Sporting-FC Porto: a responsabilidade
Espero que os protagonistas desfrutem com concentração, competitividade e foco
Ojogo que hoje se vai desenrolar faz parte da história do futebol português. Duas grandes equipas que, por norma, lutam por títulos, transformam este clássico num jogo diferente em que não são apenas os três pontos que estão em causa. Vou abordar vários ângulos da responsabilidade que este jogo representa.
PRESSÃO DO RESULTADO
TENDO em conta a tabela classificativa, o desfecho final do jogo terá não só um impacto direto nos objetivos de cada uma das equipas, mas também um impacto indireto na motivação, confiança ou receio por parte dos restantes rivais (Benfica e SC Braga). Do lado do FC Porto, um resultado que não seja a vitória faz com que a pressão sobre si mesmo aumente, porque permite que o Benfica (que já jogou o seu jogo) fique com uma margem pontual muito confortável para poder gerir. Uma vitória, com ou sem qualidade de jogo, enviará um forte sinal ao Benfica e motivará todos os jogadores e adeptos do clube azul e branco. Já o Sporting, sendo o 4.º classificado a 5 pontos do 3.º, não se pode dar ao luxo de perder mais pontos. A vitória é o único resultado possível, de forma a manter os índices de confiança elevados na perseguição ao comboio que dá acesso à Liga dos campeões.
EXIGÊNCIA DENTRO E FORA DAS 4 LINHAS
S ENDO Portugal um país de 10 milhões de habitantes, é impressionante a virtude que temos de produzir treinadores e jogadores de elevada qualidade que estão espalhados pelos quatro cantos do mundo. Uma das nossas principais características é a capacidade de adaptação a diferentes contextos, circunstâncias ou culturas. Tendo isto em conta, por que motivo em Portugal teimamos em ter um comportamento inadequado? Por que motivo vemos com frequência treinadores e jogadores a desrespeitarem as decisões dos árbitros, confrontando-os muitas vezes aos olhos de todos? De uma forma muito direta, isto acontece porque não há punição e responsabilização. Claro que as emoções na relva estão à flor da pele mas, no fim do jogo e a frio, o erro deveria ser assumido. Pior do que não assumir o erro ou a responsabilidade por uma atitude imprópria, é ver a forma como os clubes e os seus líderes legitimam este comportamento dentro das 4 linhas. O exemplo recente do Paulinho é uma demonstração da falta de capacidade que os dirigentes têm em suportar a pressão do contexto. Paulinho foi expulso com segundo amarelo. Saiu e proferiu palavras impróprias na cara do quarto arbitro. Foi um momento a quente. A questão é que o comportamento foi incorreto e o jogador foi castigado em 3 jogos. Até aqui tudo bem. O problema surge quando Paulinho contesta o castigo (alguém acredita que foi o jogador a preparar o recurso?). Mas porque é que se contesta um castigo tão evidente? A resposta tem dois pontos de análise: o primeiro, porque apesar das boas intenções com que todos chegam ao futebol, quando estão pressionados colocam os seus objetivos à frente da razão; o segundo, prende-se com o seguinte argumento: «Se o outro jogador não foi castigado, porque serei eu?» A forma como se desresponsabiliza um jogador pela sua atitude errada, acaba por legitimá-lo, dando a perceção de que aquele comportamento é correto e que quem o castigou é que está errado. Nesta semana, Marco Silva que está a fazer um trabalho incrível no Fulham foi castigado com um jogo de suspensão. A sua resposta a este castigo foi: «Por vezes com a emoção do jogo, não é fácil controlar. Respeito a decisão do árbitro. Tenho de aprender a gerir as minhas emoções.» Por isto, é que a liga inglesa é diferente, porque incute uma cultura de exigência e corrige (com pesadas coimas) comportamento impróprios ou incorretos. Por cá, enquanto as entidades responsáveis pela organização das competições não aplicarem multas consideráveis que obriguem os protagonistas a pensar duas vezes e os clubes continuarem a desresponsabilizar atitudes condenáveis, o nosso futebol não vai evoluir. Continuaremos a potenciar jogadores e técnicos, mas com um liga incapaz de atrair interesse mediático.
Paulinho foi expulso frente ao FC Porto, apanhou três jogos de castigo, mas deverá defrontar hoje o mesmo FC Porto
PROTAGONISTAS SÃO EXEMPLOS
TREINADORES e jogadores têm de ter a perceção que são referências ou exemplos para muitos jovens que têm o sonho de chegar ao lugar que ocupam. Essa é uma responsabilidade que devem assumir e que, muitas vezes, desvalorizam. Ao não o fazerem, através de comportamentos impróprios e constantemente legitimados pelos seus dirigentes, estão a contribuir para que este tipo de atitudes seja recorrente nos relvados de todos o país, desde as camadas jovens a divisões secundarias.
CLÁSSICO: UM JOGO DIFERENTE
A O longo da minha carreira tive oportunidade de jogar alguns clássicos. Uns correram bem, outros nem tanto. Mas há algo que me recordo com nostalgia. A preparação e envolvência de toda a semana, o ambiente antes do jogo, o estádio cheio e a vontade de jogar futebol. Estes são os jogos que todos gostam e querem jogar, que fazem com que muitas crianças queiram ser jogadores (as) profissionais. São poucos os que têm oportunidade de participar em jogos desta dimensão. A carreira passa rápido e os momentos não se repetem. Espero que logo, ao fim da tarde, os protagonistas desfrutem da sua profissão, com concentração, competitividade, foco, com a noção de que são exemplos para muitas crianças e que os seus comportamentos vão ser acompanhados por todos. O futebol português tem de alterar certos comportamentos recorrentes. Sinceramente não espero muito da classe dirigente. Pelo contrário, dos protagonistas espero sempre algo de diferente. É por eles que o nosso futebol é bem referenciado. Poderá ser por eles que a mudança se pode começar a concretizar.
A VALORIZAR
Cristiano Ronaldo – Ao quarto jogo os golos apareceram. O primeiro póquer na Arábia. Ultrapassou os 500 golos em jogos de ligas e tem 824 no total.
A DESVALORIZAR
Rui Costa – Quando as coisas correm bem é fácil ter uma atitude exemplar. Mais difícil é suportar a pressão num contexto negativo. A forma como Rui Costa abordou o árbitro e as palavras que lhe dirigiu, no final do jogo, devem ter agradado aos adeptos mais ferrenhos, mas deixam o futebol português mais pobre. Este não é o caminho a seguir.