Sinais dos tempos
Os sinais criados pela atual pandemia estão à vista e estendem-se a quase todos os setores de atividade, mas não vale a pena sofrermos por antecipação. Com o mar assim, atitudes derrotistas ou pensamentos negativos são meio caminho andado para agravar o problema, não para procurar a solução. A alternativa mais saudável mora no otimismo e, sobretudo, na atitude com que devemos encarar o futuro próximo. É importante que nos agarremos ao leme e ultrapassemos o Cabo das Tormentas com a força e resiliência que, um dia, Bartolomeu Dias e seus timoneiros o fizeram. Compensou para eles, compensará para todos nós. Tenho a certeza.
A este propósito - de manter as boas energias e de fazer coisas boas e bem feitas - já vos falei de um movimento de solidariedade criado por vários jogadores (futebol não profissional) no sentido de apoiar colegas de profissão em situação complicada.
O movimento Futebol para a Vida, que colocou a nu as enormes fragilidades de todos os que não têm o privilégio de estar na alta competição, cresceu e tem agora o apoio de outras pessoas/entidades. Esse contributo tem resultado na capacidade de poucos ajudarem muitos e isso é algo de absolutamente fantástico.
Mais do que a comida que é colocada à mesa de quem precisa (e acreditem, é literalmente disso que estamos a falar) ou da ajuda importante para as despesas básicas, é a esperança que gestos como esses têm devolvido a quem tanto preciso de ânimo e força nesta fase cinzenta das suas vidas.
Não se pense que, no desporto, essa precariedade pontual seja exclusiva de jogadores ou treinadores. Não é. Não é de todo. A aflição tem também atingido roupeiros e massagistas, tratadores de relva e cozinheiras, diretores desportivos e árbitros. Neste particular, os mais atingidos são os que atuam a nível distrital, realidade que em termos de remuneração mora a anos-luz do futebol profissional. Apesar da vergonha em assumirem tempos difíceis, muitos dos que andam a arbitrar nos regionais sempre dependeram da preciosa ajuda dos prémios de jogo. Uma ajuda mensal importante, ainda que nem sempre paga justamente ou a tempo e horas.
Mas sem futebol para arbitrar, em situação de lay-off ou dispensados pelas entidades patronais, alguns árbitros vivem agora uma situação familiar dramática.
Nem tudo é perverso no meio disto tudo. A malvadez imposta pelo novo coranavirus serviu, ao menos, para sublinhar a importância de terem outra atividade, sendo que a arbitragem deve ser, para eles, apenas um hobbie levado a sério. Uma paixão para encarar com atitude profissional, mas com o amadorismo de quem sabe ter nos estudos ou noutra profissão o seu alicerce maior.
Mas a verdade é que, para quem já não ganha muito, qualquer retorno paralelo é importante e esse, por enquanto, deixou de existir.
Não sei se a estrutura está a par dessas situações e se já se disponibilizou para ajudar (acho, sinceramente, que devia fazê-lo, mesmo sentindo não ter essa obrigação).
O que sei é que isso não invalida que - num gesto altruísta e de verdadeiro espírito de classe - os árbitros/árbitros assistentes do futebol profissional pudessem dar o seu contributo.
A solidariedade faz sentido todos os dias, mas tem outro valor quando começa e termina dentro da própria casa, onde todos sentem as mesmas alegrias e as mesmas dores.
Esse grupo de elite podia, por exemplo, fazer aquilo que o Paulinho, o Ibra e o Hugo Machado fizeram, de forma desinteressada e gratuita, em relação aos quase duzentos colegas de profissão que apoiaram.
Pensem nisso.
Já o fizeram no passada para tantas outras causas, era importante fazê-lo no presente para uma que também é a vossa.
O esforço de muitos é sempre pouco e dá sempre tanto. Hoje por eles, amanhã por vocês. Certo?