Uma questão de escolhas

OPINIÃO30.08.202107:00

Cristiano Ronaldo fez a sua e decidiu-se pela que parece ser a melhor hipótese. As de Fernando Santos discutem-se pelos motivos errados...

CRISTIANO RONALDO voltou a abalar o futebol mundial. Sentindo-se não desejado em Turim - e percebeu-se que seriam já poucos os que, na Juventus, o queriam de facto, a começar pelo treinador, Massimiliano Allegri, e terminando, aparentemente, em quem manda num clube que vai buscar um técnico que (e não pôde ser novidade para os dirigentes da Vecchia Signora) não contava com a principal estrela da equipa, com o jogador mais bem pago do plantel… - bateu com a porta e foi à procura de um sítio onde, efetivamente, o quisessem. Não está, esta liberdade, ao alcance de todos. Decidir onde se quer jogar é um estatuto que só os verdadeiros génios atingem. Génios como é, ninguém tem dúvidas disso, Cristiano Ronaldo.
E, convenhamos, não lhe faltava por onde escolher. Sim, é verdade que não há, na Europa, muitos clubes que pudessem pagar-lhe, sequer, um salário próximo daquele que recebia na Juventus. Mas, mesmo esquecendo que facilmente poderia ganhar tanto ou mais noutros mercados, como os Estados Unidos ou a China (seria um crime lesa-futebol, mas se Cristiano pensasse apenas no dinheiro seriam, decerto, hipóteses...), a verdade é que lhe bastava haver um para estar à vontade. E havia, como se sabe, mais do que um desses grandes clubes europeus capazes de pagar salários que equivalem, a nós comuns mortais, a ganhar o Euromilhões uma vez por ano dispostos a pagar o suficiente para que Ronaldo os considerasse como uma possibilidade para prosseguir a sua brilhante carreira. PSG, Real Madrid, Manchester City, Manchester United e, se calhar, alguns outros que, tendo o sonho e a capacidade de contarem com o capitão da Seleção Nacional, não ousaram, sequer, revelá-lo em voz alta.
Não sei quantos terão, efetivamente, chegado a avançar com uma proposta concreta para ter Ronaldo. Sabe-se que o City o queria. Esteve assim tão próximo de consegui-lo? Talvez. Mas sempre me pareceu, sinceramente, difícil que Cristiano Ronaldo se mudasse para Manchester para vestir outra camisola que não a do United. Primeiro por Cristiano Ronaldo, pela história que tem no clube, pela amizade que tem por aquelas que são as grandes referências dos red devils, pelo respeito que tem, e que é plenamente retribuído, pelos seus adeptos. Depois pelo próprio Manchester United, que não podia, naturalmente, fazer-se de morto e ficar quieto enquanto via o seu grande rival contratar aquele que é, se não a maior, uma das grandes figuras da sua história. Nunca os adeptos perdoariam tal traição a quem manda no Manchester United, nunca ninguém perdoaria que  não tentassem, pelo menos.
É verdade que o nome do United nunca apareceu, naqueles dias loucos em que se percebeu que Cristiano Ronaldo tinha decidido deixar a Juventus, como estando na linha da frente para contratar o jogador português. Mas não me parece, sinceramente, que a engenharia financeira necessária para contratar Cristiano Ronaldo seja coisa que se resolva numa manhã. Acredito, por isso, que quando Jorge Mendes foi a Turim falar com os dirigentes do clube italiano já sabia para onde ia Ronaldo. Para o Manchester United, naturalmente. Podia lá ser de outra forma?
Talvez Alex Ferguson, o homem mais importante para que Cristiano Ronaldo seja aquilo que é hoje, tenha tido alguma influência na decisão do craque português. Talvez Bruno Fernandes tenha tido, também, um pequeno papel nela. Mas foi, não se iludam, o coração e cabeça a determinar o regresso de CR7 a Old Trafford. Porque se trata, tanto a nível pessoal como a nível profissional, a decisão certa. Pessoalmente porque Cristiano Ronaldo sabe que vai para um clube onde todos, efetivamente, o desejam: dirigentes, treinador, companheiros, adeptos. Profissionalmente porque dificilmente encontraria outra equipa em que fosse recebido como, decerto, será recebido pelo plantel do Manchester United, que conta, é verdade, com algumas estrelas mas que é composto, essencialmente, por jovens jogadores ávidos de títulos e ávidos de terem uma referência. E quem melhor para ser essa referência do que Cristiano Ronaldo, um jogador que não só já ganhou tudo o que havia para ganhar no futebol como também já ganhou tudo o que havia para ganhar no Manchester United? Tem tudo para ser, parece-me evidente, um casamento perfeito.
Mais perfeito, pelo menos, no que seria no Manchester City, um clube com uma equipa e com um treinador que tem uma filosofia muito própria e onde, parece-me, mesmo Cristiano Ronaldo teria dificuldades em encaixar como funil - roubo a expressão ao brilhante Jorge Valdano quando, há uma semana, nas páginas de A BOLA, escreveu como só ele sabe sobre a saída de Messi do Barcelona e o que isso representava para o emblema catalão - que os génios como Cristiano Ronaldo ou Messi são no futebol praticado pelas equipas que representam. Coisa (o funil, entenda-se) de que o Manchester City, porventura, não necessita mas que o Manchester United, pelo contrário, aceitará de bom grado.
Parece-me, portanto, evidente que Cristiano Ronaldo só podia acabar do Manchester United. Tenho pena, mas apenas num plano pessoal, de não ter ido CR7 para o PSG, por se ter perdido, certamente, a possibilidade de juntar Cristiano Ronaldo e Messi na mesma equipa. Era, assumo, um sonho meu. Mas os sonhos, em especial os que dependem dos outros, são isso mesmo, apenas sonhos. E Cristiano Ronaldo tem, claro, é de seguir os seus.
 

FERNANDO SANTOS divulgou, esta semana, os nomes dos convocados para as partidas de apuramento para o Campeonato do Mundo contra República da Irlanda e Azerbaijão - pelo meio há um bem menos interessante, pelo menos para os adeptos, particular com o Catar - e, para variar, as escolhas não foram pacíficas. Sim, o selecionador até tentou agradar a todos, mas a verdade é que há, sempre, quem encontre um ponto (ou mais) por onde pegar.
Comecemos por João Mário, cujo regresso à Seleção Nacional mereceu críticas dos sportinguistas. O que está em causa? A qualidade de João Mário? Não. O que está, verdadeiramente, em causa é o facto de não ter sido, João Mário, chamado por Fernando Santos quando estava no Sporting e ter, agora que está no Benfica, voltado a merecer a atenção do selecionador. Pode-se, é um facto, aceitar que se discuta a utilidade que João Mário pode ter na Seleção, o que o seu futebol pode dar à equipa nacional, até se acrescenta alguma coisa em relação a outros que podiam ter sido chamados e não foram. Nada a dizer quanto a isso. Cada um tem a sua opinião e tem, também, o direito a dá-la. Desde que não se resuma a um quando estava no Sporting não era chamado e agora que está no Benfica é. Porque é redutor. E transforma uma discussão que poderia, até, ser interessante numa conversa de taberna, com conteúdo discutível.
Passemos a Otávio, o outro tema quente da semana. O médio do FC Porto tem, há já algum tempo, dupla nacionalidade. É luso-brasileiro e, não tendo representado a seleção do Brasil tem, como todos os outros na sua condição - Pepe, Deco, Liedson, Diego Souza - direito a representar a Seleção Nacional. Não há, sequer, discussão possível quanto a isso. Claro que, por outro lado, podemos discutir que utilidade Otávio pode ter na Seleção, o que o seu futebol pode dar à equipa nacional, até se acrescenta alguma coisa em relação a outros que podiam ter sido chamados e não foram. Nada a dizer quanto a isso. Cada um tem a sua opinião e tem, também, o direito a dá-la. Desde que não se resuma a discussão ao direito de Otávio a representar a Seleção Nacional, muito menos se resumirmos isso a criticar quando se trata de um jogador do FC Porto e aceitar quando for um do Sporting ou do Benfica. Ou vice-versa. Porque parece-me, pelo que ouvi esta semana, que é, sempre, esse ponto que guia a discussão.
As boas notícias no meio de tudo aquilo que foi dito e escrito nestes últimos dias sobre a chamada de Otávio por Fernando Santos é que não somos, felizmente, um país xenófobo. Somos, apenas, um país de índios incapazes de ver o que quer que seja de positivo, mesmo que seja um bom jogador, noutro clube que não seja o nosso. E, perdoem-me, mas prefiro viver num país com uma população de índios do que de xenófobos.