Seleção Marcelo Rebelo de Sousa: «Ponham qualquer político português a falar e é bom nem saber a audiência que teve»

SELEÇÃO03.08.202323:50

O Presidente da República fez uso da longa experiência de professor e dos 74 anos de vida, para elogiar e moralizar as 24 jogadoras da Seleção Nacional de futebol feminino que, acabadas de regressar a Lisboa ao final da manhã desta quinta-feira, depois de se despedirem do Campeonato do Mundo da Austrália/Nova Zelândia na fase de grupos, foram ao Palácio de Belém, à hora do almoço.

Se à entrada estavam sérias e pouco expansivas, no final dos quase 12 minutos de discurso com que Marcelo cumpriu o prometido a 10 de julho, na despedida da comitiva rumo ao Mundial, sorrisos e semblantes bem mais descontraídos já sobressaiam dos rostos das jogadoras.

«Eu disse que vos recebia aqui. Dir-me-ão, ‘mas não preferia receber-nos mais tarde?!’ Preferia, mas mais cedo ou tarde receberia sempre. Porque começou, com a vossa presença na Nova Zelândia, a vitória no próximo Campeonato da Europa e depois no Campeonato do Mundo», assegurou Marcelo Rebelo de Sousa às jogadoras, equipa técnica e ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, volvida hora e pouco de aterrarem em Lisboa, termino da viagem de mais de 24 que trouxera a todos da Nova Zelândia, com escala no Dubai.

«Recebi-vos, independentemente de terem ido mais longe ou mais perto. Lembro-me sempre de imensa gente que, na política, não me recebeu quando perdi eleições, mas estavam todos quando cheguei a Belém. Recebo-vos na altura em que não atingiram, por um triz, a meta que desejávamos, para ter autoridade moral para vos receber da próxima vez. Foi ou não foi?! Têm a noção de que são as melhores?! Jogaram com o que havia de melhor, jogaram melhor, são melhores! Não aconteceu. Um poste impediu que isso se traduzisse em… [golos] E depois?! São as melhores!», elogiou, na mesma Sala das Bicas onde, na véspera, o papa Francisco deixara louvor ao País no Livro de Honra da Presidência da República, a propósito do percurso da equipa na fase de grupos do torneio.

Iniciado com derrota por 1-0 com os Países Baixos, seguida de inédita vitória (2-0) frente ao Vietname com os tentos históricos de Telma Encarnação e Kika Nazareth, para terminar com empate sem golos (0-0) diante dos Estados Unidos que tiveram no poste esquerdo o melhor elemento para evitar que a bola de Ana Capeta a ele atirada se convertesse no golo de sonho para os oitavos de final de Portugal, e da humilhação para a fraquíssima prestação da equipa bicampeã do mundo.

A PARECEREM CAMPEÃS DO MUNDO

«Tinha-vos pedido que fizessem tudo, mas mesmo tudo, para tornar o impossível, possível. E fizeram tudo. Mostraram qualidade, jogaram melhor que a Holanda, melhor que o Vietname e melhor que os EUA. Depois pedi mais do que garra, para darem tudo, mas mesmo tudo, para além de tudo. E deram, no primeiro, no segundo e no terceiro jogo. Dirão ‘mais no último do que nos dois primeiros’. Não, deram em todos e foram três grandes jogos. No primeiro houve um golo fortuito no pior momento, mas não jogaram apenas de igual para igual. Em longos momentos jogaram de superior para inferior. Não aconteceu surgir um golo, como na nossa vida acontece muitas vezes. No segundo jogo podiam ter sido 10, ou 8, ou 7, ou 6-0. Com um bocadinho mais de sorte, de acaso, de isto ou aquilo… foi um domínio claríssimo. E no terceiro quem parecia campeã do Mundo era a nossa equipa. Porque as outras limitaram-se a gerir o tempo morto, mesmo as consideradas melhores e a melhor jogadora do Mundo. Bastava ler-lhes a linguagem gestual», prosseguiu Marcelo a análise.

Sempre virado para a extensa comitiva à sua frente - sem Maria Alagoa e Joana Martins, mas reforçada, já em Belém, do vice-presidente da FPF, Humberto Coelho -, sob sorrisos cúmplices da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, e do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, ao seu lado esquerdo.

«Quem estava aflita era a equipa norte-americana e vocês confiantíssimas. Depois, como foi dito, o poste nunca está, em momentos cruciais, onde deveria. Umas vezes bate e entra, outras bate e volta… foi o caso, bateu e voltou. Também acontece muitas vezes na vida. Tudo isto para vos dizer que foram verdadeiramente excecionais. Um milhão e 400 mil pessoas às 8 e meia da manhã [a verem o jogo pela televisão] é uma coisa que eu nunca teria mesmo na minha melhor forma televisivamente, em que cheguei a ter dois milhões e tal, quase três milhões, mas na melhor hora da noite! Às 8 e meia da manhã ninguém tem um milhão e 400 mil. Ponham qualquer político português a falar e é bom nem saber a audiência que teve! Inclusive, o Presidente da República…», continuou o Chefe de Estado a avaliação briosa à equipa e ao recorde de audiência do jogo com os EUA, mas também crítica para com a sociedade.

PAÍS DEFINITIVAMENTE CONQUISTADO

«O País estava e está mobilizado. Vocês conquistaram definitivamente o País! Para vocês e a vossa causa, a causa da mulher no futebol, da mulher no desporto, da mulher na sociedade portuguesa. Está conquistado! Dos mais machistas e menos machistas aos mais marialvas dos marialvas, para usar a terminologia do José Cardoso Pires. Por isso eu digo, começou o amanhã. E o amanhã chama-se Campeonato da Europa. Infelizmente não há campeonato do Mundo de dois em dois anos. Mas já começou», garantiu.

«Agora é para isso que tem de olhar. Estiveram a um milímetro do vosso objetivo de ir mais longe, mas fizeram a rodagem toda para que isso acontecesse no próximo campeonato. E estarei feliz por ainda aqui estar, porque seria uma injustiça ter de ver o meu sucessor a ter essa alegria, por muito que goste do sucessor que os portugueses venham a escolher. Neste momento seria difícil que pudesse ser eu a assistir à entrega da Taça, mas daqui a dois anos sou eu, sem dúvida alguma. Não vou estar longe como desta vez estive de estar», confiou o Presidente, aludindo à visita papal e aos compromissos das Jornadas Mundiais da Juventude que por estes dias o retêm em Lisboa, já com as Navegadoras rendidas às suas palavras, não fosse a longa viagem prontas a voltar ao treino.

OLHOS NOS OLHOS E SEM MEDOS

Porque a confiança e a vontade de fazer mais e melhor, como se percebeu das palavras da capitã, Dolores Silva, essas, estão mais do que ganhas.

«Ficámos a um golo e a um poste de tornar possível o impossível. Mas acima de tudo fica o que demonstramos dentro de campo no primeiro jogo, no segundo em que conseguimos uma vitória histórica e neste último em que olhámos olhos nos olhos as bicampeãs Mundiais, sem medo algum, a acreditar que era possível mais uma vez fazer história. Unidas enquanto grupo que é o que caracteriza muito esta equipa, que foi lá representar – bons entendedores perceberão… – sem dúvida alguma, todos os portugueses. Todos eles olham hoje para nós de forma mais respeitosa, com mais dignidade e crença de que o futebol feminino é capaz de alcançar grandes feitos. Sem estas navegadoras seria impossível demonstrarmos que podemos inspirar todas aquelas meninas que hoje olham para nós e que sonham um dia chegar aqui. É possível, acreditem, Portugal tem muito talento, basta sermos nós próprios», expressou a médio de 31 anos.

Também a primeira a receber os calorosos pares de beijos ou cumprimentos com que Marcelo brindou cada jogadora ou elemento técnico, reconhecido.

«Muito obrigado em nome de milhões e milhões e milhões de portugueses e sobretudo portuguesas. Porque o que fizeram por todas as portuguesas não tem preço. Elas, no fim do vosso percurso, tinham mais 60 centímetros do que os homens mais próximos, de orgulho do papel da mulher no futebol e na sociedade portuguesa. Quem lhes deu esse sentido de orgulho? Vocês! Muitos beijinhos e deixem-me incluir a equipa técnica, que é fundamental. E vamos tirar a ‘selfie’, porque é a ‘selfie’ que prenuncia a vitória no campeonato da Europa…»