Trunfo para a Superliga

OPINIÃO16.12.202106:00

Presidente do Real Madrid pode ter ficado irritado pela troca Benfica-PSG mas terá agradecido a bronca em nome de um interesse maior

FOI imediatamente a seguir à qualificação do Benfica para a fase de grupos da Liga dos Campeões que ouvi um desabafo de um camarada jornalista dos Países Baixos, ainda com a eliminação do PSV muito fresca: «Com os portugueses é sempre assim: jogamos melhor mas vocês é que ganham.» Confesso que não dei muita relevância àquelas palavras, mas recordei-as quando li as declarações do treinador do Ajax, Erik ten Hag, comentando o sorteio dos oitavos de final da Liga dos Campeões: «A história diz que as equipas neerlandesas não se dão bem com as portuguesas mas contra o Benfica e o Sporting já provámos o contrário.»
Rebobinando outras conversas do género dei conta de que o futebol português (de Seleção e clubes) é atualmente respeitado muito mais pelos resultados do que pela forma. Longe vão os tempos em que os lusos eram vistos como o Brasil da Europa, com a diferença de que à elevada estética não correspondiam os resultados. Se nos lembrarmos de como eram os jogadores, as equipas e o futebol produzido no final do século passado e o que assistimos hoje percebemos facilmente as diferenças. Houve uma tremenda evolução no treino, na capacidade física e tática, o que se deve, em boa parte, à reinvenção dos treinadores portugueses. Se a latinidade (com as suas virtudes mas também com os seus muitos defeitos) foi desaparecendo dos relvados nacionais em prol de uma maior objetividade, são os técnicos (os novos e os mais velhos que souberam adaptar-se aos tempos) os principais responsáveis pela transformação.
Se no passado os portugueses se queixavam que jogavam como nunca e perdiam como sempre, agora a discussão coloca-se num nível diferente: o da  substância - de que é possível continuar a ganhar, mas de outra forma. Talvez não nos apercebamos de como isto é uma subida de nível e sinal de evolução - o complexo do vira lata (expressão brasileira que exprimia o sentimento de inferioridade) é coisa que ficou à porta do ano 2000. Morreu com José Mourinho, morreu com o Euro-2016, morreu a partir do momento em que um português exige o mesmo que um francês ou um alemão.

Éuma pena que os três participantes na fase de grupos da Champions não tenham passado aos oitavos de final. Seria histórico. Não aconteceu por detalhes (no caso do FC Porto). Calhando em sorte o Ajax ao Benfica e o Manchester City ao Sporting pode dizer-se que os encarnados terão, teoricamente, mais hipóteses. Apesar de os rapazes de Amesterdão superiormente dirigidos por Ten Hag jogarem um futebol encantador, uma coisa são jogos isolados numa fase de grupos (venceram o Sporting com enorme categoria), a outra é uma eliminatória a duas mãos. E nesse aspeto o perfil mais resultadista das equipas portuguesas de que os neerlandeses tanto falam pode pesar. Se Jorge Jesus ouviu atentamente as declarações de Rúben Amorim no final do encontro dos leões no Arena Johan Cruyff, afirmando ter retirado «muita coisa boa» dos dois confrontos com o Ajax e que num próximo confronto a sua equipa estaria «melhor preparada», perceberá o treinador dos encarnados que há estrada para andar. Aqui não há favoritos.
O mesmo não se pode dizer dos jogos entre citizens e leões. Mas de entre os quatro grandes candidatos à conquista do troféu (a par de Bayern, Liverpool e Chelsea), talvez o Manchester City seja aquele que permita mais atrevimento do campeão nacional. Ao Sporting não se pede que tenha a mesma posse de bola mas não há grandes dúvidas de que pode correr o mesmo que o adversário. Há conquistas que se fizeram por menos.

FLORENTINO PÉREZ ficou irritado porque no espaço de duas horas ficou a saber que em vez do Benfica teria de ver o Real Madrid defrontar nos oitavos de final o Paris Saint-Germain, que apesar de não ser temível do ponto de vista da solidez coletiva tem, indiscutivelmente, três ou quatro dos dez melhores jogadores do mundo. Fiel à tradição de atirar a pedra e esconder a mão, lançando farpas por intermediários do espaço mediático, não ficaríamos no entanto muito espantados se, mesmo lá no fundo, o presidente dos blancos tivesse sorrido com a enorme bronca que obrigou à repetição dos sorteio: para quem tanto pretende criar uma Superliga, este gigantesco tiro no pé da UEFA favoreceu, e de que maneira, quem está do outro lado da batalha. Veremos, a breve prazo, se os danos reputacionais do softwaregate não deram um empurrão decisivo às jogadas de bastidores que continuam em marcha para fazer voltar o projeto em força.