Do «sinto-me em casa» ao fazer «algo especial», passando pela piadinha de CR7: tudo o que disse Ruben Amorim

Novo treinador do Manchester United concedeu a primeira entrevista, feita pelo canal do clube no relvado de Old Trafford. Cuidadoso, como sempre, não mencionou um único nome de jogadores, optando pela sua filosofia e por sublinhar a história e dimensão de um dos maiores emblemas do Mundo. Leia toda a entrevista aqui

Rúben. Bem-vindo ao Manchester United. Como é a sensação de estar aqui?

– É difícil explicar. É estranho porque é um sentimento de pertença logo no primeiro dia. E eu sei que vai ser difícil. Sei que é um grande desafio, mas sinto-me bastante tranquilo. Sinto-me em casa e acho que isso é importante no início. Então, estou muito entusiasmado.

Esta pode ser fácil: é o Manchester United, sim, mas porque é que se juntou a nós?

– Em primeiro lugar, penso que senti uma ligação com o clube. E quando digo com o clube, toda a gente conhece o Manchester United. Mas sinto a ligação com as pessoas do clube e isso é muito importante para mim porque quero trabalhar com pessoas de quem gosto e sinto uma ligação. O segundo ponto é a história deste clube. E também o momento em que penso que todas as pessoas têm fome de sucesso e sinto que este é o lugar onde quero estar também por causa disso, porque podes fazer parte de algo especial, e não apenas mais um. E isso é algo que me agrada muito. E claro, por causa dos fãs, porque em Portugal ouve-se muita, muita coisa da comunicação social. Mas quando se vê aqui os jogos, quando se vê mesmo os jogos, a interação com os dirigentes, com os jogadores, mesmo nos momentos difíceis, acho que é um clube especial. Portanto, são vários os motivos. Mas a primeira razão é porque é um clube com uma grande história.

– Quando diz pessoas, refere-se a Omar [Berrada, CEO], Dan [Ashworth, diretor-desportivo] e Jason [Wilcox, diretor-técnico]?

Claro que tenho de dizer esses nomes. Até Sir Jim [Ratcliffe, CEO da INEOS] e Sir Dave [Braislford, diretor-desportivo da INEOS], mas especialmente Omar, Dan e Jason. Senti uma ligação e senti que estávamos no mesmo momento. Queremos fazer algo especial num clube especial. Portanto, acho que esse foi um ponto chave.

– Alguém disse que o Cristiano [Ronaldo] te chamou poeta. Isso é verdade?

Sim. Mas foi numa de piadinha porque eu gosto de falar, não muito, mas quando falo, acho que falo com o coração. Acho que as pessoas pensam que foi algo só para se divertir, foi uma piada [risos].

Rúben Amorim em Old Trafford (Foto: Machester United/Facebook)

– E jogou aqui duas vezes. Quais são as suas memórias?

Não são muito boas. Eu não ganhei, por isso… Eu gosto de ganhar. Isso é muito importante para mim: divertir-me, mas ganhar. Lembro-me da multidão. Estávamos a ganhar por 2-0 com o Braga, mas depois eles apareceram e acabou para nós. Perdemos esse jogo. Mas, sim, é um lugar especial.

– Quer usar o poder da multidão agora que está no comando?

Claro que se for treinador e não utilizar o mais importante… claro que os jogadores jogam, mas o ambiente é muito importante porque jogam melhor se o ambiente for bom. Depois, claro, precisamos dos adeptos para ganhar jogos de futebol.

– O estádio está incrível agora. Pode sentir que há algo aqui, mas também há um projeto interessante sobre a regeneração na área. E quando se juntam os jovens jogadores, um novo treinador, um jovem treinador para a Premier League, e também todo este trabalho em torno do clube de Carrington e a possibilidade de um Old Trafford remodelado ou de um novo campo. Entusiasma-o por poder estar no centro disso?

Quando o Manchester United falou comigo, Omar contou-me os planos e fiquei entusiasmado. É uma verdadeira honra porque fui a primeira escolha para iniciar este caminho. Portanto, é uma grande responsabilidade. Mas sinto-me honrado e entusiasmado por fazer parte dele. E sabemos que se a equipa jogar bem e ganhar os jogos, tudo será muito melhor e as pessoas vão realmente começar a acreditar no novo estádio e nas novas ideias. Assim, sabemos que somos o motor do futebol. O Manchester United é o motor da Premier League, na minha opinião.

– Quais são as suas primeiras impressões sobre o local e a equipa, pois o campo de treino aqui é para dias de jogos e pode parecer que já se sente em casa e relaxado, mas Carrington é onde estará principalmente e está a ser renovado.

O mais importante é o sentimento de pertença ao clube. E temos história nesse departamento.

Ruben Amorim com Leny Yoro (foto: Manchester United)

– Então quer um vínculo muito forte entre a academia e a equipa principal, quer que se unam?

Acho que é importante. Porque muitas pessoas falam agora do 3x4x3 e do 4x3x3 e de todas essas coisas. Mas quando penso como jogador ou como colega de equipa do Manchester United, não é um sistema ou uma formação, é o caráter dos jogadores, a forma como veem o clube. Portanto, temos de nos focar nisso antes de mais: em como jogamos, como pressionamos. O mais importante para mim neste momento é criar os princípios, a identidade e o caráter que tivemos no passado.

– Então, o que impulsiona a sua filosofia futebolística?

Para mim, é a equipa. Tipo, se tivesse de dizer numa palavra: equipa! A equipa é a coisa mais importante para mim. E, se trabalharem em equipa, o talento individualmente vai brilhar. Mas, se tenho de explicar a importância de tudo, é do caráter, da forma como lutamos, da forma como jogamos, e devemos ter uma identidade. Se os nossos jogadores levarem a camisola, saberão que é a equipa do Manchester United. Todos pensam igual, a correr atrás da bola, brincando, curtindo. Isto é o que me move. Posso dizer o popular, que é ganhar. Todos querem ganhar e eu quero ganhar com os meus jogadores, com os adeptos, mas com uma identidade e uma ideia. É nisso que estou focado o tempo todo.

– Então isso também se reflete na sua personalidade? Quando fala com as pessoas… Vimos-te a cumprimentar toda a gente aqui. Isso importa muito para si?

– Sim. Porque acho que essa é a parte divertida. Sou uma pequena parte do clube. Sei que dirigir, ser treinador principal, é muito importante no clube, porque tens nas tuas mãos o motor do clube. Eu compreendo isso, mas quero fazer parte de algo. Eu não quero estar apenas no comando. Então, quero todos juntos. Será mais divertido e muito mais fácil atingir os objetivos.

– Então, que tipo de cultura de trabalho tenta criar nos clubes? Sempre foi a mesma ou é algo que adaptou à medida que foi desenvolvendo enquanto treinador?

Bem, não conhecem o meu passado como jogador de futebol, mas eu fui jogador de futebol e joguei em qualquer posição: lateral-direito, lateral-esquerdo, defesa, médio, extremo, número 10, número oito. Só não joguei a guarda-redes e a avançado.

– Ainda vai a tempo…

Sim, vou experimentar [risos]. Portanto, duas posições. Portanto, eu era um jogador de equipa e para mim isso é importante. E também porque era um jogador de equipa, às vezes tinha de ficar no banco. Por isso, sei tudo o que os meus jogadores sentem. Por isso, quando penso numa equipa, penso em cada jogador, nos adeptos, no sentimento, tudo está na minha cabeça.

– Então, chegando a meio da época, quais são as suas principais prioridades?

Sabemos que precisamos de tempo, mas temos de ganhar tempo. Ganhar tempo é ganhar jogos. Mas o mais importante para mim é a identidade. Assim, desde o primeiro dia, começaremos pela nossa identidade. Claro que vamos preparar os jogos, mas vamos focar-nos muito no nosso modelo de jogo. Como jogar, como pressionar, essas pequenas coisas, pequenos detalhes. Não se pode ir a 100% a todos os detalhes porque será confuso para os jogadores. Portanto, se tenho de dizer uma coisa, o meu principal objetivo, o meu primeiro objetivo, é a identidade.

– Quando o seu primeiro jogo chegar, eu estarei lá. Que tipo de equipa posso esperar do United de Ruben Amorim?

É difícil dizer. É difícil dizer. Quero dizer-te coisas bonitas, mas sou muito honesto. O que posso dizer é que acho que vai ver uma ideia. Pode gostar ou não, não sei, mas verá uma ideia. Verá um posicionamento. Verá algo. Algo que queremos atingir a este nível. Você sentirá isso. Mas temos de saber que são como se fossem dois treinos antes do primeiro jogo. Esta é a melhor liga do mundo. Mas se eu tiver de lhe dizer algo, verá uma ideia. Isso posso garantir.

Amorim na sala de troféus (Foto: Manchester United)

– Se virmos uma ideia, serão a paciência e a crença. E há uma consciência de que este é um projeto a longo prazo. Tens jovens jogadores como Kobbie, Amad, Garna, Rasmus, Leny, quase a regressar de lesão. Há entusiasmo com este potencial?

Sim, sim. Mas não quero dizer que precisamos de tempo porque somos uma equipa jovem. Eles estão preparados. Estão preparados para lidar com as exigências de jogar no Manchester United. Eles estão aqui. Sabemos que vai demorar e vamos tentar ganhar tempo com os jogos. Mas temos de começar desde o primeiro dia sem medo, sem pensar que não estão habituados a jogar assim. Isso não está na minha mente. Começarão no primeiro dia com a nossa ideia, aconteça o que acontecer. Esse é o objetivo.

– Ok, vamos falar do estádio. Fizeste a tua digressão ontem com Jason, o «Sr. Man United»! Ele sabe tudo. O que achou do dia?

É diferente. Como disseste, entras em Carrington e sentes isso. Mas quando se vem aqui, é tão diferente. Vê-se os troféus, vê-se a tragédia [queda mortal do avião com a equipa de 1958, conhecida como a tragédia de Munique] que temos como clube. Portanto, já se percebe a história, depois da queda [do avião], fomos campeões europeus. Este tipo de força acho que é importante colocar na nossa equipa. Quando os jogadores vierem aqui, deverão fazer o mesmo turno com o mesmo tipo o tempo todo. Eu acho que isso é muito importante de se fazer. Uma coisa é tu sentires que isto é o Manchester United e isso é normal. Se estiver muitos anos sem ganhar, começa a perder isso. Por isso, tem de ser muito claro na mensagem que quero passar aos jogadores. Por isso, acho que precisamos de colocar todos os jogadores a fazer a mesma coisa, para recuperar esse sentimento.

– Então acha que a história deve inspirar a equipa?

Isso é certo. Isso é certo. É por isso que somos o Manchester United. É por isso que… há muito tempo que não ganhávamos a Premier League. Mas, se perguntar, o Manchester United é o maior clube de Inglaterra. Portanto, isso faz parte da história, não é agora. Por isso, temos de abordar isso, mostrar isso e tentar ganhar novamente.

– E vamos terminar. Quero que deixe uma mensagem a todos os adeptos do Manchester United que estão a assistir. Esta é a sua oportunidade de falar com eles. O que diria?

Essa é uma grande responsabilidade. E a primeira coisa é que estou muito honrado por estar aqui. Foi a minha única escolha porque acho que sinto realmente o tamanho deste clube. E depois farei tudo pela equipa. Defenderei os meus jogadores se for preciso, o tempo todo contra todos. Esse é um ponto chave para mim e tentarei fazer tudo para colocar este clube no lugar que lhe pertence. E acredito muito que vamos conseguir.