Crónica do Benfica-Rangers: e quando o coelho não sai da cartola...
Foto Miguel Nunes

Crónica do Benfica-Rangers: e quando o coelho não sai da cartola...

FUTEBOL07.03.202423:42

Benfica sofreu golos inusitados em momentos-chave; João Neves e a equipa reagiram, mas não apareceu magia; eliminatória ao alcance

No dia em que um benfiquista não ficar extremamente irritado com um jogo destes e um resultado destes, procurando invocar o azar e oportunidades de golo não concretizadas para vencer o Rangers (foram duas, na verdade), então algo irá muito mal no reino encarnado.

A equipa de Roger Schmidt caminha sobre brasas e isso viu-se desde o primeiro minuto. Ou melhor: percebeu-se antes do primeiro minuto, quando o nome do treinador foi assobiado ao ser anunciado no sistema de som do Estádio da Luz.

O Estádio da Luz, precisamente, tem um tribunal feroz, e também foi disso que se fez a grandeza do Benfica. Os jogadores, em campo, não esconderam o incómodo de caminhar sobre as tais brasas, bem incandescentes, e sob o olhar dos quase 50 mil presentes nas bancadas. Aos sete minutos sofreram um golo quase inacreditável do ponto de vista defensivo, com toda a gente a olhar o céu e Lawrence, letal, a olhar para a bola que vinha alta de um cruzamento quase aleatório e a dar-lhe o caminho da baliza.

A reação não foi brilhante, mas foi briosa. Com um denominador comum, chamado João Neves. É cada vez mais impressionante a omnipresença do médio do Benfica. A determinada altura fez de Beckenbauer e apareceu a construir jogo entre os centrais. Parecia uma decisão tática, mas o resto do jogo dir-nos-ia que não — foi circunstancial porque não mais aconteceu.

Foi na primeira parte, ainda assim, que o Benfica criou as duas oportunidades de golo: aos 14 minutos, João Neves rematou, Butland defendeu e Arthur Cabral deveria ter feito melhor na recarga; aos 43’, João Neves (já tínhamos falado nele?) rematou de novo, desta vez com grande estrondo, e Butland defendeu outra vez.

O Benfica empatou em cima do intervalo num penálti de VAR (formalmente correto, mas que ninguém tinha visto no estádio). Ainda assim conseguiu adormecer de novo na defesa e sofrer o 1-2, o que constituiu uma segunda pedra de gelo neste scotch indigesto. Ainda por cima com Trubin a ficar mal na fotografia, ele que tem saído das últimas semanas encarnadas como herói justamente cantado.

A equipa de Schmidt entrou para a segunda parte consciente da obrigação de virar o jogo. Empatou, é certo. Num livre batido para a área e com um cabeceamento azarado de um defesa do Rangers.

Claro que o Benfica teve mais bola, claro que se aproximou da área escocesa. O Rangers pouco mais arriscou, até porque iam faltando forças aos poucos reais talentos (em comparação com o Benfica) que tem na equipa.

Tudo espremido, na segunda parte, e por mais que os calções brancos de João Neves com camisola por dentro continuassem a destacar-se entre aquela gente toda, sempre num virote, o Benfica não criou mais do que um lance de relativo perigo na área no qual Di María, contra todas as probabilidades, decidiu mal e chutou para fora.

Na maioria das ocasiões Di María decide bem (mais um penálti marcado de forma fria e exemplar). Sabemos que Rafa é jogador capaz de decidir numa explosão de velocidade; Neres também, num número de magia só ao alcance daquela ginga brasileira que ele trouxe para o nosso campeonato.

Sabemos que Arthur Cabral marca até de calcanhar e Marcos Leonardo tem um pé quente como poucos, tão pouco que jogou e tanto (à proporção) que já marcou.

O problema é quando nenhum coelho sai da cartola. E ontem (e nos dois jogos anteriores) não saiu.

João Neves corre para cima e para baixo, resolve com classe atrás e coloca com critério na frente, acreditando que um dos mágicos fará magia. Acontecerá muitas vezes, claro, porque são mesmo mágicos. Mas parece curto para um Benfica, que — é bom lembrar — luta em todas as frentes. Há muito que se reclamava Florentino no miolo encarnado, mas a verdade é que muitos terão ficado a pensar em João Mário e/ou Kokçu.

O Benfica é melhor que o Rangers e vai ter de prová-lo para a semana.