Há 40 anos, a duas jornadas do fim, a águia levantou o caneco... em Portimão

Benfica Há 40 anos, a duas jornadas do fim, a águia levantou o caneco... em Portimão

NACIONAL10.05.202309:20

Há indisfarçáveis semelhanças entre o Portimonense-Benfica de 1983, e aquele que será jogado, no mesmo local, 40 anos depois, no próximo sábado. Porém, uma diferença deve ser, desde já, destacada: um triunfo no Algarve, a 22 de maio de 1983, tornaria o Benfica matematicamente campeão nacional, já que, ficando a faltar duas jornadas para o fim da prova, os encarnados manteriam os quatro pontos de vantagem sobre o FC Porto (as vitórias, então, valiam dois pontos), com superioridade no confronto direto, graças a um triunfo na Luz por 3-1, e um empate nas Antas, a zero.


Desta feita, duas coisas são certas: a primeira é que, aconteça o que acontecer, o Benfica sairá líder de Portimão; a segunda é que, mesmo que vençam os algarvios, os encarnados não celebrarão o título nessa noite, devendo esperar pelos restantes resultados da jornada, ou pelos dois jogos que lhes ficam a faltar, e onde precisariam de um ponto, em Alvalade com o Sporting, e na Luz com o Santa Clara.


Mas há vários elementos, não só relativamente a estes dois jogos entre Portimonense e Benfica, separados por quatro décadas, mas também às temporadas de 1982/83 e 2022/23, que devem ser mencionados.


‘OVERDOSE’ DE JOGOS
Por exemplo, na presente temporada o Benfica vai disputar 55 jogos oficiais, enquanto que em 1982/83 - quando não havia ainda Taça da Liga - realizou 50 partidas, uma anormalidade à época, justificada essencialmente pelos 12 jogos realizados na Taça UEFA.


Também estas duas épocas separadas por 40 anos têm os treinadores encarnados como denominador comum, porque tanto Sven-Goran Eriksson quanto Roger Schmidt eram recém-chegados ao clube da Luz, e se hoje em dia o técnico alemão tem em Sérgio Conceição um adversário direto, Eriksson teve que enfrentar, optando muitas vezes pelo silêncio, José Maria Pedroto, mestre em futebol e mind games, naquela que seria a sua última época completa no futebol.


Falta dizer que 1982/83 foi a temporada de estreia de Jorge Nuno Pinto da Costa, que sempre manteve uma boa relação com Fernando Martins (40 anos depois os dragões continuam a fazer do Hotel Altis/Castilho o seu quartel-general em Lisboa). Não obstante, essa época ficaria marcada por um desacordo importante entre Benfica e FC Porto, a propósito da marcação para o estádio das Antas, da final da Taça de Portugal entre os dois clubes, pela Federação Portuguesa de Futebol, curiosamente presidida por um ex-chefe de departamento de futebol dos benfiquistas, Romão Martins. Os encarnados pura e simplesmente recusaram-se a jogar e mandaram os jogadores de férias. O assunto foi resolvido da maneira mais estranha e bizarra imaginável: a final de 1982/83 disputou-se no estádio das Antas (vitória do Benfica por 1-0, com golo de Carlos Manuel), já na época de 1983/84, e com os jogadores inscritos para essa temporada. Dando um exemplo prático, o defesa central Oliveira, que em 1982/83 jogou no Marítimo e foi eliminado da Taça pelo Riopele, nos 32 avos de final, veio a conquistar essa mesma Taça, ao serviço do Benfica, para onde se transferiu.

PORTIMONENSE-BENFICA
Na época de 1982/83, o Benfica ganhou Campeonato, Taça, e foi finalista da Taça UEFA, que perdeu para o Anderlecht (que eliminara o FC Porto - 4-0 e 2-3 - nos 16 avos de final dessa competição). Os dois jogos da final foram disputados em maio de 1983, a 4, vitória dos belgas no Heysel Park, e a 18, 1-1 na Luz, e tiveram o Portimonense como testemunha próxima: a 8 de maio, quatro dias depois do Heysel, o Benfica derrotou o Portimonense na Luz por 2-0 (Nené, 2) na meia-final da Taça de Portugal, e a 22, quatro dias depois da desilusão de ter dito adeus à Taça UEFA, foi a Portimão realizar o jogo do título.


A principal preocupação de Eriksson, que sabia que tinha no Portimonense um adversário formidável (treinados por Artur Jorge, os algarvios tinham uma equipa de luxo, com vários internacionais, de Damas a Norton de Matos, de Amílcar a Carlos Alhinho, de Coelho a Murça ou Paulo Rocha, só possível devido ao boom de construção turística no Algarve no princípio dos anos 80 do século passado), teve a ver com a recuperação psicológica da equipa. O empate com sabor a derrota com o Anderlecht na quarta-feira mexeu muito com o grupo e a solução encontrada pelo treinador sueco foi levantar o pé nos treinos - uma recreação na quinta, treino de setores na sexta, e ainda banhos, massagens e sauna, uma pelada no sábado, seguida de viagem para o Algarve, até ao jogo de domingo.


E se Eriksson ia à espera de dificuldades por parte da equipa de Artur Jorge, não se desiludiu. Em tempos em que era só permitida a utilização de um estrangeiro por jogo, Sven-Goran Eriksson preferiu Stromberg a Filipovic, colocou o sueco no duplo pivot ao lado de Sheu, e entregou o ataque a Diamantino e Nené. Mas o Portimonense não se desunia e embora o Benfica tivesse o domínio da partida, precisava de correr riscos. Primeiro, perante uma lesão de Nené, Eriksson fez entrar ao intervalo José Luís para a direita, puxou Carlos Manuel para o meio e fez Stromberg subir no terreno. Mais tarde (58), mandou a jogo o estratega Alves (saiu Sheu), que se posicionou como maestro, e aumentou a pressão sobre o Portimonense, onde o divino Vítor Damas, como dizem os brasileiros, «pegava até o vento.»


Tudo parecia apontar para um nulo, que traria outro dramatismo aos dois jogos que faltavam, com o Sporting, na Luz, e em Braga, quando Carlos Manuel, à passagem do minuto 85, enviou um míssil indefensável, que entrou no canto superior direito da baliza algarvia, e tornou infrutífera a felina estirada de Damas.


O Campeonato de 1982/83 tinha dono, e o capítulo seguinte foi a invasão do campo, em festa, que apanhou desprevenido Stromberg (os restantes jogadores fugiram rapidamente para a cabina), que deixou o equipamento aos adeptos.


Na cabina, entre lágrimas e abraços, o champanhe jorrou. Era o epílogo de uma época cheia de emoções, que não acabou sem vitórias nos dois jogos que faltavam.
No próximo sábado, muito provavelmente, o Benfica volta a jogar o título em Portimão, frente a uma equipa tranquila na tabela, que surgirá determinada a aguar a festa encarnada . Pelo menos, isso é certo, O Benfica joga uma ausência de angústia na semana que antecede a ida a Alvalade, algo que será inevitável caso não supere o obstáculo algarvio...