Duas fissuras no imponente muro de betão (crónica)
Festa leonina após o golo de Daniel Bragança (GRAFISLAB)

Sporting-Casa Pia, 2-0 Duas fissuras no imponente muro de betão (crónica)

NACIONAL05.10.202423:31

Casa Pia apresentou-se em Alvalade num 6x3x1 e o Sporting sentiu muitas dificuldades para criar perigo. Fê-lo através do talento de Francisco Trincão e do único espasmo de força de Viktor Gyokeres

Imaginem um muro de betão armado à vossa frente. Aliás, dois. Quase impenetráveis. Sem brechas, fissuras ou rachaduras. Que é preciso para o deitarem abaixo? Força e paciência. Sobretudo, paciência. Assim foi durante bem mais de uma hora. Dois muros densos à frente do guarda-redes do Casa Pia (primeiro: Larrazabal, Geraldes, Goulart, Kluivert, Zolotic e Lelo; segundo: Rafael Brito, Kraev e Svensson) e lá na frente (ou seja: a meio do seu meio-campo) o solitário Cassiano. E 11 leões a tentarem descobrir, de quase todas as formas possíveis, um buraquinho por onde entrar e ficar perto de baliza adversária.

Os dois imponentes muros erguidos, compreensivelmente, por João Pereira foram adiando o que parecia quase impossível de evitar: o golo do Sporting. Os leões vinham de sequência de goleadas atrás de goleadas na Liga e há menos de um ano, a 29 de janeiro, tinham massacrado os gansos por gordíssimo 8-0. Muito compreensível, pois, que o treinador do Casa Pia tenha colocado dois enormes muros a tapar o acesso à zona do seu guarda-redes.

O Casa Pia não desmontava o 6x3x1 e oportunidades de golo, verdadeiras oportunidades de golo, nem uma. E a primeira, aliás, pertenceu a Svensson, logo aos 87 segundos, com Franco Israel a evitar, com excelente defesa, o golo dos gansos.

Gyokeres parecia cansado e estava demasiado estático, Harder quase estático andava, Catamo e Maxi Araújo, nas alas, iam tentando, pelo chão ou pelo ar, algo que criasse perigo, Trincão mantinha-se muito tapado e só Bragança e Hjulmand, os médios cerebrais do Sporting, tinham algum êxito na tentativa de desmontar a teia erguida pelo Casa Pia.

Muito difícil seria, porém, que os dois muros não apresentassem, cedo ou tarde, alguma fissura. E ela apareceu, pertinho do intervalo, não por algum lapso da defesa do Casa Pia, antes porque Francisco Trincão, dando seguimento ao seu grande momento de forma, pegou na bola, ziguezagueou pelo lado direito da defesa e, já sem ângulo, colocou a bola na pequena área, onde Gyokeres a deixou seguir para o pé esquerdo de Daniel Bragança fuzilar as redes de Sequeira.

Estava, pois, feito o mais complicado. Agora, desfeito o 0-0, admitia-se, João Pereira poderia desmontar o 6x3x1 e procurar mais e melhor a baliza de Franco Israel. Porém, como o intervalo chegou logo a seguir, a ideia de mudança por parte do treinador casapiano ficaria adiada.

E no regresso dos balneário houve alteração, sim, mas por parte de Rúben Amorim: Harder por Morita. Abdicando do dinamarquês e colocando o japonês em campo, o treinador leonino pretenderia colocar Daniel Bragança a jogar à frente da linha de quatro (agora: Catamo, Hjulmand, Morita e Maxi Araújo) e atrás da dupla mais avançada (Trincão e Gyokeres). Uma espécie de 3x4x1x2.  

Do lado casapiano, nada de mudança de filosofia: 6x3x1, sempre 6x3x1. A ideia seria manter o 0-1 o máximo de tempo possível e depois, mais para o final do jogo, tentar o golpe de asa: o golo e o empate.

A verdade é que o jogo manteve-se, assim, quase igual: dois muros do Casa Pia e o Sporting a tentar descobrir nova brecha para marcar o segundo golo e consolidar a diferença no marcador. Só muito mais tarde, porém, na sequência do primeiro (e único) espasmo de força de Gyokeres, arrancando pelo meio da defesa adversária e sendo derrubado na área, o Sporting alargou a vantagem: penálti e golo para o goleador sueco.

Só aí, após o minuto 80, João Pereira desfez o 6x3x1. E percebeu-se, até final, que o Casa Pia sabia ter bola, sabia jogar, sabia trocá-la e sabia, sobretudo, chegar perto de Franco Israel. Poderia tê-lo feito mais cedo? Claro que sim. Deveria tê-lo feito? Para melhorar o espetáculo, sim. Para ficar mais perto de pontuar em Alvalade, talvez não. O Sporting, como se tem visto na Liga, é mortífero quando tem espaço e muito menos mortífero quando o espaço escasseia.

Resumindo: o Sporting não fez um grande jogo e, sejamos sinceros, perante o tal 6x3x1 do adversário, dificilmente o faria. O 2-0 até parece magrinho para a sequência de jogos e golos que os leões têm feito em Portugal, mas, para já, fica o essencial: 8 jogos, 24 pontos, 27 golos marcados, liderança absoluta da Liga.