Projeto, essa treta

Facilidade com que se despede os treinadores em Portugal diz mais sobre a qualidade de quem contrata do que daqueles que são despedidos

À velocidade com que as chicotadas psicológicas são produzidas pelos presidentes dos clubes em Portugal corro o risco de terminar este texto, que demorou (entre acertos e muitas interrupções pelo meio) hora e meia a ser produzido, e assistir ao despedimento de mais um treinador. Exatos 90 minutos, o tempo de duração de uma partida de futebol e que qualquer dia será a unidade de medida para avaliar a competência de um técnico. Caricaturalmente, é a esse ponto a que estamos a chegar: não vai demorar para que um profissional do treino e da gestão de atletas seja contratado a uma segunda-feira, faça uma semana de trabalho, perca o jogo de estreia no domingo e receba a guia de marcha no dia seguinte. Uma espécie de estágio curricular.

Não foi assim tão diferente o que aconteceu com Daniel Sousa no V. Guimarães, despedido ao fim de três jogos, o último dos quais diante do Elvas, para a Taça de Portugal. Para quem está de fora, parece ter sido mais uma daquelas decisões a quente, do presidente-adepto furioso por ter sido eliminado da prova rainha e não do presidente-gestor; para quem está mais por dentro, dirá que esta foi uma decisão necessária para compensar uma má decisão inicial, nomeadamente a contratação daquele profissional específico. Confesso que não sei qual delas será a pior: o líder que anda ao sabor do vento ou o presidente que primeiro contrata e só depois tenta perceber quem e o que contratou.

Só o tempo dirá se Daniel Sousa é a vítima no meio disto tudo ou terá o seu grau de culpa. Porque um treinador despedido pelos dois grandes do Minho (antes fora no SC Braga, após quatro jogos) na mesma época motivará naturalmente alguma desconfiança a partir daqui, mesmo que nada tenha feito para merecê-lo. Mas em sua defesa também poderemos dizer que Portugal tem duas classes de topo no futebol: jogadores e treinadores. Em média, são muito melhores que os dirigentes. E não apenas aqueles que são eleitos pelos sócios.

É assinalável, por exemplo, o silêncio da Associação Nacional de Treinadores sobre a forma como os elementos da tribo são sujeitos a situações que roçam a humilhação em contraste à forma enérgica como reage à contratação de treinadores sem o devido nível curricular, tal como assistimos nos casos de Ruben Amorim e João Pereira. E que por seu lado não haja a defesa de um sistema como o que existe em Espanha, em que os clubes não podem contratar um treinador enquanto não chegarem a acordo financeiro com o antecessor. Não evita despedimentos (não é esse o propósito), mas é pelo menos uma forma de acelerar a defesa dos direitos de quem exerce o cargo mais volátil que existe neste desporto. E colocar mais uns pingos de moralidade no processo.

Talvez isto fosse o suficiente para obrigar as direções dos clubes a serem mais racionais, preventivos e analíticos. No fundo, aquilo que os distingue (ou que devia distinguir) daqueles que estão na bancada. Mas pelo andar da carruagem a exceção será a regra: a qualidade geral dos jogos nesta época parece estar ainda mais baixa (os grandes têm contribuído para esta deflação) e mais vítimas estarão aí ao virar do próximo mau resultado.

Mais do que uma bola sem ar, a palavra mais vazia no futebol é projeto. Como diria Jorge Jesus, é tudo uma grande treta.