Uma pedrinha de gelo na euforia

OPINIÃO29.10.202206:30

Aos clubes pequenos e médios portugueses, tudo os transtorna no estrangeiro. Mais do que jogadores precisam de mentalidade e exigência

PELA primeira vez, desde que  os oitavos de final da Champions têm oito grupos, Portugal qualificou mais clubes do que a Espanha. Sobre a relação total com os big five as contas fazem-se no fim, porque existem legítimas esperanças de que o Sporting, que só depende de si próprio para também se qualificar, se junte ao Benfica e ao FC Porto. Em relação à Espanha, país de futebol maior, seria um surpreende 3-1, porque os espanhóis só qualificaram o histórico Real Madrid.

A tentação nacional, até porque a esmagadora maioria dos adeptos continua a ser de um dos três grandes, leva à euforia fácil de se dizer que o futebol português está obviamente a crescer no contexto europeu. Porém, não será por mero espírito de contradição que nos propomos meter uma pedrinha de gelo (o que atendendo às alterações climáticas até será uma preciosidade) na imensa chama de entusiasmo da maioria.

O primeiro reparo é que sendo estimável e até louvável que Portugal possa apurar três clubes entre os melhores dezasseis da Europa, isso só terá um significado consistente se não se der o caso de estarmos num ano absolutamente excecional e que não se voltará a repetir tão cedo. Ou seja, nem a vulnerabilidade do futebol espanhol pode ser rigorosamente afirmada pela qualificação única do Real Madrid, nem a hipótese, ainda em aberto, de Portugal qualificar três clubes representaria qualquer tipo de garantia de que assim continuará a ser no futuro.
 

Benfica nos oitavos com 4-3 à Juventus


Mas, lamento dizer-vos, há mais razões para que a luta pela construção de um futebol nacional mais equilibrado, mais competitivo, mais sólido e com maior dimensão europeia deva continuar , porque, o caminho ainda é longo.

Outro elemento fundamental  de medida de comparação com a média do futebol europeu é, precisamente, o nível internacional dos pequenos e médios clubes. Aí, como se sabe, em Portugal o SC Braga é uma abençoada exceção a uma apagada e vil tristeza, porque os clubes que habitualmente se qualificam para as competições europeias, quer sejam elas a Liga Europa quer seja a Liga Conferência, são como alguns dos nossos antigos atletas olímpicos que chegavam aos Jogos, deslumbrados com o que viam, e logo anunciavam que o importante no ideal olímpico era participar e não ganhar. Assim, os clubes nacionais ficam agradecidos por terem direito a uma viagem que os leve a passar a fronteira, chegar a um país diferente e anunciar a sua presença em campo com uma timidez própria de uma mentalidade complexada e, por isso, anticompetitiva. Tudo os transtorna. Desde os hábitos alimentares, aos ambientes nos estádios, à forma diferente como os árbitros se comportam e, sobretudo, a estilos e modelos de jogo com que não estão habituados a serem confrontados.

O futebol dos clubes médios e dos clubes pequenos precisam, até mais do que de dinheiro para comprar mais e melhores jogadores, de uma mentalidade competitiva sem complexos, que os leve a abandonar táticas defensivas que fazem de um jogo um género de defesa de um cofre de um banco e não conseguem ainda perceber que se pode defender melhor jogando no campo todo. «Falta pulmão para o podermos fazer», dirão alguns treinadores. Não é verdade. Todos lá fora têm pulmões iguais. O que falta é mentalidade, exigência regular diária e, pelo que parece, embora possa estar enganado, conhecimento das novas metedologias do treino que está longe de se esgotar na ultrapassada ideia da condição física e por isso precisa de novos especialistas e novas ciências de apoio. O que o treino de hoje exige é a sustentabilidade global e constante de um homem que é atleta de profissão.
 

DENTRO DA ÁREA – O REGRESSO FELIZ DE CRISTIANO 

Cristiano voltou, jogou e marcou. Pareceu aliviado e até feliz. A forma como festejou o golo mereceu celebração diferente, porque sentiu a necessidade de se reconciliar com os adeptos do United e seus admiradores. Virou-se para eles e apontou para o coração. Várias interpretações tem o coração. Pode ser paixão e pode ser perdão. Seja como for, talvez Cristiano tenha encontrado uma porta no labirinto em que se tinha metido. Agora é só preciso concentrar-se no essencial e preparar-se para o seu último campeonato do mundo. 
 

FORA DA ÁREA – FAÇA DIETA NA MESA E NA VIDA 

Os portugueses esquecem-se com facilidade que nem Portugal, nem o seu governo, mandam em tudo o que cá se passa. Para dizer a verdade, governam com o que têm, mais o que lhe dão e descontando o que lhe tiram, como qualquer cidadão anónimo. Em matéria de economia, então, seguimos o que Banco Central Europeu determina, que por sua vez segue, mesmo em diferentes contextos, os patrões da economia americana. A doença - já se sabe -  afeta os povos, por isso nos dizem, coma menos, faça dieta na mesa e na vida.