Viver ou sobreviver?...
Não tenhamos medo de rupturas com preconceitos [...] Sem poder financeiro não vamos a lado nenhum...
SEI que hoje não vou agradar a muita gente, mas também nunca tive na vida o objetivo de agradar a gregos e troianos, muito menos quando estou a dar a minha opinião, no uso do meu direito de livre expressão e pensamento.
Ainda não transigi no pensamento que defendo há muito, e defendi nas duas campanhas para a presidência do Sporting, em que não era politicamente correcto defender determinadas ideias, pelo que não era agora, quando os factos me dão razão, e não tenho qualquer ambição para cargos executivos no clube ou na sociedade anónima desportiva, que aliás já pouco se distinguem para além da natureza jurídica, que iria abdicar de sustentar que é hora de escolher se o Sporting Clube de Portugal quer viver como o Visconde de Alvalade nos designou ou se nos queremos acomodar a uma sobrevivência humilhante, em que vendemos os anéis para ficarem os dedos sem objetivos definidos, como seja conquistar títulos.
Aqui sim, estou a falar da sociedade anónima desportiva Sporting SAD, para a qual julgo ser válido o desígnio de José Alvalade - ser um dos maiores clubes da Europa.
Diz a marcha, que a Maria José Valério imortalizou, que o Sporting nasceu um dia, sob o signo do leão, que nós aprendemos a amar e a trazer no coração. Mas essa marcha, que continua a saudar a entrada em campo da nossa equipa profissional de futebol, o principal activo da sociedade anónima desportiva Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, inclui esta mesma no seu espírito, mas é bom que ao coração se junte alguma razão, sob pena da rapaziada deixar de cantar que a vitória será nossa. É bom pensar que o Sporting nasceu sob o signo do leão e que a SAD nasceu também sob o mesmo signo, mas se naquele se podia gritar quer se possa ou se não possa, a vitória será nossa, é preciso perceber que nesta, se não houver poder financeiro, o mais certo é que nem sempre a vitória poderá ser nossa, e muito menos será sempre nossa.
O verde é esperança sem fim e trazemos muita fé no coração, mas importa hoje puxar pela razão, para que a canção que vem dos nossos avós e que cantámos como netos, continue a ser cantada pelos netos dos avós de hoje.
Irrita-me profundamente que estejamos a discutir a sobrevivência do nosso futebol, quando deveríamos discutir como viver em glória. Irrita-me que estejamos a discutir o salário dos administradores, quando o que deveríamos estar a discutir é qual o seu projecto desportivo e financeiro para a SAD, porque viveremos em breve alterações importantes nas competições europeias, designadamente na Liga dos Campeões, a que provavelmente não teremos acesso este ano, com impacto nos tempos mais próximos. Discutir salários é quase uma conversa de pátio, sintoma de uma pelintrice que é quase instituição nacional. Por amor de Deus, discutam o que é essencial, isto é, qual é o projecto de desenvolvimento da SAD, e então sim, discutam o que se deve pagar aos administradores para o desenvolverem. Enquanto se falar apenas que o projecto é vender jogadores para pagar despesas correntes, de tesouraria, então não são precisos tantos administradores a ganhar, pouco é certo, mas demasiado para o objetivo.
Irrita-me hoje jornalistas e comentadores, encartados ou cartilhados, falar com um ar condoído sobre a necessidade de vender do Sporting, ao mesmo tempo que se apregoam lucros num semestre e se constata a realidade de um quarto lugar e a ausência da Liga dos Campeões.
E mais que irritar, desanima-me que se discutam os salários dos administradores, como se isso fosse um projecto ou o futuro do Sporting ao mesmo tempo que se põem no mercado os nossos maiores valores futebolísticos!
Peço desculpa aos dirigentes do Sporting, mas gostaria de saber porquê e para quê querem aumento de salários? Tenho muito respeito pelos vossos direitos e interesses, mas como sócio do Sporting interessa-me que me digam antes o que vão fazer, qual o projecto e, designadamente, para quê esta percentagem toda na SAD? Para sermos donos dela apenas, mas continuarmos a viver como pelintras?!!!
É tempo, senhores dirigentes, de discutirmos o que é importante e decisivo para viver o futuro, para definirmos opções e estratégias, termos influência e orientar políticas. Não tenhamos medo de rupturas com preconceitos e enfrentemos os tempos com inteligência. Sem poder financeiro não vamos a lado nenhum. É preciso encontra-lo, enquanto possuímos um prestigio conquistado no passado grandioso, de outro tempo e noutro tempo.
Rapaziada, do meu tempo e de todos os tempos: pensem nisto para que a vitória possa ser nossa!...
«Manuel João era generosidade e genuinidade, sagacidade, amizade, malandrice...»
MANUEL JOÃO
BEM escreveu o José Manuel Delgado, com quem falei muitas vezes, e havemos de continuar a falar, sobre o nosso comum amigo Manuel João, que era impossível não gostar dele. De forma magistral, Delgado traçou o seu perfil a propósito do seu falecimento: «Despede-se uma parte irrepetível do dirigismo desportivo. Um estilo que Mário Zambujal classificaria de ‘bom malandro’!»
Não era só impossível não gostar dele, como não ficar amigo dele. Eu fiquei seu amigo, como sei que ele era meu amigo. Conhecemo-nos no futebol, nas reuniões entre clubes, almoçamos e jantamos muitas vezes juntos, em Lisboa, em Portimão e em muita outra parte, designadamente, na Estrada para o Luso, na Churrascaria do Rocha, onde degustávamos muitas vezes leitão, a recomendação de outro amigo comum, o meu Presidente João Rocha que também gostava muito dele, como aliás todos os presidentes daquele tempo de conquistas comuns para os clubes. Manuel João não foi apenas um bom presidente do Portimonense, foi um dirigente com relevantes serviços prestados ao futebol português, ainda que de forma discreta e despercebida, como pedia a sua humildade. Era um homem não apenas esperto, mas inteligente e com grande jeito para angariar a amizade.
Vou contar duas histórias, que me ficaram na memória e não mais esquecerei.
A primeira, foi num verão dos anos noventa, em que eu pedi ao Manuel João para me recomendar um restaurante em Portimão, onde se pudessem comer umas sardinhas ‘não para turistas’, para mim e minha irmã Manuela, e respectivas famílias e um grupo grande de casais amigos (sobretudo da minha irmã), uma coisa para mais de vinte pessoas. O Manuel João disse logo que sim, que ia marcar um restaurante, e combinamos o encontro à porta do Hospital de Portimão para ele nos conduzir até lá. Chegados ao ponto de encontro, passamos a seguir o carro dele e quando demos por nós estávamos na sua vivenda para um verdadeiro banquete de sardinhas assadas, por uma assador daqueles que trabalhava debaixo a ponte, e não só. Toda gente ficou encantada com a simplicidade com que o Manuel João nos recebeu e sei como todos os convivas não mais esqueceram essa fantástica noite de bem comer e melhor conviver. Perante os agradecimentos , o Manuel João limitou-se a dizer, que a família e os amigos do doutor Dias Ferreira também eram família e amigos dele. Uma sinceridade comovente.
Em outra ocasião, organizou comigo outra sardinhada (com sardinhas e assador vindo expressamente do Algarve) numa quintinha da minha família, em Mem-Martins, para o Grupo Stromp, a que se juntou o então Presidente Sousa Cintra. Outra tarde de excelente convívio, em que nos deleitamos com umas belas sardinhas e histórias da arbitragem contadas pelo Manuel João. Recordo, aqui e agora, que foi ele que me recomendou ao árbitro Francisco Silva para o defender.
Outra faceta de Manuel João, enquanto Presidente do Portimonense e seu representante nas acções propostas contra o clube no Tribunal de Trabalho: a pedido dele eu era o advogado do Portimonense e assisti então à maneira mais curiosa que alguma vez assisti em tentativas de acordo antes do julgamento, que redundaram sempre em sucesso. O Juiz esclarecia o Manuel João sobre o pedido do jogador/autor da acção e, invariavelmente, o Manuel João respondia: «Sr. Dr. Juiz isso é o que ele pede, mas eu quero saber é quanto ele quer receber». Todos ríamos e, mais palavra menos palavra, o acordo estava feito!...
Parte do muito que havia a dizer foi dito pelo Delgado: da sua generosidade e genuinidade, da sua sagacidade e da sua amizade, da sua malandrice e da sua inteligência e, sobretudo, da dívida de Portimão para com ele.
Obrigado Amigo Manuel João por tudo o que aprendi contigo, nesses tempos que convivi contigo e que, infelizmente, não voltam mais. Fica-me a mágoa de há muitos anos não comer umas sardinhas contigo ou simplesmente tomar um café com dois dedos de conversa. Isto aumenta a saudade que tenho de ti, mas um dia nos encontraremos, sem futebol e sem sardinhas, para comentarmos o pós-Francisco Silva. As histórias não pararam... Até lá, descansa em paz!