Torre Eiffel vestida de Portugal
Recordar, seis anos depois, o Stade de France, enche a alma. E é também gratificante constatar a evolução do nosso futebol feminino
AS TRAÇAS ANUNCIARAM A VITÓRIA A CR7
Há imagens que irão permanecer para todo o sempre na nossa memória coletiva...
P ASSARAM ontem seis anos sobre a mais bela noite do futebol português, duas horas de sangue, suor e lágrimas no palco do Stade de France, que acabaram com Cristiano Ronaldo a erguer o troféu de Campeão da Europa. De lá para cá, a Seleção Nacional alcançou mais um triunfo de monta, ao conquistar a Liga das Nações, não falhou o apuramento para nenhuma grande competição e, aí chegada, teve engenho e arte para, pelo menos, ultrapassar a fase de grupos. Ao mesmo tempo, foi possível levar a cabo uma revolução geracional que garante o futuro, ao mais alto nível, da turma das quinas.
Jogando, por vezes, um futebol que fica aquém do valor dos seus jogadores, os desafios mais recentes deram-nos conta de alguma evolução no sentido da mudança de paradigma, baseada numa maior agilidade do meio-campo e de um aproveitamento mais consequente do balanceamento ofensivo dos laterais, sem que Portugal perca os equilíbrios setoriais tão caros a Fernando Santos e que estiveram na base da jornada épica de 10 de julho de 2016.
Ainda em relação a Fernando Santos, que terá no Catar nova prova de fogo à sua liderança, há que manifestar o mais vivo repúdio pelos ataques soezes de que foi vítima num passado recente, a propósito de uma relação com o Fisco em que pagou tudo o que lhe foi exigido, e apenas reclamou (e é isso que está em Tribunal Arbitral) por entender que tinha sido coletado para lá do devido. Fernando Santos, que passa pela vida de coração limpo e espinha direita, viu-se perante um atentado ao caráter que só uma consciência tranquila e uma fortaleza moral ajudaram a ultrapassar. Por vezes, há quem não pareça conhecer limites para a indignidade, misturando críticas absolutamente legítimas a esta ou aquela decisão do selecionador nacional, com fundamentos de vida que são de outro campeonato.
Futebol feminino foi grande aposta da FPF
FERNANDO GOMES E O FUTEBOL FEMININO
Como A BOLA ajudou a concretizar um dos pontos da agenda do líder federativo...
N O início de 2012, Fernando Gomes, à altura recém-eleito presidente da FPF, lançou um desafio ao jornal A BOLA: apoiar o futebol feminino. Desde sempre, o líder federativo teve bem presente a importância de aumentar exponencialmente o número de praticantes, fazendo com isso crescer a indústria do futebol, e o exemplo que já chegava em força do estrangeiro, onde cada vez mais as estruturas amadoras baseadas na carolice vinham sendo substituídas por organizações profissionalizadas que davam à modalidade no feminino uma autonomia de voo quase ilimitada, mostrava que aquele era um caminho que não podia deixar de ser feito. Nas várias reuniões que mantivemos com Fernando Gomes, o Vítor Serpa como diretor e o Fernando Guerra e eu próprio, então subdiretores, ficámos a saber da seriedade do projeto da FPF, que era muito mais do que apenas uma frase bonita no manifesto eleitoral. Sem hesitação, e sem sugerir sequer qualquer contrapartida, A BOLA aceitou o repto e o Vítor Serpa destacou o Fernando Guerra para estruturar e coordenar a nova subeditoria de futebol feminino, tarefa que o Fernando, tratado carinhosamente pelos jornalistas de A BOLA por «professor», cumpriu com brilho, eficácia, rigor e resultados práticos bem palpáveis. Meses mais tarde, mas ainda em 2012, foi a vez de A BOLA TV, no ar desde 12-10-2012, com a energia e criatividade sem fim do João Bonzinho, realizar um trabalho extraordinário com as jogadoras da Seleção Nacional, transformadas em modelos de passerelle, naquela que terá sido a mais ambiciosa produção do canal.
Uma década volvida, muita água correu debaixo das pontes, e Fernando Gomes nunca vacilou na aposta no desenvolvimento do futebol feminino. Hoje, temos um campeonato credível e equipas de clube que se batem de forma muito competitiva no circuito europeu; começam a ganhar forma estruturas de formação; há uma indesmentível adesão dos adeptos ao futebol no feminino; e temos uma Seleção Nacional sénior que, sem ainda ser de top europeu, já se bate com qualidade e é respeitada. Aliás, a segunda parte de sábado passado contra a Suíça, no Europeu de Inglaterra, foi deveras emocionante e galvanizadora, a ponto de o empate, que em tese seria um excelente resultado, ter sabido a pouco. Honrando os pioneiros do futebol feminino, que nunca desistiram mesmo quando as meninas a jogar à bola eram vistas apenas como uma curiosidade, é a Fernando Gomes que devemos agradecer o salto quântico que foi dado desde que assumiu a presidência da FPF. Dez anos prodigiosos.
Michel Platini cantou vitória no tribunal
PLATINI INOCENTE. E AGORA?
Em França apontam o antigo ‘playmaker’ à presidência da Federação Francesa de Futebol...
M ICHEL PLATINI e Sepp Blatter foram ilibados, por um tribunal suíço, da acusação que sobre ambos impendia de apropriação ilícita de fundos, a propósito de um pagamento alegadamente excessivo de assessoria, da FIFA ao antigo presidente da UEFA. Um e outro caíram em desgraça, e acabaram por ser afastados dos cargos que ocupavam na hierarquia do futebol. Porém, se é verdade que em relação a Blatter, que refinou as práticas tentaculares herdadas de João Havelange, nenhumas dúvidas subsistirão quanto às más ações que não só o mantiveram no poder, mas ainda deram palco continuado a todos aqueles que, na liderança de várias Confederações, se serviram, muito mais do que serviram, do futebol, o mesmo não poderá ser dito quanto a Platini.
Impulsivo, voluntarista e amiúde irrefletido, o antigo playmaker procurou impor a sua visão do futebol, sempre mais próxima, para o bem e para o mal, da essência do jogo, e acabou apanhado num fogo cruzado de uma guerra que não era sua. Posso afirmar com segurança que o futebol hoje em dia não é jogado exclusivamente em sintéticos graças a Platini. Há quase duas décadas (2003 ou 2004), entrevistei o então presidente da UEFA, Lennart Johanssen, que afirmou, perentoriamente, que «o Euro 2008 será integralmente jogado em sintético.» Era essa a ideia da UEFA, para tornar o jogo mais igual e embaratecer os custos, sem cuidar de que o futebol passaria a ser outra coisa, completamente diferente. Quando Platini chegou à UEFA, deitou para o caixote do lixo os projetos de Johanssen e assumiu que o futebol era para ser jogado na relva. Aliás, devo também dizer que Michel Platini lançou a sua candidatura à UEFA numa entrevista concedida a A BOLA, que tive oportunidade de fazer, em Paris. Nesse documento, essa matéria ficou absolutamente clara, como clara ficou a aversão de Platini à tecnologia no futebol.
Do consulado de Platini, que derrotou Johanssen graças aos votos dos novos países saídos da ex-URSS, resultaram coisas boas para o futebol, e outras mais escanifobéticas, como foi, por exemplo, o formato híbrido do Euro-2020. Aliás, em 2007, poucos meses depois de Platini ter sido eleito para a UEFA, cruzei-me com ele em Old Trafford, por altura de um jogo que celebrava os 50 anos do Tratado de Roma, onde tinha ido para entrevistar o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e a conversa a três foi deliciosa, porque enquanto Durão Barroso me apresentava a Platini, este dizia-lhe que me conhecia e que tinha sido através de A BOLA que tinha lançado a candidatura à UEFA, não deixou de alfinetar, lembrando que não tinha contado com o voto de Portugal, o que era verdade. Gilberto Madail estava comprometido com Johanssen, que nos tinha viabilizado o Euro-2004 , e votou no sueco. Recordo a atrapalhação diplomática de Durão Barroso, que com o ar mais sério do mundo tentava convencer Platini de que o sentido de voto de Portugal não era assim tão claro…
Dê por onde der, depois de ter sido afastado de suspeitas, na Justiça francesa, quanto à venda de votos na altura da atribuição do Mundial do Catar, Michel Platini viu-se agora ilibado das acusações que sobre ele impendiam na Justiça suíça. Ou seja, Platini sai inocentado de todas as causas, mas sofreu danos irreparáveis ao nível da carreira de dirigente, não sendo crível que tenha sucesso se vier um dia a candidatar-se à UEFA ou à FIFA. Porém, e esse é o debate a que se assiste hoje em França, começa a tomar forma uma vaga de fundo que pode levar Michel Platini, em 2024, à presidência da Federação Francesa de Futebol. Uma coisa é certa: as acusações que fizeram cair o antigo 10 da Juventus não deram em nada e a Justiça (sem recorrer a prescrições ou outras manigâncias ou tecnicidades) declarou a inocência de Platini. E isso deve valer de alguma coisa…