Somos Neemias Queta
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Somos Neemias Queta

OPINIÃO23.09.202316:13

NEEMIAS QUETA, primeiro jogador português na NBA em representação dos Sacramento Kings, foi recentemente dispensado. O que significa que não conseguiu convencer aqueles que primeiro o distinguiram pelo potencial que revelava. Para já, uma nova oportunidade, nos Boston Celtics. Num tipo de relação contratual semelhante ao anterior, Neemias Queta continuará assim a sua tentativa de afirmação como profissional de basquetebol.

Enquanto adeptos da modalidade, pertence-nos afirmar que ‘Somos Neemias Queta’! 

Mas também devemos registar quanto (cada vez mais!) não basta ser bom física e tecnicamente para se ser atleta profissional ao mais alto nível. Neste tipo de decisões das equipas da NBA, o jogador em observação, para além do físico e do técnico, está desde o primeiro momento a ser avaliado (também e muitas vezes principalmente!) acerca das suas:

- inteligência social (se consegue, ou não, de forma consistente sacrificar-se pelo coletivo); 

- inteligência espiritual (até onde é capaz de se superar e se tem ambições claramente definidas); 

- inteligência emocional (que atitudes positivas consistentes possui e se manifesta preocupação com os outros);

- inteligência mental ((até onde consegue manter níveis elevados de atenção e estar focado nos objetivos a alcançar).

No fundo, estamos perante a entrada em jogo da complexidade global do comportamento humano, naturalmente muito além daquilo a que, na maioria das vezes, adeptos, treinadores e dirigentes das diferentes modalidades atribuem a devida importância.

Por exemplo, ao entrarmos numa sala para assistir a uma conferência, muitas vezes damos por nós a ir-nos sentar lá bem no fundo. Se sentimos um cheiro desagradável, automaticamente fazemos uma careta de desagrado. Se deparamos com uma criança que nos sorri, correspondemos imediatamente à atenção de que fomos alvo, sorrindo igualmente. 

Todas estas respostas não são conscientes, bem pelo contrário, são perfeitamente automáticas. Mas não só! Ao estarmos a assistir à conferência atrás referida, por muito que nos interesse o tema em causa, em cerca de 50% do tempo o nosso cérebro irá divagar, pensando noutras coisas. Dura realidade esta que nos leva a concluir quanto andámos enganados pensando que éramos acima de tudo razão e só depois emoção! Afinal, bem pelo contrário, somos antes do mais, emoção (resposta automática e inconsciente a tudo o que nos envolve) e só depois entra a razão.

Daí a importância atribuída ao treino dos Valores (enquanto regras comportamentais das organizações) e dos teambuildings (enquanto momentos fundamentais para o estreitar de relações de confiança e compromisso da generalidade dos colaboradores com os objetivos comuns). Idem quanto ao treino na área comportamental cuja dominância é cada vez mais visível no âmbito das equipas de alto rendimento desportivo. 

Por via das suas experiências vividas, atletas, treinadores e dirigentes adquirem um saber comportamental que se enriquece com novas experiências que oferecem sentido e significado às experiências do passado. A respetiva perceção da realidade em que se inserem é, assim, um diálogo vivo entre o seu corpo próprio e o meio ambiente e o respetivo sentir, não é introspetivo ou mental pois existe uma coexistência vivencial daquilo que é percecionado. 

Aquilo que é percebido por atletas, treinadores e dirigentes constitui uma forma original da sua dinâmica expressiva, em que o seu corpo através da sua motricidade evidencia a sua intencionalidade. Quando realizam um determinado movimento ou ação, fazem-no com base no conjunto de experiências passadas, às quais se juntam uma enorme plasticidade. 

A sua espacialidade e motricidade são assim modificações do seu ser individual representadas em cada atleta, treinador ou dirigente, como duas faces do fenómeno de existirem e de se situarem na realidade que os envolve através da perceção. 

MOTRICIDADE que é indissociável do espaço e que, ao movimentarem-se, os projeta no horizonte do possível e do potencial, deixando-os invadir pela situação, associando experiências passadas, modificando a situação ou deixando-se modificar por ela. Tudo isto tendo como base um corpo fenomenal que os obriga, por um lado, a rever o conceito de espaço, interpretando-o como o local onde o seu corpo expressa a sua motricidade; pelo outro, entendendo as suas ações motoras como uma expressão, uma comunicação, uma construção de significados, onde a expressão corporal e facial, tal como a linguagem e respetivo tom de voz, repercutem naqueles com quem comunicam.

O corpo expressivo de atletas, treinadores e dirigentes possui assim, tal como o de qualquer ser humano, um conjunto de aptidões sensório-motrizes; sendo através delas que estabelecem relações (comunicam) com o meio ambiente e aqueles com quem se relacionam nos diferentes contextos em que se inserem. 

Segundo Philippe Rochat, «desde que nascemos o nosso corpo age em função de objetivos funcionais. Não agimos através de uma soma de reflexos mas de condutas e comportamentos adaptados que implicam um esquema postural que se refere à consciência primordial de um Si ecológico…Os outros são uma espécie de espelho social, avaliativo e não só refletor como é o caso do espelho físico… uma co-consciência de si em interação com os outros, uma consciência que está no interface do sentido de si e do sentido dos outros.» ( Sens de Soi et sens de l’Autre au début de la vie, Le Corps en Acte Presses Universitaire de Nancy, 2010, página 66).

Os seus processos motores e sensoriais, a sua perceção e as ações que empreendem, são fundamentalmente inseparáveis da cognição vivida. E a intencionalidade da sua cognição enquanto ação corporizada, consiste primariamente em que essa ação está dirigida, corporizada e estreitamente ligada às experiências anteriormente vividas. 

Na circularidade fundamental que é a sua vida, cada um dos respetivos Eus constitui-se nessa relação continuada com os outros e o espaço comum da sua existência é esse espaço vivido. Tal como o seu comportamento não é simplesmente uma soma de movimentos mecânicos, pois tudo é dialético na sua relação com o meio ambiente onde se integram, entre ações e reações também tudo o que se refere à sua comunicação intersubjetiva. 

Através do seu corpo, apreendem o sentido da comunicação que os outros pretendam estabelecer e, sempre que se relacionam, estabelecem uma continuada relação corpo-mundo em que os respetivos corpos, enquanto sujeitos sensíveis, se encontram com as ações dos outros. Descobrindo nessa relação entendimentos nas intenções de cada um e estabelecendo relações intersubjetivas em que cada um adquire o respetivo esquema corporal descentrando-se de si próprio. 

Uma continuada interação que atribui sentido à realidade em que se integram, decorrendo a aquisição de conhecimentos e hábitos através das relações intersubjetivas entretanto estabelecidas onde, naturalmente, a motricidade, o corpo expressivo e a linguagem têm uma enorme importância.

A propósito deste tema do saber comportamental de atletas e treinadores, acrescentaria a opinião de Francisco Varela, Evan Thompson e Eleanor Bosch, no seu livro ‘The embodied mind, Cognitive Science and Human Experience’, Edição de Massachusetts Institute of Technology, 1991.

Segundo estes autores, as novas ciências da mente necessitam alargar o seu horizonte para abrangerem, em simultâneo, a experiência humana vivida e as possibilidades de transformação inerentes a essa experiência humana. 

No fundo, integramos a experiência humana habitual contida nas nossas atividades diárias, com o respetivo alargar dos seus horizontes em benefício das perceções e análises que são distintamente forjadas pelas ciências da mente. Se examinarmos a atual situação, com a exceção de algumas reduzidas discussões académicas, a ciência cognitiva tem acrescentado muito pouco ao que significa ser hoje um ser humano nas suas situações vividas diariamente. 

Por outro lado, aquelas tradições humanas que se focaram na análise, compreensão e possibilidades de transformação da vida diária dos seres humanos requerem ser apresentadas num contexto que as torne válidas para a ciência. Tudo o que nos estimula através do ambiente em que vivemos, tem enormes repercussões diárias na nossa forma de estar e de ser! O que significa que o nosso processo de tomada de decisão racional e consciente, não só é muitas vezes guiado inconscientemente por essas nossas emoções, como inclusive precisa delas para se expressar de forma mais eficaz.

Conclusão, o modo como nos sentimos e os nossos respetivos estados físicos, mentais, emocionais, sociais e espirituais influem de modo decisivo as nossas atitudes e comportamentos diários!

Ganha tudo isto uma muito maior expressão quando se trata do Neemias Queta estar ou não preparado para no futuro próximo conseguir corresponder ao que dele esperam aqueles que o contratam. Como esperamos que sim, insisto, ‘Somos Neemias Queta’!

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