Vergonhoso
Parem todos para refletir, se fazem favor. E parem antes que seja tarde
TUDO o que eu possa dizer em nome da integridade dos árbitros será sempre interpretado como corporativismo. É sempre assim quando alguém tenta explicar, para fora, as dores que sentem os seus. O fenómeno não acontece apenas na arbitragem. A classe dos enfermeiros, jornalistas ou taxistas (entre tantas outras) defendem a sua dama quando sentem que os ataques de que são alvo ultrapassam a mera crítica técnica. Percebo perfeitamente. No meu caso, a leitura não me incomoda. De verdade. O que os outros pensam sobre mim não é problema meu, é problema deles. Estou particularmente à vontade: quando é para elogiar, elogio; quando é para criticar, critico. Acontece todas as semanas, há centenas de semanas, em vários espaços de análise onde faço o meu trabalho. O que nunca fiz (nem farei) foi confundir trigo com joio. Foi colocar em causa o caráter por causa de más decisões. Foi levantar suspeitas pessoais por erros de análise. Essa linha, a que separa competência de idoneidade, sempre esteve muito bem definida para mim. Mas a verdade é que não o está para muita gente. Aliás, para algumas pessoas ela quase não existe. E não existe porque há uma espécie de permissão tácita, instituída há décadas, para que se faça da crítica desportiva às arbitragens uma verdadeira caça ao homem. O que se está a passar agora - e que já aconteceu centenas de vezes no passado - define-se numa só palavra: vergonhoso!
É absolutamente vergonhoso o que o homem que é árbitro atura, suporta e engole nos dias que correm. E é vergonhoso primeiro para eles - que nunca tiveram a coragem de se juntar para dar um murro na mesa e dizer «basta» - como é para quem autoriza, por omissão ou inércia, que tudo isso aconteça. Pensem comigo, por favor: acham normal que dois árbitros internacionais - agentes imprescindíveis do jogo - tenham que ter, durante os últimos dois meses, segurança pessoal 24h/dia, garantida pela PSP? Acham normal que os filhos de alguns árbitros não possam ir à escola porque o risco de algo mau acontecer é grande? Acham normal que mães e pais de árbitros (muitos deles idosos e desfasados desta realidade) sofram represálias e ameaças devido ao trabalho dos seus filhos? Acham normal que algumas das suas esposas e familiares sejam ameaçados, incomodados e insultados em todo o lado? Mas o que é isto? Chegámos ao faroeste? Ou à selva? Isto não é Portugal? Este não é o futebol de um país democrático, civilizado e com regras instituídas?
Alguém achará normal que a resposta a tudo isto seja, por um lado, a aceitação cobarde por parte dos árbitros e, por outro, a falta de firmeza de quem tem responsabilidade na matéria? É este o futebol em que todos nos revemos? O tal que queremos a competir de igual para igual com os outros? Mas será que as pessoas andam bem da cabeça? Eu sei que esta coisa da arbitragem é uma valente pedra no sapato de muita gente, nas suas aspirações e relações. Temos pena, mas há mínimos. Se eu não quiser arranjar sapatos, não sou sapateiro.
Parem todos para refletir, se faz favor. E parem antes que seja tarde. Juntem-se, ponham tudo cá para fora e cheguem a compromissos éticos, responsáveis e duradouros, se faz favor. Isto não pode continuar assim. Não pode e não deve.