 - e voltou ao  mais tradicional 4x4x2. E não tardou, contudo, que, aos 52 minutos, o joelho de Frimpong pusesse o Moreirense na vantagem que vinha ameaçando.


Achando (mais ou menos filosófico) que a adversidade sempre o fortalecera, Walt Disney tinha uma frase que usava como mantra:
- A maior parte das pessoas não se apercebe disso mas um pontapé nos dentes pode ser a melhor coisa do mundo para alguém…
e esse pontapé nos dentes com o joelho do Frimpong talvez tenha sido a melhor coisa que aconteceu a esse dragão que tão insolente e tropeçante andara. Pelo menos serviu para que Conceição tirasse da sua esperteza melhor forma de começar a dar a volta à modorra ao colocar Eustaquio ( que é muito melhor a jogar a 6 do que é a jogar a 8 porque nunca deixa de jogar a 6 com a cabeça do 8) no lugar de Grujic - e a dar, com Baró, espevitamento (e agitação) ao seu meio-campo. Melhorou a dinâmica, melhorou a mobilidade. Voltou a veleidade ao que antes fora desconcerto. E foi o bastante para se  a ver o FC Porto, mais insinuante e mais perto da baliza adversária. E a romper com o que fora o seu jogo rotineiro e canhestro. E também não foi preciso esperar-se muito para se perceber a verdade (com poesia) que há numa ideia de Pep Guardiola:
- No futebol, o talento depende da inspiração, mas o esforço depende de cada um.


Na lógica do Guardiola...
É, se o esforço e o caráter já se vinham vendo no FC Porto a tentar sair mais forte e com mais alma do «murro nos dentes» que o joelho de Frimpong lhe causara - foi através do talento (que depende da inspiração) que, no espaço se sete minutos, o deu a volta ao jogo.


Primeiro, esse talento (que depende da inspiração) saltou de um lançamento à Messi de Romário Baró para toque (de canela) à Messi de Fábio Cardoso que deu o golo a Toni Martínez. Depois, esse talento (que depende da inspiração) saltou de um lançamento à Messi de Eustaquio para o calcanhar de Otávio que deu a Pepê a oportunidade de pôr Wendell a revelar o espírito letal (e preciso) que normalmente só os grandes pontas de lança têm. E, sem mais voltar, obviamente, ao futebol encalhado e sombrio, insosso e vacilante que se lhe vira (sobretudo na primeira parte) - em vantagem o FC Porto procurou apenas ser mais controlador (e seguro) - permitindo, assim, que o Moreirense (que jogou sempre, sempre bem!) voltasse a andar mais perto da baliza de Diogo Costa, mas já sem a malícia e o veneno que se lhe vira sobretudo no primeiro tempo...

O árbitro - HÉLDER MALHEIRO (nota 6)
Em jogo sem grande casos do ponto de vista técnico, do ponto de vista disciplinar uma única falha grave no amarelo a Nico.

Melhor em campo A BOLA - Eustaquio (FC Porto)