«Eu, Chiquinho e David Carmo demos uma chapada de luva branca a muita gente»
André Horta após vencer a Liga Conferência. Foto: IMAGO
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ENTREVISTA A BOLA «Eu, Chiquinho e David Carmo demos uma chapada de luva branca a muita gente»

INTERNACIONAL12.06.202407:00

André Horta é um dos portugueses que venceram a Liga Conferência com o Olympiakos na época que agora terminou. Recorda a campanha europeia, o penálti que pediu para mudar a ordem e a língua predominante no balneário

A meio da época 2023/24, André Horta tinha apenas cinco jogos como titular na Liga portuguesa e cada vez menos minutos nas pernas no SC Braga. Em janeiro apareceu a oportunidade Olympiakos, que acabou por dar-lhe uma Liga Conferência. Mas não foi o único: Chiquinho, no Benfica, e David Carmo, no FC Porto, também não jogavam. A meio das férias, numa entrevista a A BOLA na nossa redação de Lisboa, Horta fala sobre a experiência na Grécia e o grupinho de portugueses que por lá se juntou [Rúben Vezo, João Carvalho, Gelson Martins e Podence são os restantes]. E conta também como trocou de penálti com Rodinei numa eliminatória...

Se alguém lhe tivesse dito, no início de janeiro, que ia acabar esta época com uma medalha de um troféu europeu ao peito, o que diria a essa pessoa?

Diria que devia ter fumado alguma coisa forte (risos). Nós sabemos que no futebol as coisas podem mudar de um momento para o outro, mas não podemos também mentir. Naquele momento não era algo muito expectável. «Olha, vou acabar esta época a ganhar um troféu europeu, está mesmo aqui ao virar da esquina.» Não, não pensei, a verdade é essa. Começo a pensar quando existe a mudança, porque vejo as competições em que ainda estamos inseridos, e claro que percebemos que, a partir do momento em que estamos inseridos, há sempre alguma hipótese. Depois, com alguma sorte no sorteio, aqui e ali... Mas claro que era algo em que não acreditava muito.

E como explica essa caminhada do Olympiakos na Liga Conferência? Houve ali momentos um bocadinho inacreditáveis. Tiveram de recuperar de uma derrota por 1-4 em casa, na 1.ª mão dos oitavos….

Acho que nós fomos mesmo muito competentes. Acho que não fomos muito exuberantes, mas fomos competentes em tudo o que tínhamos de fazer. Dos nove jogos que tivemos, o único jogo onde não fomos mesmo, e aí estivemos mesmo mal, foi o jogo do Maccabi [Tel Aviv] em casa, o 4-1, esse não nos correu tão bem. Também temos direito. Nos outros jogos, tivemos de tudo… com o Ferencváros ganhámos os dois jogos, depois tivemos o tal do Maccabi que perdemos 4-1 e vamos lá ganhar 6-1, temos Fenerbahçe que ganhámos 3-2 em casa, lá perdemos 1-0, mas ganhámos nos penáltis. Ou seja, nós tivemos um pouco de tudo no caminho até à final. Depois o Aston Villa. Ralmente fizemos um grande jogo, não só na 1.ª mão, mas também na 2.ª. Foi uma boa vitória, ganhámos 2-0. Sentimos que eles também, com o 3-2 que nós trazíamos, tentaram esboçar uma reação inicial, mas eles também tinham uma ou duas ausências importantes. E nós marcámos logo cedo, o que também lhes tirou um bocadinho o ânimo. Então eu acho que nós não fomos muito exuberantes, eu gosto de usar a palavra competentes. E também sinto que a mentalidade é um bocadinho diferente da portuguesa, de eliminatórias que já joguei com equipas portuguesas, maioritariamente no SC Braga, que tem sido toda a minha carreira. Parece que há uma mentalidade diferente, no sentido em que nós às vezes, em Portugal, se formos em vantagem para uma 2.ª mão, a nossa ideia parece que é muito... se calhar já iremos um bocadinho mais retraídos. E a mentalidade, ou pelo menos o que eu senti nesta experiência, é que a malta vai muito desinibida, é para jogar mais um jogo, fazermos as coisas que temos a fazer, executar o plano. Daí eu dizer: não fomos exuberantes, talvez no jogo do 6-1, aí tivemos de ser, porque tínhamos realmente de recuperar de uma desvantagem, mas acho que fomos competentes, mesmo na final. Era um jogo muito complicado, a Fiorentina a defender homem a homem, hoje em dia já ninguém gosta disso, mas acabámos por ser inteligentes na maneira como abordámos o jogo. Percebemos os momentos, quando tivemos de atacar, quando tivemos de defender, porque afinal o jogo acaba por ter todas essas nuances, e depois no fim acabou por sorrir para nós.

Contra o Fenerbahçe teve de marcar um penálti ao guarda-redes [Dominik Livakovic] que é um especialista nisso mesmo, tinha feito um brilharete no último Mundial [com a Croácia]. No momento de bater esse penálti pensou em quem tinha ali à frente?

Eu conhecia o guarda-redes, lembrava-me da questão dos penáltis dele no Mundial. Não posso dizer que estava muito confortável a bater. Eu ia marcar o 5.º penálti, isso tem uma história engraçada. O treinador-adjunto veio dizer-me: «Vais bater o 5.º penálti». Eu nunca bati um penálti, não bato penáltis em lado nenhum e querem logo vá bater o 5.º? E um dos habituais nos penáltis, que era o Rodinei, ia em 3.º. Então, falei com o Rodinei, disse-lhe «Olha, eu vou em 3.º, vais tu em 5.º, porque estás mais confortável». Não digo confiante, porque nós na altura podemos sentir-nos confiantes, e eu confiante estava, mas era algo que não fazia, acho que nunca bati um penálti em jogo. Depois acabei por ir em 3.º, marquei, depois o Rodinei foi em 5.º e falhou (risos). Mas sabia que ia ser algo difícil, então optei pelo mais simples: bola para o meio. Normalmente resulta.

Soube bem ganhar este troféu ao lado de tantos portugueses?

Sim, ao lado de tantos portugueses e principalmente ao lado da minha família e dos meus amigos, que foram lá ver o jogo e estiveram lá comigo. Mas claro que foi bom não só ao ganhar o troféu, como toda a adaptação desde a chegada. Eu cheguei no mesmo dia que o Chiquinho, fomos no mesmo avião, ou seja, já o conhecia de termos estado juntos no SC Braga, passados 3 ou 4 dias chegou o David Carmo… Acabámos por estar ali muito tempo juntos os três e depois começou a normal aproximação com todos os outros portugueses. Éramos oito, fazíamos muitas coisas juntos extrafutebol, o que também nos aproximava muito. Mas no balneário todos os outros companheiros foram cinco estrelas. Por exemplo, o Iborra, um jogador já com 36 anos e uma pessoa espetacular, já com 4 Ligas Europa, foi a primeira pessoa a dizer se precisássemos de alguma coisa… E isso também mostra um pouco daquilo que era a nossa equipa e que nos fez chegar aqui.

Mas vocês falam em português no balneário? Há um grupinho de portugueses?

Sim. Nós não estamos ao lado uns dos outros, mas uma das pessoas que mais fala no balneário é o Rodinei, que fala a nossa língua. Depois temos os espanhóis, que também falam muito… Os gregos falam inglês, mas não posso dizer que temos grupinhos. Claro que, pela proximidade e pela barreira linguística, se calhar falamos mais entre os portugueses, ou mesmo com os espanhóis acaba por ser mais fácil, mas toda a gente falava com toda a gente. Primeiro com o mister Carvalhal, e depois com a chegada do novo treinador, que também era espanhol, aquilo tudo teve de se ambientar um pouco para uma língua mais familiar, e então acho que o ambiente também ficou muito bom.

Falou, por exemplo, do Chiquinho, do David Carmo, que naquela altura também tiveram de sair de Portugal e procurar uma nova oportunidade. Como vê a maneira como eles agarraram essa oportunidade?

A verdade é que nós os três, em três clubes portugueses diferentes, saímos se calhar cada um com o seu problema, digamos assim. Eu na altura não estava a jogar tanto, o Chiquinho também não, o Carmo é a situação que se sabia. E a verdade é que acredito que demos uma chapada de luva branca a muita gente. E também quando não se sente é porque algo está mal, e nós sabíamos que tínhamos de fazer com que resultasse para que as pessoas também se calhar nos dessem um bocadinho mais de valor, é mesmo assim.

No final do jogo dedicou o troféu a quem não tinha acreditado tanto em si. Queria desafiá-lo, com esta capa do jornal A BOLA: isso não era para nós, pois não?

Capa do jornal A BOLA de 15 de agosto de 2016, depois de André Horta ter marcado na 1ª jornada da Liga, frente ao Tondela.

Não, não [risos].  Atenção, esta capa é no dia a seguir aos anos da minha mãe, isto foi depois de eu ter marcado… Eu acho que marquei o golo a 13, e os anos da minha mãe são a 14 de agosto, e depois a 15 vocês fizeram isto. Mas eu gosto disto, começo da época, estou fora do menino de Almada, gosto das origens da margem sul.

Foi um desabafo?

Não, não foi um desabafo. Eu depois fui ver para trás e a Sport TV estava com problemas de comunicação na altura em que eu vou falar… O que aconteceu foi: eu começo a falar, há uns problemas de comunicação, e eu dedico à minha família, aos meus amigos, à minha namorada… Expliquei a mudança que eu e ela tivemos a meio do ano, fomos os dois sozinhos para um país novo, numa época que não estava a correr tão bem… Agradeci a toda a gente que acreditava em mim e as minhas palavras foram «e como nós na vida temos um bocadinho de tudo, quero dedicar também a quem não acredita», porque foi também esse lado que me fez mudar. E pronto, quem não acreditava, que acredite um bocadinho mais.

«Carvalhal pediu-me desculpa por me ter trazido para o Olympiakos»

Vocês os três chegaram ao Olympiakos muito pela mão de dois portugueses: Pedro Alves [diretor desportivo] e Carlos Carvalhal. Mas passado pouco tempo eles saíram. Sentiu que de repente tinha de provar ainda mais o que valia?

Sim, claro que sim. Depois da saída do mister Carvalhal e até à entrada do [José Luis] Mendilibar, nós temos um jogo pelo meio em que eu fico de fora. Quem assumiu a equipa foi o treinador dos sub-19, que acabou por ganhar depois a Youth League, e ele deixou-me de fora. Aí eu pensei: «Ok, isto se calhar não vai correr tão bem…». Fiquei um bocadinho mais ansioso de perceber «então eu mudei para jogar e para melhorar e isto quer dizer que vai ser tudo ao contrário…». E houve ali uns dois, três dias, até ao primeiro jogo do novo treinador, a tentar perceber o que é que se ia passar. Felizmente depois acabou por correr tudo bem e o resto acabou por ser história.

Nesses dois, três dias recorreu a Carvalhal? Depois de ele sair falou mais alguma vez com ele, para perceber o que é que aconteceu, se isso punha em causa a sua estadia no Olympiakos?

Não. Nós falámos o normal. O mister fez algo que não tinha de fazer, que foi pedir-me desculpa. Claro que ele não tem de me pedir desculpa por nada, aliás eu agradeço-lhe ainda hoje de coração ele ter-me levado, porque sabia que era algo que eu também queria. E mesmo que ele tenha deixado de ser o treinador, aquilo depois eu é que tenho de trabalhar para mim, para ter as minhas oportunidades, ou seja, não podia encostar-me só porque ia para um clube onde o treinador me queria, e eu já não tinha de fazer mais nada… Isso não funciona ali, nem em lado nenhum. Ele passado uns dias pediu-me desculpa por me ter trazido e pelas coisas se terem desenrolado dessa maneira, mas tal como lhe respondi na altura, digo-lhe agora: não tem de pedir desculpa por nada, era algo que eu queria. Fico muito feliz e lisonjeado, porque ele foi o primeiro treinador que trabalhou comigo e quis voltar a trabalhar. É sinal que devo ter feito alguma coisa bem. Conhecendo-o como o conheço, sei que ele não liga só à parte futebolística, liga também à parte humana, o que também acaba por me valorizar um bocadinho mais e ficar contente com isso. Por isso, eu do mister Carvalhal só tenho a dizer coisas boas.

E com o novo treinador, o que aprendeu nestes meses?

O mister Mendilibar é uma personagem muito engraçada. Espanhol, de 63 anos, muito enérgico, muita intensidade no treino. Ele quando chegou não era muito aquele treinador de reuniões, de vídeos… Era mais um treinador de campo, de correr, de pressão. Basicamente ele tirou-nos alguma responsabilidade, não nos quis dar muita informação. Explicou-nos como é que queria defender, ou seja, a maneira como queria que nós pressionássemos, como equipa grande, pressionar muito em cima, correr muito… E isso eu também, não sei se algum dia vou ser treinador, mas é algo com que eu me identifico. Com o passar dos anos e com a experiência que vamos ganhando, e eu gosto de ir pensando o jogo e de ir percebendo quais são as maneiras de se poder ganhar jogos, há algo que é sempre constante, sempre que eu penso nisto, que é: normalmente, quando se corre mais do que o adversário estás mais perto de ganhar. Não é atletismo, não é isso que eu estou a dizer, aliás quem me conhece sabe que eu prefiro jogar com a bola do que sem ela. Quando eu digo correr, não estou a falar só de correr atrás da bola, é correr mesmo com a bola, ou para dar as linhas de passe ao teu colega, o que for, mesmo com a bola tu precisas de correr.

É mais Klopp do que Guardiola, é isso?

Não sei, não sei bem… Posso ser ali uma mistura dos dois (risos). Uma vez o Bernardo Silva disse que a maneira que eles jogam precisam de correr muito, e a maneira de o Guardiola jogar, como se sabe, é toque, toque, toque, toque. Só que para haver esse toque e para parecer que eles têm tantas linhas de passe, os jogadores têm de correr muito. Nós na televisão parece que eles estão sempre paradinhos no mesmo sítio, mas não é assim. Pronto, e então basicamente o treinador foi muito: «Vamos defender desta maneira, pressionar assim…» Focava-se muito em roubar bolas no último terço, porque estamos mais perto da baliza. Era o que ele dizia: «Eu prefiro defender à frente, porque se roubarmos aqui estamos muito mais perto do golo.» E ofensivamente dava-nos muita liberdade, não tínhamos um padrão, ou jogadas-padrão que ele queria. Ele sabia que o jogo tinha vários momentos, eu acho que ele sabia também que tinha jogadores inteligentes para executar, e então dava-nos um bocadinho essa responsabilidade de lá dentro acabar por criar. Mas no momento defensivo, ele não facilitava. Os treinos também eram muito à volta disso: pressão, reação à perda, roubar bolas no último terço... Principalmente nas provas europeias, eu acho que as equipas têm a tendência de ir um bocadinho diferentes do que são nas suas ligas. Não vão inibidas, mas vão mais no sentido de perceber o que é que pode dar o jogo, vão-se estudando um bocadinho. E ele não queria muito isso, ele queria que nós chegássemos, seja contra quem fosse, em que estádio fosse, e corrêssemos, corrêssemos, pressionássemos. E é sempre igual. Umas vezes resulta, outras vezes não resulta. Contra o Maccabi não resultou em casa, mas depois contra o Aston Villa, fora, resultou.

Liga com playoffs? «Podia ser um formato a experimentar...»

A liga grega tem um modelo diferente do que estava habituado, primeiro fase regular, depois play-offs. Gostou desse modelo? Acha que fazia sentido em Portugal?

Eu gostei muito. Era algo que podia implementar-se em Portugal, porque vejo muitas vezes as pessoas dizerem que o campeonato não é tão competitivo, algo com que aliás não concordo. É verdade que os três da frente acabam sempre por estar lá em cima, mas sinto que as equipas hoje em dia, as chamadas pequenas, já são mais bem orientadas, já criam mais dificuldades. Claro que os outros vão ganhar mais vezes, porque têm melhores jogadores, melhores individualidades… Mesmo que num jogo, taticamente, uma equipa mais pequena se consiga igualar, depois as individualidades em princípio vão fazer a diferença. Eu sinto que os jogos acabam por estar mais competitivos, mas ouço muita gente a dizer que 18 equipas para um campeonato em Portugal é demasiado, que vai pouca gente aos estádios, temos jogos a mais, horários… O campeonato lá na Grécia são 14 equipas, ou seja, estamos a retirar 4 equipas, na fase regular, e depois os primeiros 6 passam com os mesmos pontos. Aqui em Portugal podia ser engraçado, porque íamos ter mais jogos grandes, que é o que eles lá têm também, íamos ter se calhar mais audiências, mais adeptos no estádio. Acho que íamos se calhar ter uma liga que girava mais à volta dos jogos grandes, mas eu acho que também é isso que nós pretendemos. Não é tirar as equipas ditas pequenas, digamos assim, mas acho que podia ser um formato a experimentar, pelo menos para perceber o que é que poderia dar.