Toques e toquezinhos

OPINIÃO04.04.202207:00

Como explicar a Vertonghen que a cotovelada que levou na área na época passada em Moreira de Cónegos não deu penálti mas a ‘festinha’ que fez a Ricardo Horta deu falta?

VEIO o Benfica, mais uma vez, chamar a atenção para aquilo que considera ser uma «dualidade» de critérios dos árbitros que, no entender dos encarnados, tem penalizado a equipa, pretendendo, desta forma - comum a todos os clubes quando as coisas não lhes correm de feição -, justificar o atraso para FC Porto e Sporting. Têm, em parte, razão as águias, que foram, de facto, prejudicadas em algumas partidas por decisões difíceis de perceber. Dito isto, convém também dizer que os erros de arbitragem não são em número suficiente para explicar, por si só, os 12 (que podem hoje passar a ser 15) pontos de atraso para o FC Porto ou os nove de diferença para o Sporting. Há, e todos os benfiquistas - mesmo os mais ferrenhos - são forçados a reconhecê-lo, muita culpa própria pelo meio. Peguemos, por exemplo, no caso do que se passou em Braga no primeiro golo do conjunto da casa.

O toque de Vertonghen em Ricardo Horta seria suficiente para Luís Godinho apitar falta? Em qualquer campeonato do mundo, não. Em Portugal, pelos vistos, sim. Ou, pelo menos, às vezes sim. Será, reconheçamos, extremamente complicado explicar a Vertonghen (um jogador já com muitos anos de futebol) por que razão a cotovelada que na época passada levou dentro da área em Moreira de Cónegos não foi suficiente para que o árbitro Manuel Oliveira ou o videoárbitro Fábio Melo assinalassem penálti - aparentemente, pelo que o Conselho de Arbitragem deu a entender embora de forma não oficial, porque o defesa do Moreirense estava a olhar para a bola que vinha no ar e não viu, portanto, que o adversário estava ali... - e a festinha que, num lance em tudo semelhante, fez agora a Ricardo Horta tenha sido sancionada com um livre à entrada da área. São critérios, poderão dizer-me. Tudo bem. Mas são critérios, convenhamos, difíceis de entender. Tem, portanto, no meu ponto de vista razões de queixa o Benfica quando aponta para este lance em concreto.
 

Vertonghen amarelado em Braga


Mas a verdade é que, e convém não esconder esse detalhe, tratou-se, apenas, de um livre, mesmo que perigoso, à entrada da área do Benfica. Não de um penálti. E, no fim de contas, o que acabou por permitir o primeiro golo do SC Braga na receção ao Benfica foi mesmo uma má abordagem de Vlachodimos ao remate de Iuri Medeiros, permitindo que a bola entrasse por onde nunca poderia ter entrado. O erro (ou chamemos-lhe, se quisermos, o critério demasiado apertado) de Luís Godinho naquele lance entre Vertonghen e Ricardo Horta é apenas uma parte, e se calhar uma parte muito pequenina, da explicação para a derrota do Benfica. Porque não explica a má exibição dos encarnados - assumida, de resto, pelo próprio Nélson Veríssimo após a partida -, nem o segundo golo dos bracarenses (igual a muitos outros que o Benfica já sofreu esta época), nem a forma incrível como, depois de recuperarem de uma desvantagem de dois golos, permitiram que o SC Braga chegasse ao terceiro numa jogada em que a defesa foi apanhada a dormir.

O jogo de Braga é, no fundo, o espelho do que tem sido toda a época dos encarnados: alguns erros de arbitragem (repito o que já escrevi aqui, já vi muitos outros a queixarem-se por muito menos) mas muitos erros próprios. Simples assim. Querer esconder esta realidade é missão impossível, porque salta à vista de todos.

Olance entre Vertonghen e Ricardo Horta não justifica a derrota do Benfica em Braga mas deve, isso sim, justificar uma análise profunda, em especial pela classe dos árbitros, à forma como se apita em Portugal. Têm sido demasiados os casos em que toquezinhos de nada motivam faltas e até cartões amarelos que não têm razão de ser e acabam, no fundo, por prejudicar, não uma equipa em concreto, mas o jogo de uma forma geral. Há, na Liga Portuguesa, demasiadas faltas e demasiadas paragens. A ideia que dá é que muitos árbitros apitam ao som dos gritos ou dos gestos de jogadores, que se aproveitam dessa generosidade para ganharem faltas sempre que tal lhes parece conveniente. Agarram-se à cara quando o toque foi no ombro, ou no peito ou nas costas, gritam ao mínimo contacto como se uma festinha fosse a pior das agressões, atiram-se para o chão em agonia quando quase nem foram tocados. É transversal a quase todos os clubes mas todos conhecemos um ou outro que são peritos em atuações dignas de um Óscar.

O Duarte Gomes já o escreveu nas páginas de A BOLA e tem razão: os jogadores, ou pelo menos uma boa parte deles, não ajudam o árbitro a fazer o seu trabalho. Mas é, também, responsabilidade dos árbitros portugueses alargarem o critério e deixarem de apitar por tudo e por nada. Porque, no fim de contas, os jogadores só se atiram para o chão a gritar porque sabem que isso fará com que os árbitros apitem. Quando deixarem de apitar - num critério uniforme que tem necessariamente de ser uniforme e não adaptado ao feitio de cada um... - eles deixarão de cair e de gritar. Porque a partir daí deixarão de ter uma razão válida para fazer as figuras ridículas que, na televisão, todos vemos que fazem...

PORTUGAL garantiu, sem sobressaltos de maior, a qualificação para o Campeonato do Mundo e já sabe com que adversários se terá de bater na primeira fase da competição que o Catar organizará no final do ano: Uruguai, Gana e Coreia do Sul. Não foi, admitamos, um mau sorteio. Pelo contrário, a Seleção Nacional tem obrigação de passar aos oitavos de final, de preferência em primeiro lugar, para, mais do que provavelmente, evitar o confronto com o Brasil - natural candidato a terminar o Grupo G, que cruza com o nosso Grupo H - logo no primeiro jogo a eliminar.

Não vale a pena, a mais de meio ano de distância, estar a fazer grandes prognósticos. O mais importante, neste período que nos separa do Mundial, é que Fernando Santos pense a forma como abordará uma prova para que Portugal parte com naturais expectativas. Será, porventura, demasiado dizer que somos candidatos à vitória - será, como disse (e bem) o selecionador após o jogo com a Macedónia do Norte, um sonho -, mas uma seleção que tem Cristiano Ronaldo, Pepe, Rúben Dias, Bernardo Silva, Diogo Jota, João Félix, Bruno Fernandes, Nuno Mendes e João Cancelo e foi foi campeã da Europa há seis anos não pode, naturalmente, ser encarada como um outsider. Tem de ir lá e assumir, pelo menos, o estatuto de um dos favoritos, mesmo que não se inclua no lote de principais favoritos. E, claro, jogar como tal!

Se houve coisa boa que ter de disputar o play-off para garantir presença no Catar trouxe à Seleção Nacional foi mostrar a Fernando Santos que não vem mal ao mundo apostar naquilo que temos de melhor: jogadores que sabem o que fazer quando temos a bola e que se sentem muito mais confortáveis quando têm a bola nos pés do que quando têm de andar a correr atrás dela. Reconheça-se a Fernando Santos, que tantas vezes foi criticado (por mim também, assumo) pela forma como encarou alguns dos jogos no último Europeu e durante quase toda a qualificação para o Mundial, a capacidade de emendar a mão, mostrando que também consegue montar uma equipa que não tem medo de assumir o jogo. Tem agora mais de meio ano para consolidar essa forma de jogar, equilibrando a equipa de forma a que seja mais competente na hora de defender sem que isso signifique ter medo de atacar. Porque, mais do que ser eliminado mais cedo que deveria, o que realmente custou aos portugueses nas últimas grandes provas internacionais foi sentirem que Fernando Santos nunca foi capaz de rentabilizar ao máximo o muito talento que tem esta Seleção. É assumir que vamos, sempre, para ganhar. Não vem, por isso, mal ao mundo.