Nos Pinheirinhos cresceu um gigante chamado Diogo
Adílio Pinheiro treinou Diogo Costa no Ringe (Foto: A BOLA)

Nos Pinheirinhos cresceu um gigante chamado Diogo

SELEÇÃO03.07.202408:00

A BOLA foi até ao pequeno relvado sintético na Vila das Aves que viu nascer o herói português em Frankfurt; um rapaz «reservado» que «só queria marcar golos» é já «o melhor do mundo» na posição e «um orgulho» para a região, garante Adílio Pinheiro, seu primeiro treinador

Gigante, enorme, muralha, parede, muro, intransponível… herói. Foi essa a capa que Diogo Costa vestiu na segunda-feira, frente à Eslovénia, para rejubilo de toda a nação lusa, com uma exibição que ficará para sempre escrita a ouro nas páginas do futebol português.

A BOLA fez uma viagem às origens do guarda-redes que anda nas bocas do mundo. Foi a escolinha dos Pinheirinhos, da modesta Associação De Moradores Do Complexo Habitacional De Ringe, localizada na Vila das Aves, que viu o pequeno Diogo dar os primeiros passos no futebol.

Nascido na Suíça, o jovem mudou-se cedo com a família para Portugal, e desde logo se percebeu que o que queria era jogar à bola, mas não como guarda-redes.

Quem o garante é Adílio Pinheiro, seu primeiro treinador e grande mentor jovem na zona, que tem por hábito colocar todos os jovens jogadores a experimentar defender as redes: «Comigo todos passam pela baliza, porque pode ser que tenham essa aptidão. O Diogo só queria marcar golos. Eu disse que ele podia, mas que também tinha de ir à baliza uma vez ou outra. Ele foi para casa e contou ao avô a chorar que não queria ser guarda-redes. Eu disse que queria que ele viesse porque é um miúdo porreiro, toda a gente gosta dele. No dia seguinte, apareceu-me aqui equipado à guarda-redes. ‘Eu não me atiro para o chão’, disse ele. Eu respondi que ele não precisava, só de se meter à frente da bola. Depois, começou a gostar cada vez mais, mas ao início só queria jogar à frente, ele gostava muito de marcar golos. Aliás, no primeiro torneio que fizemos, ele jogou a guarda-redes e foi o melhor marcador da prova. Já tinha um pontapé forte e certeiro, o que ainda se nota hoje em dia. Não perdeu nada do que tinha e ganhou muito mais ainda.»

«Reservado» e «muito humilde» são características que o treinador aponta ao jovem guarda-redes, que considera ser o melhor do mundo: «O Diogo era reservado, falava pouco também para não errar. Muito senhor de si, muito consciente. Costuma-se dizer que é preciso ser-se maluco para se ser guarda-redes, mas eu nunca acreditei nisso. Tem de ser inteligente, esperto. Além disso, o Diogo sempre foi muito humilde, o que é muito importante. Para mim, já era o melhor do mundo, mas agora também vai começar a ser para mais pessoas.»

O treinador revela ainda uma conversa que teve com o guardião dos azuis e brancos, na qual percebeu que uma saída dos dragões só acontecerá se for vantajosa para ambas as partes: «Ele contou-me, o ano passado, que apenas sai do FC Porto se existir uma proposta muito boa para ele e para o clube. Ele está muito feliz onde está. Nunca irá atrás do dinheiro.»

O jogo diante de Portugal diante da Eslovénia, como é habitual, viu-o sozinho: «Prefiro assim para me poder exprimir e não chatear ninguém. Quando chegámos aos penáltis, pensei logo que o Diogo ia defendê-los todos.»

«É tudo muito bonito agora, mas as pessoas não imaginam aquilo por que eles passaram, os miúdos e os pais. As primeiras pessoas a quem eu dei os parabéns ontem [segunda-feira] foi aos pais do Diogo. Mandei-lhes um abraço e disse-lhes que sei o que passaram. Leva o miúdo ao FC Porto e fica cá fora enquanto eles estão a treinar. E o Olival ainda é muito longe daqui.»

COMO DIOGO… VITINHA

Vitinha também deu os primeiros passos na modesta associação

A pequena academia envolta num pequeno bairro nas Aves pode gabar-se de ter contado com dois dos maiores talentos da atual Seleção portuguesa. É que, além do jovem guardião, também Vitinha deu os primeiros passos no futebol naquela associação. Menos de cinco meses separam o nascimento dos dois: «O Vitinha estava no Aves, num torneio no Algarve. Falei com o pai, e quando regressou, veio treinar connosco. Tenho uma história muito interessante com a família do Vitinha. O avô dele foi meu treinador e depois joguei com ele nos seniores do Aves. Portanto, é uma ligação muito forte àquela família. Éramos vizinhos, todos nos damos muito bem. Tanto o Vítor como o Diogo são dois miúdos espetaculares, eles costumam ligar-me ainda. Nós ajudámos um bocadinho, mas o mérito é deles», vinca.

Por pouco, explica, o Ringe não recebeu qualquer valor pelas saídas de Diogo Costa e Vitinha, nomeadamente para a escola do Benfica do Prado. «Nesta região ninguém treinava. Só nós, o Hernâni Gonçalves e o Braga Fut. Tínhamos escolinha montada. Depois, nós aqui no Ringe criámos um campeonato nosso, a Liga Mini do Futuro. Como os meninos não tinham competição nessa altura, só a partir dos oito anos, decidimos criar essa liga e jogámos com todas as associações, não só a AF Porto. Jogávamos com o Vizela, com o Moreirense, com o Paços de Ferreira, com o Vitória de Guimarães, com o Taipas… aqui as equipas à volta participavam todas. Por um bocadinho, não recebemos nada do Vitinha nem do Diogo, porque quando foram para o Benfica, ainda não tinham sido inscritos na Federação. Agora, se recebêssemos meio por cento de cada um deles, comprávamos isto tudo. Eles vão-nos ajudando, mas oficialmente não recebemos nada dos clubes.»

«Agora fechámos um protocolo com o Aves SAD, e por cada miúdo que for para lá, vamos receber a nossa percentagem. Também nos deixam jogar no complexo deles. Fizemos agora um contrato muito bom e é exatamente isto que eu queria: sermos um satélite do Aves. Nós formamos muito bem, os miúdos saem daqui a saber as leis do jogo», frisou Adílio Pinheiro.

«Não foi fácil ao início chamar os miúdos para virem treinar aqui. Toda a gente tinha um pouco de receio de entrar aqui nos apartamentos. O bairro era conhecido como Iraque, mas agora é o Ringe», explica, ainda, sobre as origens da escola de futebol.