Um clássico é um espaço de liberdade
Um clássico como o de ontem é um milagre das almas conformadas. Um tempo de vitalidade social, por nos sentirmos pertença de um grupo
UM clássico como o de ontem à noite é sempre muito mais do que um jogo, mais do que um grande espetáculo em perspetiva, mais do que a alegria dos vencedores e mais do que a tristeza dos vencidos.
Há segredos que o futebol não revela, nem aos seus mais íntimos. Um desses segredos é a consagração de um jogo de futebol entre dois concorrentes ao título de campeão como um espaço amplo, transversal a uma sociedade diversa e dispersa na sua cultura, na sua condição social e económica. O futebol tem a magia única de saber como criar uma verdadeira igualdade entre os homens e as mulheres. Igualdade de emoções, de sentimentos, de celebrações tribais, de irracionalidades de explicação antropológica, de comportamentos de grupo, enfim, o futebol, ao mais alto nível dos grandes jogos, torna-se espaço de liberdade, que começa a ser vivido muito antes do dia do jogo e se prolonga muito para lá do apito final.
Os intelectuais mais fechados nas suas babilónias livrescas (não os que pensam com os olhos abertos para o mundo) acham o futebol estúpido e primário. Os arautos de todos os amanhãs que cantam acham o futebol pura e simplesmente um anestesiante do povo que deveria envolver-se, sim, com a defesa dos seus interesses e direitos e encher os estádios de protestos contra o poder.
O problema é que pensarmos um Portugal sem um FC Porto-Benfica, sem um Benfica-Sporting, sem um SC Braga-Vitória de Guimarães é pensarmos num Portugal ainda mais cinzento, ainda mais triste, ainda menos vivo, ainda mais depressivo.
Admito que o futebol também seja um escape da pressão a que todos estamos sujeitos por rotinas e preocupações da vida. Mas como seria o resultado de uma pressão assim, sem escape? Poderão dizer-me que existiriam outras formas mais clássicas, desde o cinema ao teatro, do ballet às visitas de exposições, de passeios no parque à adoração da natureza. Mas não me venham falar em cultura. O Desporto em todas as suas expressões, das mais informais às profissionais, encerra, em si mesmo, todo um universo cultural. E ainda mais, num tempo nesta era do vazio de que nos fala Lipovetsky e num tempo em que o liberalismo nos propõe a pior das igualdades, que é a igualdade do pensamento e do comportamento. É por isso que o futebol é um espaço de liberdade, onde ainda é possível os homens abraçarem-se por causa de um golo e chorarem por causa de uma derrota que sentem como sendo deles, porque é a derrota do grupo a que pertencem e é no sentimento de pertença a esse grupo que muitos deles ainda têm esperança de terem alguma vitória nas suas vidas descoloridas.
Um clássico como o da última noite, não tenham dúvidas, é sempre um milagre das almas conformadas. Um tempo de vitalidade social.
E não, não me esqueço de falar da face escura da lua. Dos comportamentos intolerantes que geram a violência e provocam uma visão catastrofista do futebol e dos seus grandes jogos. É verdade que demora a ação firme e competente, que os clubes têm tendência a influenciar no sentido de uma justiça labiríntica e indecisa, que alguns precisam, mesmo, do apoio de uma guarda pretoriana que ameace, que agrida, que cumpra a função negra de ajudar a abrir o caminho do sucesso.
Pois é verdade. Nada que tenha a mão do homem é perfeito. Nem mesmo o futebol, nem o nosso clube, muito menos cada um de nós. Porém, a força de atração de um clássico como o de ontem é incontestável e deve ser celebrada como um bem social que importa defender e preservar. A um clássico ninguém fica indiferente.
RONALDO É UMA PREOCUPAÇÃO
Cristiano Ronaldo foi castigado pelo clube que o mostrou ao mundo e onde se fez um dos melhores futebolistas planetário. É doloroso e é triste, até porque o clube não podia proceder de outra forma, sobretudo por ser Ronaldo, um exemplo para todos os futebolistas e todas as crianças do mundo. Certo é que atrasará a sua atrasada preparação para o Campeonato do Mundo e, para ser sincero, isso preocupa-me, porque conhecendo Fernando Santos e o seu lado humano sei que vai fazer tudo para salvar o jogador e o homem.
CERCADOS PELAS CRISES MUNDIAIS
A Europa vive com manifesta inquietação uma forte crise financeira e energética precisamente quando começam a chegar os anúncios do general inverno. Entretanto, na Grã-Bretanha bate-se um recorde negro. Liz Truss empossada pela rainha mais longa da história britânica teve o tempo mais curto de sempre em Downing Street, o que irá prolongar o caos político. Last but not least, espera-se uma vitória republicana nas eleições de novembro e, em consequência, a queda do apoio à Ucrânia. De crise em crise tentamos sobreviver.