Um tiro no pé
Discurso de Frederico Varandas foi pretensa manifestação de poder de quem quer a influência reforçada, endereçando ao Benfica o rótulo de simpático terceiro grande
C OMO confio nas instituições deste país, que é o meu, e acredito na Justiça, que pode ser demorada e não raras vezes difícil de entender pelo cidadão comum, reprovo esta nova tendência de transferir para a praça pública o que deve ser decidido no recato dos tribunais e mais ainda a emergência de juízes de rua, uma classe que envolve todos os estratos sociais e navega sem regras no lodo das redes sociais.
Neste sentido, compreendo mal mais uma intervenção exaltada do presidente leonino, a propósito de qualquer motivo que me escapou. Não concordo com ela, por duas razões: por não poder sobrepor-se ao que, mal ou bem, os tribunais já decidiram e por não ser curial a linguagem utilizada.
Em vez de contribuir para uma solução, seja ela qual for, Frederico Varandas está a acrescentar problemas aos que existem, e são muitos. Porquê? Não é com este tipo de palavreado agressivo, até insultuoso, chamando «bandido» e agora «corruptor ativo» ao presidente do FC Porto que ajuda a promover um ambiente de cordialidade entre a gente do futebol. Sem se dar conta, quero acreditar, mais do que uma pessoa, Varandas ofendeu um emblema centenário, seguido por muitos milhares de associados e adeptos, nos quatro cantos do mundo, que tem para mostrar duas Ligas dos Campeões Europeus, uma Taça UEFA, uma Liga Europa, uma Supertaça Europeia e duas Taças Intercontinentais, relevantes conquistas internacionais que a nuvem de suspeição agitada pelo presidente leonino não consegue abarcar.
Por outro lado, não deixa de ser curiosa esta aparente incoerência de quem ora se sente incomodado pela proximidade do corruptor, ora aceita fazer negócios com o clube dele, e nem todos com a devida transparência, como aquela troca de jogadores em que leão e dragão pagaram um ao outro idêntica quantia, alinhando numa prática que, não sendo original, suscitou naturais interrogações.
Oprolongado e prudente silêncio de Frederico Varandas foi muito provocado pela capacidade de Rúben Amorim em usar a palavra adequada para cada situação e por ter uma mensagem simples e de reconhecida eficácia entre os adeptos. Foi, pois, sem ponta de surpresa que, a partir de determinada altura, a voz do treinador passou a ser a mais escutada na comunicação do leão em tudo quanto se referia ao futebol profissional, com efeitos muito tranquilizadores e benéficos para a equipa.
Inversamente, como todos devem estar recordados, de cada vez que o presidente viu o microfone à frente as coisas não correram bem. Como não correram agora, pela inoportunidade da ocasião e pela violência do discurso. Não havia necessidade, como dizia o diácono Remédios, de Herman José, mas deve ter sido muito forte o desejo de voltar a assumir o protagonismo e concentrar na sua figura o interesse dos meios de comunicação. Com que consequências o tempo dirá, sendo certo, no entanto, que os próximos capítulos desta bizarra novela poderão ser acompanhados na sala de um tribunal.
FFrederico Varandas, oficial do Exército, como proclamou em inesperada aparição no local destinado a conferências de Imprensa no Estádio do Dragão, em fevereiro deste ano, a seguir ao jogo da Taça de Portugal, talvez tenha dado um tiro no pé. É o que me parece. Pode considerar-se em patamar ético superior e pensar que tem liberdade para dizer tudo quanto lhe apetece, mas, desta vez, sem ingenuidade, porque nada foi dito ao acaso, não só tentou alvejar outra vez o seu rival de estimação, como adensou o ambiente de má vizinhança com o seu vizinho da Segunda Circular, ao despromovê-lo, sem jamais lhe referir o nome, a «simpático terceiro grande», tal como, em sua opinião, o Sporting era visto até aqui.
Os tempos mudaram, porém, e, por isso, rejubila com o facto de não se lembrar de o FC Porto ser campeão e «o Sporting e o seu presidente serem o centro da atenção». Extraordinária, sem dúvida, tamanha admiração. «Como é maravilhoso ouvir o senhor Pinto da Costa com saudades e a elogiar o Sporting do passado recente», sublinhou.
Varandas elevou a fasquia e não deixou a menor dúvida quanto à pretensão de passar a ser ele um dos interlocutores no sempre complexo diálogo norte-sul ou, como se preferir, Porto-Lisboa. Em concreto, devido às últimas classificações no campeonato, este discurso em Carregal do Sal mais não foi do que uma pretensa manifestação de poder de quem quer ver a sua influência reforçada, endereçando ao Benfica o tal rótulo de simpático terceiro grande.
Numa fase ainda de muitas dúvidas, em que todos olham com ansiedade para Rui Costa na esperança de saberem novidades animadoras sobre o futuro próximo da águia, esta declaração do presidente leonino não veio em boa altura, por causar justificado desconforto na família benfiquista. Não pelo que ouviu ao vizinho, mas pelo que quer ver feito dentro de casa, bem e depressa.